PELA RUA ABAIXO, 2
Junto ao quelho e estrada, a casa de duas irmãs padeiras. Uma ficou para tia solteira e outra foi a mãe do Padre António Silva, que, inteligente, a deixou, depois, às suas criadas.
Em frente desta casa está a oficina de Bernardino Felício, que gostava da pinga, mas era bom no seu ofício. E ao lado, a casa do sobrinho ciclista, motociclista e sapateiro que emigrou para África. E em frente, uma pequena casita pouco ocupada, mas modificada, coisa rara, se tornou habitação confortável e nela vivia a minha parente Bizarra. Tinha pegada a si a Casa da Laura Cerdeira, tia do Dr. Pio e mãe de Abílio Teixeira. Seguia-se uma casa de tipo senhorial, que era do Afonso Lacerda, do Basílio. Nelas moraram sempre os Lacerda Pinto. Morreu a filha, mas ficaram o António e a Nini. Logo ao lado, uma casota miserável, onde moravam muitos, modestamente. Mas a sorte os enxotou dali e já ninguém na mora.
Em frente disto tudo, a ESTRADA NACIONAL, o muro de alvenaria que limitava as terras de João d' Oliveira, sempre conhecida por Quinta da Albergaria. Ao lado, o quintal de Clemente-Vitorino. Duas casitas juntas, cobertas de telha antiga, numa mora o manco António Guedelha e noutra o famigerado Marcelino Rocha.
E nesta casa termina a vila. Na sua parede está, há quase um século, o letreiro em azulejo "CASTRO DAIRE" (ver a crónica que publiquei neste site, em 22 de setembro p.p. com título "ARQUEOLOGIA, 2", onde trato dos MONOGRAMAS existentes na vila. Nesse dia, mal sabia que a receber viria, de mão beijada, pouco tempo depois, esta preciosa informação sobre a NOSSA TERRA E AS NOSSAS GENTES).
E, chegados aqui, ao fim da vila, volvemos ao Quelho das Eiras, onde havia a casa do Alfredo, que lá mantinha, em segredo, a Amélia, magricela, mestra das forneira.
Virando as costas à CASA DAS EIRAS e andando para a vila, passamos por um portão de ferro, pintado de verde, entrada para casa e quintal bem tratado, onde moravam a D. Lívia e o senhor Saavedra.
Prosseguindo, vinha a casa do Monteiro e nela viviam a Corina, filhos, Stanislau, onde nasceu o filho João. Logo depois, a casa do António da Laura, gente muito humilde, mas prestativa. Junto desta, uma casinhola, onde vivia a florista Policarpo, que era uma artista a montar flores artificiais a imitar as naturais.
E na casa que mais tarde foi do Ferreira, vivia a tia Adelaide, minha "mãe de criação". (Quem o diz é Calos Mendonça que estamos a acompanhar nesta nossa digressão pela vila, lembram-se?) Em frente dessa casa vivia a a tia Lapa e Carvalhais, chamado Sousa Pinto António Augusto. Nesta casa sempre moraram boas moças, depois o Dr. Poças. E à esquerda, naquela pequena rua ou quelho, hoje com o nome de um missionário (jesuíta Sebastião Vieira, digo eu) morava o aposentado Albquerque, marido da Guedelha. E sempre descendo, temos a casa da enérgica Maria do Gabriel. E perto das "mestras favo de mel" morava o antigo cego Carneiro.
Chegados ao fundo do beco (a atual Rua Sebastião Vieira) volvemos ao cimo dela. Ali, ao centro, o cruzeiro assente em degraus. Repousemos neles sentados por momentos. Olhando em redor vemos as duas capelas: a de São Sebastião e a da Senhora da Lapa. Ao lado desta o velho solar brasonado dos Mendonças. Em frente dele um quintal e ao lado, no sentido descendente, a Taverna do Cavaquinho e a antiga residência do Abade (espaço onde esteve o quartel dos Bombeiros e hoje está o edifício dos Correios). Logo a seguir os Paços do Concelho. Ouçamos o que nos diz CARLOS MENDONÇA:
A seguir vinham quatro repartições:
Finanças, Câmara e o velho Tribunal,
Administração, donde saíam bem ou mal
Para o concelho e comarca, determinações.
