MÉRITO RECONHECIDO
Depois dos «académicos» e demais personalidades terminarem a refeição que degustaram a mirar o Paiva, lá, daquela ampla varanda do Museu Maria da Fontinha, no Gafanhão, deu-se início à cerimónia da entrega de troféus e diplomas.
A par de tantos outros, recebi das generosas mãos da Editora-Chefe, Exma. Senhora Dona Dyandreia Valverde Portugal, o diploma «IMPRENSA SEM FRONTEIRAS" atribuindo-me o «o troféu 'Imprensa sem Fronteiras' na categoria de LITERATURA onde por mérito e reconhecimento promoveu o enriquecimento da cultura do País», documento emoldurado naquela fala quente, melosa e cativante, que me soa tão bem ao ouvido e me lembra os livros de Pedagogia e Psicologia que tive de estudar na cadeira de Metodologia Geral, na Faculdade de Letras de Lourenço Marques, edições brasileiras, pois não as havia em Português continental. A minha Lusofonia começou lá no outro lado do mundo, numa colónia, a ler Português brasileiro, sem receio de ser colonizado.
O anfitrião, Dr. Arménio Vasconcelos, gentil, amável e afetuoso como sempre, às vezes de voz embargada, distribuiu louvores e diplomas, todos eles encaixilhados nos afetos e adjetivos que, na sua capacidade oratória e experiência nestas lides, tão bem sabe extrair do nosso bisalho idiomático.
Foi das suas mãos, com os costumados encómios, que recebi o DIPLOMA da «ACADEMIA DE LETRAS E ARTES LUSÓFONAS» onde se lê que «por mérito» fui promovido a «membro Académico Honorário da Academia de Letras a Artes Lusófonas», assinado pelo seu Presidente, Dr. Arménio Vasconcelos, instituição para que tive a honra de ser convidado, por ele próprio, para sócio fundador e honradamente me escusei a sê-lo, dando, ao tempo, as necessárias justificações e respetivos fundamentos. São os paradoxos da vida, escusar-me a ser membro fundador de uma instituição e vir a ser galardoado por ela.
Na oportunidade, e porque fui avisado que não podia alongar-me nos agradecimentos, encontrei muleta numa expressão da minha esposa que me dizia: «tu és um homem de palavra e da palavra». Eu garantia a primeira parte da expressão, mas a segunda, não tanto, pois às vezes a palavra me faltava e eu tinha de recorrer a tópicos, apontamentos ou cábulas. Foi o que fiz. Puxei do Ipad, abri aquela geringonça e pus-me a debitar para aquela ilustre plateia de académicos lusófonos:
«Grato lhes fico a todos, pela distinção. E isso me consola.
Mas nestas coisas da escrita e do pensamento, a verdade seja dita: eu sempre uso a bitola da minha avaliação docente e julgo não estar enganado se disser humildemente que na minha escala de valores o mérito atribuído ao meu caminho andado reverte para os avaliadores e não para o avaliado.
Não nego, antes afirmo e disso dou mostras., que por vezes me perco na floresta das letras, amazónia de verdades, de petas e demais apostas.
