E bem me lembro também da festa do Senhor da Livração em Cujó, donde sou natural, no segundo domingo de agosto. Aos meus olhos atentos e curiosos de jovem não passavam despercebidos esses meios de transporte espalhados pelo largo, de albarda cilhada ou sem ela, a dizerem bem do descanso ou a filosofarem sobre o comportamento humano. Hoje, decorridos tantos anos, nos mesmos largos, ou pela estrada fora, a mesma balbúrdia. Só que, em vez desses animais, estacionam os automóveis com os cavalos de potência que o fabricante lhes pôs sob o capô, e bem assim as antenas de rádio, esticadas, viradas ao céu, símbolo de gosto e posse dos proprietários.
Naquele tempo longínquo, em que não abundavam câmaras de filmar ou de fotografia, nem telemóveis, como nos tempos que correm, capazes de registarem para a posteridade as imagens e os movimentos, quais documentos vivos de uma época, recorro à memória para, comparando, dizer que esses meios de transporte também tinham os seus rádios e as suas antenas. Refiro-me aos animais machos. De quando em vez, dando sinal da sua existência, relinchavam ou urravam em todas as ondas sonoras a lembrar os donos que estavam ali. E, em tais circunstâncias, não sei se, pelo gozo do descanso, se pelo devaneio do pensamento, se pelo sol que lhes atestava no lombo e lhes aquecia os rins, algumas antenas dessas viu eu, viradas ao chão, esticadas na vertical ou, em movimentos pendulares, compassados, a levantarem-se e baterem na barriga do possuidor. Estava visto. Para cada um deles, a feira, a romaria e a música eram outras.
Para além da minha memória, os caminhos de pesquisa levaram-me a uma feira dessas, em PENEDONO. A fotografia ficou no "Boletim da Casa Regional Beira Douro", n. 9, de 1965, cujo autor ignoro. Eu aqui a deixo associada a outra da minha autoria tirada, em 2008, na feira/romaria da Senhora da Ouvida. Na primeira vemos as "viaturas" espalhadas pela encosta arriba. Na segunda, em primeiro plano, um dos produtos de compra e venda - as vacas - e, estacionados ao longo da Estrada Nacional, nº. 2, os carros que, sob os capôs, protegem a potência dos seus cavalos, Aqueles que substituíram as alimárias de antanho. Nem todas, bem sabemos.