2 - Sobre essa manilha a "mó andadeira" de um desses moinhos cujos anos de labor se adivinham no desgaste com que se apresenta reformada, isto é, atestando, sem palavras, o tempo que girou a fazer farinha de milho, centeio ou trigo, suspensa na segurelha que, ao centro, em refego adequado, lhe transmitia as rotações do rodízio, cujas penas, confluindo no pelão, formavam uma espécie de rosácea horizontal onde esguichava a água, essa primitiva e genuína força motriz da nossa indústria moageira.
3 - A rematar, sobre essas duas peças, a aiveca de uma charrua igualmente reformada, peça solta de uma ferramenta agrícola que, laborando na Idade Média no centro europeu, só chegaria a estas terras do interior nos fins do século XIX, tal como demonstrei no meu livro «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura». Peça a fazer lembrar o aparo de uma caneta, relha em bico, lavrou campos e leiras, registando anos de vida e de história camponesas em escrita bustrofédon.
Três elementos associados pela sua função e vida numa só ESCULTURA a emprestar arranjo e significado ao átrio do meu quintal, naquele espaço de logradouro doméstico onde o antigo proprietário, conhecido por João Bicho, juntava os seus amigos a jogarem as cartas e a bebericarem vinho da sua lavra, acompanhado de bom fumeiro, bom presunto e melhor broa de milho moído no vizinho moinho das Canelas. Aquele moinho que, a montante das Poldras do Godinho, não resistiu à força do progresso e desapareceu por causa A24 que atravessam o rio Paivó. Se calhar, pela sua proximidade, o primeiro e o último a servir a população de Fareja.
Sem esquecer, todavia, o picarnel que funcionou com a água da levada das águas de Vila Pouca/Baltar, naquela barroca que atravessa a estrada na curva da Romã até aos anos 50 do século XX, mesmo ao lado onde o meu tio Joaquim Soares construiu a sua moradia depois de ter deixado a quinta de Lobo Johanes.
INDÚSTRIA, TÉCNICA E CULTURA incorporadas numa só peça.