HISTÓRIA VIVA
O senhor ORLANDO MORAIS, cidadão castrense que teve loja de ferramentas e utensílios domésticos aberta defronte dos PAÇOS DO CONCELHO, em Castro Daire, ofereceu-me, há anos, um RELÓGIO DE SOL moldado em marmorite, proveniente de uma fábrica sua fornecedora, sita lá para as bandas de Aveiro. Entregou-mo tal como saiu do MOLDE, sem cor, nem vida, ainda que estivesse pronto a receber e a mostrar uma e outra.
Aceitei a oferta amiga e a primeira coisa que fiz, na minha oficina doméstica, foi pintá-lo a meu gosto e tosco jeito (foto 1). Depois foi servir-me da parabólica giratória (através da qual os meus filhos, ainda pequenos, sem restrições dos pais, começaram a ver o mundo via satélite, três, na altura) parabólica tornada inútil com a chegada e adoção da nova tecnologia digital. Com essa minha atitude dei serventia a duas coisas mortas, expondo ao SOL o que nas catacumbas jazia.
Na superfície côncava da parabólica pintei toscamente outro RELÓGIO DE SOL com animais do campo postos nos sítios das HORAS, já que, no campo, para GENTE e ANIMAIS o dia de trabalho era de SOL a SOL. E os dois, um sobreposto ao outro (foto 2) conviveram em paz e sossego até que uma ventania fora do normal, o deus Eólo irado, fez girar a parabólica, deu-lhe inclinação suficiente para acontecer o divórcio. A oferta do senhor ORLANDO MORAIS estatelou-se no chão e da queda imprevista resultou a danificação completa do rebordo onde estavam inscritos os números das HORAS. Foi o deus Eólo, o mesmo que, por montes e serras, faz girar os geradores, esses gigantes que tomaram o lugar dos pastores, que no seu tempo eram efetivamente gigantes.
Face aos danos sofridos, estivesse ele noutras mãos, o caminho certo era ATERRO DO PLANALTO BEIRÃO que recolhe o lixo do distrito de Viseu. Mas considerado por mim uma peça de arte fruto da inteligência e imaginação humanas, um livro aberto de GEOGRAFIA e GEOMETRIA que incorpora as páginas de LATITUDE, NORTE, SUL, ESTE e OESTE, e bem assim, ÂNGULOS de graus diversos (um RELÓGIO DE SOL não é, como alguns pensam, uma pedra ou uma tábua com riscos) analisei as causas do acidente, a estrutura da parabólica e pus-me a pensar no aproveitamento que podia fazer das duas peças, aparentemente inúteis.
A estrutura da parabólica era formada por um prato metálico no qual foi rebitada uma ampliação por forma a alargar-lhe a superfície côncava e melhor captação dos sinais analógicos que se transformariam em imagens de televisão.
Visto isso, de fita métrica na mão, medi o diâmetro do prato metálico e também da parte central que restou do relógio. Encaixava. E nem faltavam sequer os furos de suporte. A decisão estava tomada. Tirei os rebites da parabólica, soltei a sua ampliação que remeti para o lixo e na parte restante encaixei o relógio marmorítico, depois de limpas as partes esbouceladas através de uma rebarbadora manejada pelo meu primo António Fernando, (de Cujó) ocasionalmente a pavimentar parte do logradouro do meu quintal. Um regalo (foto 3).
Mas os números? Ora aqui é que está uma coincidência digna de nota. Com a idade, o senhor ORLANDO MORAIS, aquele que me tinha oferecido a peça, fechou a loja e esta veio a ser adquirida pelo jovem relojoeiro, PAULO ALMEIDA, que, depois de obras feitas e espaços adaptados às novas funções, mudou-se para lá com armas e bagagens. É uma RELOJOARIA que dignifica CASTRO DAIRE. A «OURIVESARIA ALMEIDA». O concelho precisa de jovens empreendedores deste quilate.
E eu, que passei a vida a falar aos meus alunos sobre o PASSADO, que me entretenho a investigar e a escrever sobre essas coisas SEM IMPORTÂNCIA nenhuma (para alguns pré-claros, claro) mantenho-me sempre atento ao que de novo aparece na minha terra e, por isso, acompanhei a mudança. E verifiquei que, de há uns tempos a esta parte, com a exigência dos tempos, dos gostos e das novas tecnologias, ele adquiriu uma TROTEC LASER com o programa COREL DRAW incorporado. Nela tem produzido autênticas obras-primas de arte recortada em madeira e acrílico.
Sabedor disso, não era desta vez ainda que o RELÓGIO DE SOL iria parar ao ATERRO DO PLANALTO BEIRÃO. Levei-lhe a ideia, forneci-lhe as medidas necessárias e incumbi-o de fazer MEIA LUA com os NÚMEROS das HORAS em falta. Fiz-me entender. Optei pelos algarismos em vez de numeração romana. Depois de alguns esboços recortados em madeira, passou-se ao recorte definitivo em acrílico. A seguir tudo esteve por minha conta. Foi só fixar a MEIA LUA com os NÚMEROS na parte inferior. O resultado está à vista. Um técnico, que antigamente usava a pinça e a lupa a bulir nas rodinhas de relógios mecânicos, deu o seu contributo ao funcionamento de um RELÓGIO DE SOL. E fica feita também a prova de que a colaboração, a junção de ideias e saberes DIVERSOS dão resultado, numa conjugação de esforços. E de que eu, para além de manejar, a meu jeito, o podão na FLORESTA DAS LETRAS e da HISTÓRIA, também sei manejar outras ferramentas. É o que se pode dizer, como tantas vezes repeti aos meus alunos, «APLICAR CONHECIMENTOS VELHOS A SITUAÇÕES NOVAS», ciente de que «NEM TUDO O QUE É VELHO E MAU, TAL COMO NEM TUDO O QUE É NOVO É BOM».
E desta vez, com a «HORA SOLAR» (12) e a «HORA DIGITAL» (13) garanto que o VENTO não levará a melhor, por mais forte que bufe. Bufando ou não bufando, ele que exerça a sua função rodando o CATA-VENTO que acoplei na mesma estrutura. Mas que deixe o SOL em paz, a marcar o ritmo do mundo, no seu eterno e aparente giro em torno da TERRA...sempre a dar HORAS... Que mais não seja, os meus filhos e netos apreciarão o labor do seu pai e avô, nesta fase de ENVELHECIMENTO ATIVO. Imaginativo? Criativo? Eles terão TEMPO sobejo para dizê-lo, pois um RELÓGIO destes, mesmo sem pilhas DURACELL...«dura...dura...dura...».