Leram bem? Eu li e interrompo aqui a palestra de Carlos Mendonça para dizer por minha conta, sublinhado: aqui, nem um nome. Ele, Carlos Mendonça, que tem vindo a predar-nos com vários nomes, profissões e até com alguns traços sociais, individuais, físicos e psicológicos marcantes dos identificados, aqui nem um nome. Sobre os protagonistas do poder administrativo, político, judicial e financeiro, nada. A identidade de cada um deles fica diluída nas boas ou más determinações que dali saem para todo o Concelho e Comarca. Isso é já de si uma marca. Pois. Mas isso era no tempo de CARLOS MENDONÇA. Gente e nomes esquecidos pela história e pela poesia, os atuais detentores do poder, cansados de serem esquecidos por historiadores e poetas, encarregam-se de divulgar e perpetuar em pedra a sua identidade por tudo quanto é lado. E é ver os nomes deles escritos em letras garrafais, gravadas em placas fixadas mas paredes, nos largos e praças públicas: "OBRA INAUGURADA POR....» seguida do nome do INAUGURADOR. E são tantas hoje em dia - é demais - mas elas são o testemunho de PROMESSAS eleitorais. Por isso não há aldeia de freguesia onde não haja uma PLACA DESSAS. Outros tempos!
Finalizado este meu necessário "aparte", sigamos novamente Calos Mendonça. Em frente à Câmara está a venda velhinha , onde Maria de Almeida, vende mercearia: açúcar, bolos, café, chá, tudo, que de especiarias pouco tinha.
Junto dos Fonsecas havia um casarão, onde nasceram a Estrela, a Laurinda e a Cordália (menina linda) e os irmãos Julião, João e Gastão. Bem ao lado, eis a Ladeira que leva ao Calvário e, lá em cima, a Virgem Santa chora o filho no sudário. Ao fundo, com uma entrada para as quintãs, eis a casa dos Granjas e em frente a casa dos Pintos, do Augusto Albano. E em frente desta, a Casa das Ursulinas, onde existia a Taverna Bigode de Estopa, casado com uma delas.
Fronteiro, sempre sonhador, o Abel e seus tristes fins. A irmã casou com Clemente Martins, embora dele não gostasse o ferrador. Pegada à casa do ferrador moravam as pessoas conhecidas na vila por Caetanas.
Em frente a casa do Manuel das Pintoras. A esposa Marquinhas era uma santa. Dava de comer a todo o sacripanta e boas eram as suas filhas. Em frente o antigo quelho com casas habitadas: de um lado, o pintor Carmelindo Rolo e do outro a casa das Pitadas. Esta casa fora, outrora pertença do velho Malheiro, homem de bem, cuja esposa, que me amamentou foi a minha "segunda mãe". (de Carlos Mendonça). Esta senhora mudou-se mais a irmã Micas e o irmão Manuel para uma casa e quinta em Fareja.
Fronteira, morou o Manuel Seixas e sua esposa, uma excelente professora. Ali nasceram os seus filhos. Casa Jecundino. Mais tarde foi ali instalada a Guarda Republicana e o seu primeiro Comandante foi o Sargento Garção. Foi este prédio construído pelo Morgado de Vila Pouca, que na vila era Ferrageiro. Pegada estava a casa da Inês que alugava, por pouco dinheiro, ao Albino de Folgosa, o cereeiro. E, construção muito mais recente, é a casa de Álvaro Padeiro, que dum pardieiro fez um prédio decente. E já estamos novamente na casa do Alfredo dos Tabacos: Zé Maria e Pio (mortos) Purificação e seus filhos. Junto, a casa das irmãs Teixeiras, que vendiam trigo do forno, sardinhas, vinho, amêndoas, figos em cestinhas. Senhoras trabalhadeiras.
Dando um salto vamos para a antiga Feira das Galinhas, onde registo a casa do Ramalho e logo a seguir a dos conselheiros. Nesta, a Dona Emília recebia a alta sociedade castrense! Oferecendo chá e biscoitos "farta velhacos".
E, com a boca doce, a tricar os "farta velhacos" por aqui nos ficamos, porque, por aqui, nos deixou Carlos Mendonça, aquele cidadão castrense que, nascido em 1907, emigrado para o Brasil com 19 anos de idade, lá do outro lado do Atlântico, enquanto vivo, saudoso da sua terra natal, sentado a matraquear o teclado de uma máquina de escrever, disse e fez pela HISTÓRIA DE CASTRO DAIRE, o que muitos residentes, entretidos nas coscuvilheiras manhãs domingueiras, não disseram nem fizeram. Satisfazem-se a romper as solas dos sapatos a deambular por ruas e passeios, quando não estão parados a rasgarem as costas dos casacos e de outras vestimentas, a coçarem-se nas QUATRO ESQUINAS. São doutores e engenheiros. Muito títulos, mas não de nobreza nem de gente plebeia. Sabem tudo, tal como se sabia no antigo soalheiro da aldeia.