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quarta, 12 outubro 2016 13:24

CASTRO DAIRE - GENTE DA TERRA IX a)

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PELA RUA ABAIXO, 1

Nascido em  10 de Março de 1907CARLOS EMÍLIO MENDONÇA OLIVA, um dos herdeiros do solar brasonado do cimo de vila, frente à capela de São Sebastião, emigrou para o Brasil com 19 anos de idade. Na década de sessenta do século XX, depois ter visitado pela última vez a terra natal, escreveu um conjunto de QUADRAS nas quais deposita relevante informação histórica sobre CASTRO DAIRE, o seu concelho de origem, poesia sobre a qual tenho vindo a discorrer nestas minhas crónicas. Esta é a nona, uma espécie de decalque do trabalho que me chegou às mãos através do Dr. Jorge Ferreira Pinto, seguro de que eu não deixaria de reflectir sobre  as informações escritas e legadas.

Mendonça- RedzCabe aqui repetir que este castrense nasceu em 1907, isto é, um ano depois do meu pai ter nascido, o que tornou impossível sermos contemporâneos (eu vim ao mundo em 1939) mas estou certo que se tivéssemos vivido no mesmo tempo, pela sensibilidade que ele revelou na poesia com os olhos postos nas coisas da nossa TERRA E DA NOSSA GENTE, ambos, ele no seu trato nobre de fidalguia e eu na minha rusticidade plebeia, teríamos feito um excelente parceria e juntos congeminarmos a ideia de pormos em livro a NOSSA HISTÓRIA concelhia.

Querem ver? Vamos acompanhar CARLOS MENDONÇA numa visita guiada por toda a vila de Castro Daire, com início nas primeiras casas que aparecem a quem, vindo de Lamego, entra pela ESTRADA NACIONAL, Nº 2. No itinerário, quando for necessário, eu darei uma perninha com "apartes" de esclarecimento que me vieram da minha investigação, alguns dos quais já publiquei na imprensa local e em livros. E devemos ter presente que o conteúdo se reporta, essencialmente,  aos anos que vão de 1911 1930,  pois ele próprio diz que se baseia no registo de memória que tem da vila e das pessoas, desde os QUATRO AOS DEZANOVE ANOS de idade. Posto isto, devo esclarecer que as fotos que ilustram esta crónica, só a ÚLTIMA é anterior à sua partida par o Brasil. Todas as outras são posteriores. Assim:

Ora vamos lá! Do lado esquerdo temos logo à entrada as casas dos Loureiros,  com destaque para a D. Emília e o Lino, logo seguidas da casa do cantoneiro António das Carvalhas, que está antes da moradia do Dr. Mourão. Em frente desta, eis o casario de D. Teresa e José Clemente, pioneiro dos transportes em Castro Daire. Do lado oposto, num amplo quintal em anfiteatro,  a casa do Dr. Bernardo, viúvo,  herdada da esposa D. Laurinda. Enfiado no muro desse quintal, com 1- Pensão Cunha - Cópiaporta virada para a estrada, numa espécie de gruta, o cubículo onde morava o Choina, alfaiate. E do outro lado a Sede da Empresa de transportes Clemente.  E,  seguindo em frente, encontramos do mesmo lado a residência de Alípio Amador, homem adoentado, fotógrafo, mas "farrista" inveterado. Logo depois, a si pegado, a morada de António Cunha, homem sisudo, farto bigode, que, sempre sentado à porta, caladão, era testemunha viva e tudo o que se passava na vila. Depois segue-se um espaço vazio, um quintal com ameixeiras (atual quartel dos Bombeiros, digo eu) seguido das casas de José Seixas, casas que, com todo o recheio, incluindo o piano do proprietário, foi devorada por um incêndio. E do mesmo lado  a Pensão Clemente (Pensão Avenida) onde se acoitaram Santos Costa Abel Hipólito, aquando da tentativa de restauração da Monarquia (Monarquia de Norte, de Paiva Couceiro, digo eu). Depois segue-se aquele conjunto de casas com lojas e sobrados pertencentes a António Carneiro. 

3-C.D.1954 - CópiaNa esquina, junto à rua que desce para o curral (atualmente o CENTRO COMERCIAL, digo eu) eis o Clube Avenida, com dois bilhares, frequentado por gente fina. E ao lado, o Hotel Paulina, que tinha por cozinheira a delicada Piedade  que assegurava a freguesia de António  Pinto Teixeira. (ÀPARTE: o aqui dito HOTEL PAULINA,  que tinha por cozinheira a «delicada Piedade» era na casa que passou para o senhor Eduardo Pinto de Carvalho, como «Pensão-Comércio» e atualmente é do filho, Dr. Eduardo Pinto de Carvalho, neto da Dona Piedade, a residir nas Canárias) E, logo ao lado, a Taverna Amélia (muito conhecida por Herédia, sua filha. Foi esta senhora que ficou amputada numa perna devido ao facto de,  nas cavalariças, terem rebentado uns foguetes guarddos dentro de uma dorna. Os cavalos começaram a roer as canas e vai-daqui-vai dali, eles rebentaram e foi o cabo dos trabalhos. Os republicanos da vila acabaram todos presos e levados para Viseu por se julgar que estavam ali a fabricar bombas para atentados contra o regime). Nesta  taverna alugavam quartos a preços baratos, servindo o pão de trigo e de milho da Adélia. Ao lado morava o Samuel da Carvalhosa, amigo da pinga, mas que servia bacalhau e sardinha frita. Pegado a ele ficava o Daniel Monteiro, casa que fora uma grande serralharia, vendida pelo Zé da Paulina. E no terreno ao lado, o Sr. Julião construiu a farmácia, que veio a ser do seu irmão Gastão. (farmácia que, em 2016, Gastão continua a chamar-se, digo eu).

