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domingo, 22 maio 2016 08:12

FEIRAS E ROMARIAS DE MONTANHA

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AS ALIMÁRIAS

Quando eu era jovem (há quanto tempo foi isso, senhores!) os feirantes e os romeiros chegavam ao seu destino a pé, "pedibus calcantibus", ou montados em alimárias. Nem todos tinham um asno, um burro paneleiro ou um garrano ibérico (daqueles que ainda hoje restam selvagens na serra do Gerês) para neles se transportar ou carregar as mercadorias de venda ou de compra. E eu bem me lembro da feira/romaria anual da Senhora da Ouvida, freguesia de Monteiras (Castro Daire), no dia 3 de agosto, onde acorria o mundo das redondezas a mercadejar e onde se assistia aos concursos de corridas de cavalos a "passo travado".

 E bem me lembro também da festa do Senhor da Livração em Cujó, donde sou natural, no segundo domingo de agosto. Aos meus olhos atentos e curiosos de jovem não passavam despercebidos esses meios de transporte espalhados pelo largo, de albarda cilhada ou sem ela, a dizerem bem do descanso ou a filosofarem sobre o comportamento humano. Hoje, decorridos tantos anos, nos mesmos largos, ou pela estrada fora, a mesma balbúrdia. Só que, em vez desses animais, estacionam os automóveis com os cavalos de potência que o fabricante lhes pôs sob o capô, e bem assim as antenas de rádio, esticadas, viradas ao céu, símbolo de gosto e posse dos proprietários.


Naquele tempo longínquo, em que não abundavam câmaras de filmar ou de fotografia, nem telemóveis, como nos tempos que correm, capazes de registarem para a posteridade as imagens e os movimentos, quais documentos vivos de uma época, recorro à memória para, comparando, dizer que esses meios de transporte também tinham os seus rádios e as suas antenas. Refiro-me aos animais machos. De quando em vez, dando sinal da sua existência, relinchavam ou urravam em todas as ondas sonoras a lembrar os donos que estavam ali. E, em tais circunstâncias, não sei se, pelo gozo do descanso, se pelo devaneio do pensamento, se pelo sol que lhes atestava no lombo e lhes aquecia os rins, algumas antenas dessas viu eu, viradas ao chão, esticadas na vertical ou, em movimentos pendulares, compassados, a levantarem-se e baterem na barriga do possuidor. Estava visto. Para cada um deles, a feira, a romaria e a música eram outras.
Para além da minha memória, os caminhos de pesquisa levaram-me a uma feira dessas, em PENEDONO. A fotografia ficou no "Boletim da Casa Regional Beira Douro", n. 9, de 1965, cujo autor ignoro. Eu aqui a deixo associada a outra da minha autoria tirada, em 2008, na feira/romaria da Senhora da Ouvida. Na primeira vemos as "viaturas" espalhadas pela encosta arriba. Na segunda, em primeiro plano, um dos produtos de compra e venda - as vacas - e, estacionados ao longo da Estrada Nacional, nº. 2, os carros que, sob os capôs, protegem a potência dos seus cavalos, Aqueles que substituíram as alimárias de antanho. Nem todas, bem sabemos.
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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.