E me confesso muitas vezes perdido sem sucesso no granel cultural de palavras mil usadas em Angola, Portugal, Moçambique, Brasil, abundante terminologia em toda a Lusofonia na qual lobrigo, olhando para trás, o termo adequado ao que aqui me traz.: a este espaço sem barreiras, nem fronteiras linguísticas e culturais, onde tomo a liberdade de, por cabaço, chamar à virgindade e, sem milando, para que o meu passado associado fique a Moçambique, onde eu frequentei o liceu e também a universidade (mesmo que imerecido seja o diploma que me foi atribuído) em vez de obrigado, eu vos diga ... KANIMAMBO»
E porque o Dr. Armémnio é autor do poema «Vem amigo, que eu te convido» apelando à belezas da serra, das suas gentes e animais, com um sabor homérico que nem todos nele descortinam, há cinco anos declamado no alto do Penedo da Saudade, alojado no Youtube, e porque ele fundou a «Neo-Helade» em Almofala, Figueiró dos Vinhos, quando a podia fundar também em Castro Daire, não tive tempo para dizer um excerto extraído de texto que elaborei em 1995-1996, exatamente com o título «A INFLUÊNCIA DA LITERATRURA CLÁSSICA NA CULTURA PORTUGUESA» inserido num curso obrigatório para a progressão na carreira docente. Eis, pois, como à semelhança do apelo feito no poema do Dr. Arménio «Vem amigo, que eu te convido», estando eu a ler «As Nuvens» de Aristófanes junto ao rio Paiva, dele vejo sair uma ninfa que comigo dialogou na seguinte forma:
«Vistas as coisas assim, eu, Paivatea, em verdade te digo, já que vais embrenhar-te na floresta onde se albergam as influências clássicas e cristãs na cultura portuguesa e através duma vereda tortuosa, pouco vincada, cheia de silvas a barrarem-te a passagem, dou- te um conselho:
Vai! Mete-te no meio do povo, observa o que ele faz, as técnicas que utiliza para sobreviver, os rituais que pratica. Vai às festas e romarias, atenta nas suas atitudes e comportamentos quotidianos, não descores o conceito de família, o papel da mulher na sociedade, descortina os princípios orientadores da educação, lê e ouve os poetas populares, vai às bibliotecas, às tavernas, aos bares, aos bordéis, às discotecas, às eiras, e não deixarás de encontrar algo do que procuras. Não explores tudo, que isso daria para uma enciclopédia de vários volumes. Não defendas tese direcionada, compacta, consequente. Mas faz alguma coisa. Traz à mesa da reflexão dados polémicos, contraditórios, se necessário, pois estarás a contribuir para o esbatimento do...
«fosso entre o Portugal histórico e o Portugal quotidiano, que faz com que o Português pertença simultaneamente a duas pátrias diferentes e, embora, sendo ambas Portugal, não se sinta, no íntimo, contemporâneo nem de uma nem de outra, mas órfão das duas»(1).
Entretanto, pelo caminho, ri e faz rir. Confronta a mentalidade da Idade Média com a mentalidade clássico-renacentista e posterior. Não receies assumir o papel do bronco Estrepsíades e bater, sem maneiras, à porta do luso pensadoiro e dizer o que pensas, mesmo fora de portas, isto é, fora das academias. Se alguns dos pensadores-lusos se mostrarem escandalizados contigo, faz pior ainda: levanta o braço, mostra-lhe o dedo médio (com o indicador e o anelar dobrados), como fez Estrepsíades a Sócrates quando falavam sobre o dactílico(2). Não receies, como ele não receou, que o teu trabalho, ribombando entre as nuvens, visto pelas divindades do saber, seja comparado a «um bom par de peidos»(3). Não receies ser o campesino bobo da corte, o vaqueiro vicentino, não receies receber «sete repelões (...) à entrada», pois bem pode acontecer que, face ao monólogo periférico que na História e na Cultura assumes, sejam outros, que não tu, a dizerem embasbacados:
"Mas está feito, está feito;
e se se for a apurar
já que entrei neste lugar
tudo me sai a proveito:
Té me regala ver cousas
tão formosas
Que me fico parvo a vê-las»(4)
NOTA: este texto tem a versão integral no meu velho site, desdobrado em vários capítulos com o título «TORNA-SE O HERDADOR NA COUSA HERDADA», glosando Camões: «torna-se o amador na cousa amada»
A cerimónia terminou com as palavras que o senhor Vereador do Pelouro da Cultura do Concelho de Castro Daire, Dr. Rui Braguês dirigiu a toda a plateia, felicitando a iniciativa e agradecendo a todos os presentes a sua visita ao concelho na esperança de que voltem mais vezes. Congratulou-se com os galardões e diplomas recebidos por todas as pessoas agraciadas, em especial as que na região e no concelho tem dado o seu contributo a Cultura.