4-1949 - CópiaEm frente desta farmácia existia outra farmácia, vendida ao senhor Semedo por Oliveira e Castro, da Dona Fausta, que também possuía casa de fazendas. Mas atraiçoado pelo caixeiro Camilo também a passou ao  Gomes. Duas vendas. Ao lado desta farmácia (do Semedo) morava o alfaiate César, dos melhores que então havia na vila. Nos fatos que fazia por medida punha todo o seu engenho e arte. Morava com ele o bom filho Acácio, rapaz boémio, filósofo, capaz de "matar" o trabalho. Na mesma correnteza de casas frente às irmãs Teixeiras (naquela casa das quatro esquinas, que veio a ser comprada e demolida pela Câmara para fazer o Jardim, digo eu) havia uma taverna e nela foi morto um soldado da Guarda Republicana. Por cima, morava o Senhor Dom José de Noronha. Do outro lado, a Casa das Teixeiras, de fraco comércio, onde o infeliz Zezinho, sobrinho, costumava descansar das suas brincadeiras. E ao lado a barbearia do Tio Chico, que chegou a substituir o juiz. 

Em frente, do outro lado, numa das casas das quatro esquinas o estabelecimento do senhor Fráguas e outra da Glorinha das Pintoras. No restante era a loja de António Manco, à frente da qual, a casa de Tabacos-Estanco (outra das 4 esquinas, digo eu) que tinha como agente o senhor. Alfredo, um homem de bem.

Logo a seguir, a caminho da Fonte dos Peixes, a velha relojoaria Vitelo e, logo pegada a confeitaria Martins, que teve áureos tempos de freguesia.

Mais adiante, por cima, o consultório do Dr. Carlos, o mais estimado facultativo do burgo. E por baixo o Amadeu, "chato",  casa das sapatas, o remendão Roberto. Em frente o Zé (Zé Seixas, pergunto eu,?) esperto a redigir testamentos e atasE havia também  a Taverna do Cipriano, filho do velho cirurgião de Baltar.

5-Casco -1907Nesta zona destaca-se a Casa das Trepadeiras, com muitas janelas, e nelas, tenho a certeza, sempre debruçadas, meninas de rara beleza. E, mesmo ao lado, o Largo da República, com o belo Coreto, para música. Olhando em redor vemos a Venda da Aurora, onde se comia e bebia sem medo, passada depois à sua filha e marido. Logo a seguir o Forno das Pimponas orientado pela Tia Ana, mestra forneira. Nele trabalhavam as filhas e empregadas e ali se comprava o «borralho para as braseiras». 

Do outro lado, no largoPrédio das Margaridinhas, onde funciona a Conservatória do Registo Civil e Predial. De frente para a estrada o Estabelecimento do Mateus, casa de fraco movimento. E em frente a Taverna da Glória, muito trabalhadeira, que tinha uma filha cega, filha do Zé Amadeu. E também os antigos tanques da Fonte dos Peixes,  construídos no velho mercado, que tinha vasos e portão bem trabalhados em pedra.

E depois o velho escadario que tinha em frente um canastro antigo, onde se conversava noites e noites a fioJunto, e à frente, um grande quintal, propriedade de Júlio Minhoca, e, do outro lado, a pequena casa do Marranica, onde, morto que foi o Sidónio Pais, durante a tentativa da Restauração da Monarquia, foi instalado provisoriamente um quartel por um alferes que subiu na hierarquia. Junto a esta casa fica a casa da Chupeta e da Aldina. Ambas foram para o Brasil. A casa foi vendida, bem ou mal ao Manuel Fino. Em frente havia a casa da D. Josefa, casada com o Zé D'Almeida de Farejinhas, que passavam as férias na vila. Em frente a Casa do antigo Coelho, «magnífico carpinteiro»,   e junto dele a loja de João Álvaro, sapateiro, muito conversador, talassa assumido, talvez o único verdadeiro na vila. Em frente Joaquim Paulo, "o telhudo", pai do Zeca, homem que julgava  «saber tudo».

E autêntico património do "crasto" era a casa do Dr. Carlos Cerdeira. Lá nasceu a prole inteira: Carlos, Guida, António, Maneca, Zeca e João. Além do quintal, casa grande, tinha no rés-do-chão uma Escola Feminina. Em frente, a Casa do Silva e Farreca,  onde se vendia sardinha. Depois de um espaço vazio, com um quinteiro e quintal, onde ainda chega o cheiro peixe, duas casas geminadas: casa do Américo, «olha galinha», e do melancólico Aureliano Monteiro. E também o quelho que leva à Quinta e à Casa das Eiras, onde a mestra de costura Umbelina Fogueta ensinou excelentes costureiras.

(CONTINUA)

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.