Devolvi-lhe imediatamente a gentileza, felicitando-o pelo gosto da leitura das nossas coisas serranas e históricas. Não sem alguma estranheza minha sobre a forma como o meu livro lhe chegou às mãos, pois não tendo eu feito qualquer «cerimónia de lançamento» do livro (cerimónias que estão muito em voga, mas a que sou um tanto quanto avesso), por descuido e não por desconsideração, não lhe dei conhecimento pessoal do nascimento desse meu último filho «um hino à obra literária de Aquilino Ribeiro e às gentes das serras do Montemuro e da Nave», editado pela Publiarte, de LINO MENEZES.
Depois disso, o Dr. Jorge Ferreira Pinto, hoje como ontem, sempre ávido de dar a conhecer "CASTRO DAIRE", e o que por cá se vai fazendo, tal como fazia nas crónicas que periodicamente publicava na "Voz de Lamego" e na "Gazeta da Beira" (a aquisição e oferta desse meu livro ao seu irmão General é bem o exemplo desse espírito) fez-me chegar um texto ANÓNIMO datilografado que tem por título exatamente: "CASTRO DAIRE".
Vindo donde vinha, confiante estava ele que eu não só identificaria a autor, mas também teceria as minhas considerações sobre o anónimo texto. Não se enganou. No "CAFÉ CENTRAL", ali mesmo nas "QUATRO ESQUINAS", onde tenho feito escritório da parte da manhã, li-o com a sede do caminhante que chega junto de uma fonte depois de muitos quilómetros andados e suados. Após isso, dirigi-me ao consultório do Dr. Jorge, junto do Coreto (onde felizmente raramente tenho ponho os pés, entendem?) para agradecer-lhe a oferta e lhe dar a minha primeira novidade: já sabia quem era o autor. Como assim? Perguntou. Expliquei-lhe. E é o que vou fazer a todos os meus leitores.
1 - O texto consta de 150 quadras, dispostas em duas colunas de folhas A4. Não é uma peça literária, do ponto de vista da forma e da métrica, mas, do princípio ao fim, mostra que o autor conhecia a literatura clássica e não em "som alto e sublimado" mas em QUADRAS populares, "verso humilde celebrado", ciranda pelo concelho inteiro, por todo o lado, e regista para a posteridade informação histórica, geográfica, costumes e até, aqui e além, traços de caracter de alguma gente, de alguns dos protagonistas sobre os quais pôs a sua lupa de observador. E de toda obra, escrita assim, não em "estilo grandíloquo e eloquente", mas na sua musa inspirado, exala o amor devotado ao concelho inteiro, às suas terras e gentes.
Respeitando, rigorosamente, a grafia e a pontuação, vejam como começa:
Por sugestão, de colega amiga,
Do nosso velho tempo escolar,
Vou vêr, se posso retratar,
A "nossa" querida vila antiga!
Quem não conhece CASTRO DAIRE?
Da Beira Alta, concelho famoso,
Rincão, belo, rico e formoso
Com muito bôa gente e donaire.
O poeta anónimo começa por descrever a monumentalidade da Igreja Matriz, de todas as capelas existentes no burgo e logo a seguir deixa-nos um itinerário por todas as aldeias co concelho. E, adianto desde já, ele não era nenhum peco, naquilo que dizia e sentia. Solitário nessa sua romagem a Compostela, eis uma pérola que nos remete imediatamente para a literatura medieval e/ou para o "D. Quixote de la Mancha":
Nas minhas caminhadas vou ao ALMARGEM
Dobro à esquerda, chego a ADENODEIRO,
Povoação que eu encontrei primeiro
Tendo sempre a minha sombra como "pagem".
É isso. Quem não vê aqui um D. Quixote de Castro Daire, a cirandar por terras concelhias, não acompanhado do Sancho Pança, mas solitário que tem por companhia, por "pagem" , apenas e só a sua própria "sombra"?
Pois. Este texto, feito em "quadras", é uma espécie de fotografia urbana, rural, de psicologia individual e social, capaz de fazer inveja a tantas outras fotografias que hoje por aí se divulgam na Internet e em livros. E o autor, a passear-se pelo concelho, tendo, nesse seu longo itinerário, solitário, apenas a sua sombra por companhia, por "pagem", essa fotografia, essa imagem estática, num repente, virou, na minha mente, filme em movimento e os sucessivos fotogramas (leia-se "quadras") projetaram-se para aquém do seu tempo, com símile nos meus próprios tempos. O passado mantém-se vivo no presente.
Prestes a terminar a sua romagem pelo concelho, falando de terras e gentes, vivas e mortas, não esquece a visita ao cemitério, onde vai rezar pelas almas daqueles que sempre admirou. Assim:
Indago de todos: haverá na BEIRA,
Concelho e Comarca que seja igual?
Haverá mesmo em todo o Portugal
Outro ou outra que lhe passe diante?
E dirigindo-se à colega e amiga dos tempos de escola, a sua inspiradora de infância, remata:
E para concluir o que me pedes,
O faço e ainda farei com emoção.
Vou em espírito ou irei em oração
Pedir no nosso cemitério pelos Guedes.
E com a mesma obrigação pungente,
Indo lá não deixarei de rezar
Por aqueles que sempre fiz admirar:
O velho Zé e a Dona Teresa Clemente.
Tu sabes bem que pedirei a Deus,
Por todos os que lá estão sepultados.
Mas, manda o sangue que os idolatrados
Primeiros pedidos sejam para os meus.
E aqui chegado, o poeta e eu, não estando o texto assinado nem o autor identificado, cabe-me a mim dizer quem é ele como é que eu cheguei à sua identificação. E nisto entram os trabalhos de investigação que, tal como ele "solitário entre gentes" quntas vezes tendo a "minha sombra por pagem", tenho levado a cabo pelo concelho, permitindo-me isso cruzar informações e, dessa maneira, esclarecer o não esclarecido ou deixado entrelinhas. Vamos a isso, que se faz tarde.
Saído da vila e iniciado o seu itinerário pelas aldeias do concelho, escreve:
Em primeiro, a bela FOLGOSA:
Feudo dos meus saudosos ancestrais,
Repleta de atrativos naturais,
Ao fundo o rio Paiva: vista airosa.