Trilhos Serranos

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segunda, 03 outubro 2016 12:04

CASTRO DAIRE - GENTE DA TERRA II

Escrito por 

 POESIA E HISTÓRIA 

Identificado o autor do texto anónimo que, através do Dr. Jorge Ferreira Pinto, me chegou às mãos dactilografado, autor de seu nome completo  CARLOS EMÍDIO DE MENDONÇA OLIVA, necessário se impõe que diga algo mais sobre tão «ilustre cavaleiro andante» pela vila e pelas aldeias do concelho. Trata-se, tal como já publiquei no meu site trilhos serranos (versão ".com" e versão «.pt» ) do filho mais novo de ANIBAL CORREIA DE MENDONÇA (06.11.1867 a 14.09.1928) e de DONA MARIA CELESTINA DE FRIAS OLIVA (21.01.1878 - ?) que, tal como os irmãos mais velhos, emigrou para o Brasil, onde residia, à data da escritura de doação, do Jardim das Camélias, em Folgosa,   como vimos. 

 Mendonça- RedzEra, portanto, um MENDONÇA. Um dos herdeiros do solar brasonado  que veio a ser dividido e vendido em partes, algumas das quais, foram recentemente adquiridas pela Câmara Municipal, onde, depois de requalificadas,  se abriram alguns serviços  camarários e também o novel «CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DO MONTEMURO E PAIVA»,  no qual sei não existir (vejam só!) um BANCO DE DADOS que reúna os textos e os vídeos que, dispersos pela imprensa escrita e no Youtube, são o produto da minha investigação histórico-cultural e geográfica que, há anos, desenvolvo no concelho. Vá lá saber-se porquê.  Não faltará lá, evidentemente, o que INTERPRETAR. Cada pessoa, cada organismo, cada instituição têm a sua bitola, o seu grau de exigência cultural e científico, o grau de excelência atribuído à matéria que mereça destaque e nobilite a instituição cujos objetivos é dar a conhecer a História e a Cultura da área geográfica onde está instalada.  

Eu também tenho a minha bitola de exigência nos trabalhos que faço, produtos sempre sujeitos a serem «INTERPRETADOS» por terceiros e que, igualmente me permitirem, a mim,  INTERPRETAR o modo como são recebidos e divulgados, ou, se calhar, omitidos. E estou certo de que, sendo eu o historiador natural do concelho que mais conteúdo  histórico-cultural produziu, pioneiro, portanto nessa área do saber, estranho é que, até hoje,  não tenha  sido contatado pelos responsáveis do CENTRO. E isso só pode deve-se ao facto dos meus trabalhos, todos eles (basta ir à Biblioteca Nacional, ao Google e ao Youtube)  serem limpos, escorreitos, lavados e secos em águas profanas, nunca ensopados com a água benta espargida pelo hissope, ritual tão ao gosto dos sacerdotes que pontificam no sinédrio político concelhio. Mas, como me movo bem na barra cronológica da História e o que escrevo hoje projetar-se-á no futuro, tal como aconteceu com  as QUADRAS escritas por Carlos Mendonça, é  a elas que retorno a fim de fornecer mais material histórico destinado a ser lido pelos meus amigos e, seguramente,  excluído do  CENTRO  INTERPRETATIVO, instalado no NOBRE SOLAR DOS MENDONÇAS, pois parece ser justo carrear para aqui este material doméstico esquecido.

Vimos na crónica anterior que o autor, CARLOS MENDONÇA, terminava o texto naquela atitude piedosa de ir ao cemitério rezar pelos amigos e, em especial pelos seus antepassados. Recapitulemos:

«Tu sabes que pedirei a Deus.

Por todos os que lá estão sepultados.

Mas, manda o sangue que os idolatrados

Primeiros pedidos sejam para os meus»

 

3-Frente-Braão-a - ReduzPois. Mas isso era no tempo em que os seus familiares, pais e avoengos tinham ali um espaço reservado e assinalado com o «brasão» de família. Mas até esse espaço foi vendido e as «armas assinaladas», aquele documento histórico lavrado em granito (há pedras mais eloquentes do que alguns doutores de Coimbra, ou simplesmente pseudo-doutores)  foi amputado na base  pelas campas e lápides da família compradora. Eis aqui, pois, matéria digna de ser INTERPRETADA e explicada no CENTRO INTERPRETATIVO,  sublinhando os valores respeitantes ao CORPO e à ALMA das «GENTES DA TERRA». Bater com a mão no peito, rezar pelas almas e amputar, desta maneira, as sepulturas dos nossos antepassados, a troco de dinheiro, diz bem dos «valores» que regem a gestão do espaço sacro.     

Já historiei, há bastante tempo (não se falava ainda nos centros interpretativos) a matéria essencial sobre esse solar brasonado no meu site e no «Notícias de Castro Daire». Hei de repescar para aqui alguns excertos desse meu texto, há muito tempo a correr mundo, mas não sem transcrever primeiro duas das  QUADRAS  que  CARLOS MENDONÇA dedicou ao solar paterno.

Assim:

 

«No cimo de vila, com uma bela vista

Fica o velho solar dos Mendonças  Coutinhos

Onde nem a "Justiça", seus meirinhos

Podiam entrar, nem para revista

(...)

Muito, muito, eu poderia falar

Sobre os segredos que "ele" encerra,

Mas...são aqueles, que só a terra,

Deve encobrir e silenciar...»

Segredos que «só a terra deve encobrir e silenciar». Certíssimo. Dito isto por um filho e habitante do velho solar brasonado. Certíssimo, repito. Mas o que a ele, filho da casa, fica bem ocultar, mal ficaria a mim, historiador, não desvendar. E o certo é que antes de eu conhecer o texto por ele produzido, a minha investigação colocou-me à frente dos olhos o fio de uma meada que urgia desdobar. E desdobei.

Rendas-RedzO caso foi que, nessas minhas andanças, falando com os documentos e com as pessoas (as minhas fontes orais e idóneas estão devidamente  identificadas na «Introdução» do meu livro «Implantação da República em Castro Daire- I),  a leitura e a interpretação das informações colhidas mostraram-me que havia ali, «um gato escondido com o rabo de fora» . Indaguei e fiquei a saber que o pai do Carlos, manejava as agulhas de tricot com a agilidade com que, certamente, os seus avoengos   manejavam a espada. Ao seu solar brasonado acorriam as damas e donzelas da vila, para ele lhes ensinar a «tirar o ponto». Consultado num qualquer dia da semana, no dia seguinte as consulentes podiam voltar ao solar e certas ficavam de saírem de lá com o «ponto feito». Uma das revistas da especialidade que circulava na vila de Castro daire nos fins do século XIX, mais propriamente na década de 80, virada para essa arte de modas e bordados,  era «La Mode Illustree, Journal de  La Famille», vendida em fascículos a 50 cêntimos cada. Editada em francês, presumo que, além de ensinar "tricot", o dono e senhor do solar brasonado, era também expedito em línguas. Não apurei se tocava piano.

Cama-1-RedzDo seu lavor manual, de linha e agulhas, deixou a prova material que eu fotografei e publiquei no meu site e aqui reproduzo hoje mesmo. A proprietária, D. ALICE GUERRA, possuidora dessas peças, isso me permitiu. E eu mais não fiz, como me competia, que era fazer eco público desses  «documentos da «arte» praticada por um homem de Castro Daire, num tempo em que tal tarefa estava socialmente adstrita a damas e donzelas. Isto numa comunidade paroquial vestida, forrada e revestida de preconceitos, críticas malsãs e ditos que a memória oral registou para a posteridade e o investigador não pode deixar de referir, sob pena de dar mostras do seu interesse pelas coisas e do seu desinteresse pelas pessoas, pelas suas formas de pensar e agir: uma versão diz que um homem que assim procedia só podia ser efeminado, pouco digno da nobre linhagem de Afonso Henriques que, para além da esposa, Mafalda, teve várias amantes; outra versão, de sentido contrário, diz que essa era a forma fidalga do senhor Mendonça atrair à corte, ao seu solar, as damas e donzelas da vila e num qualquer recanto esconso saborearem juntos as delícias da vida, fazendo jus aos Machados,  aos  Pintos,  aos  Correias e aos Barbosas, representados no brasão de armas colocado sobre o portão principal do solar"  ( cf. «trilhos-serranos»)

continua).

Brasão-Reduz

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.