AS CRENÇAS
Referindo-me à "MEDICINA CIENTÍFICA" e "VETERINÁRIA" aplicadas em Cujó, numa relação estreita entre "terra, homens e animais", naqueles tempos situados no meio do SÉCULO XX, divaguei para outras aldeias e afirmei que as pessoas, para sobreviverem nestes meios adversos de clima e riqueza/pobreza, se especializavam em certos ramos de saber e daí o surgimento dos "endireitas", das "benzedeiras", das mulheres "bentas", das "bruxas" e dos "entendidos" nisto ou naquilo, prontos a porem o seu saber à disposição de quem os procurasse. Subjazia ali um sentimento de pertença à mesma tribo, da mesma família, o espírito de entreajuda, a pontos de se tratarem todos por "tios" ou "tias" mesmo sabendo que o seu ramo familiar direto era outro.
E recordei que no meu tempo de juventude, isto é, nessa metade do século, eram muito badaladas a "benta das Dornas" e a "benta de Teixelo". Vim a saber, já adulto, como investigador da História Local, através do jornal "O Castrense" que a primeira já estava no activo na Primeira República e, à prova de má governação do concelho, a oposição ironizava sugerindo aos governantes que se fossem aconselhar com a BRUXA DAS DORNAS.
Mas estão enganadas as pessoas que pensam que a "especialidade" nisto ou naquilo, eram coisas puramente terrenas, de homens e mulheres. No que tocava à saúde de pessoas e animais, também havia (e há) especialistas no universo dos SANTOS.
Não sei se por inspiração divina, ou não, estou a escrever no dia 13 de Maio de 2016 enquanto a televisão me mostra a multidão de gente que acorreu ao Santuário de Fátima. Por isso, estando eu a falar das mentalidades, nada melhor do que copiar o que acerca disso nos diz o Padre Jesuíta, Dr. Manuel Gonçalves da Costa, um investigador já falecido, mas com quem privei, em vida, algumas vezes. Ele é autor da "HISTÓRIA DO BISPADO E CIDADE DE LAMEGO", em 6 volumes com cerca de 600 páginas cada.
A ele devo os respigos que se seguem:
"A alguns Santos se atribui, desde a antiguidade, eficácia especial, sobre determinados achaques. À capela da Senhora dos Prazeres, na Quinta do Poço, acudiam pessoas e animais mordidos por cães danados para receberem a bênção da relíquia de São Frutuoso. A capela era também centro de romagens em honra de São Pelágio.
Da mesma virtude gozava a imagem de S. Brás de Meijinhos, onde os atacados de raiva eram "ferrados" a quente. A imagem de São João Crisóstomo de Nogueira julgava-se milagrosa para achaques de fastio. Ali acorriam em romaria as freguesias vizinhas, depondo sobre o altar rocas de pão de trigo. Os do lugar atribuíam-lhe, como graça especial, o nunca terem sido feridos com raios e coriscos. Em volta da igreja de Santa Comba, termo de Longroiva, faziam os lavradores romagens com seus gados, em honra de São Silvestre, para os livrar da peste".
(...)
A devoção mais generalizada foi, sem dúvida, a das peregrinações. Toda a Idade Média rezou e dançou, disciplinou-se e bebeu nas frequentes romarias e respondeu aos "clamores", ao compasso das procissões penitenciais". (Vol. I, pp. 589-590)
Refere-se Gonçalves da Costa à Idade Média. E, por isso, eu aconselhava os meus amigos a lerem a crónica que publiquei neste meu site, com o título "MERGULHO NA IDADE MÉDIA". Creio que, depois de a terem lido, ficarão mais habilitados a compreenderem esses tempos longínquos, tempos que talvez não sejam tão longínquos assim, tempos que claramente chegaram aos nosso tempo e, olhando em redor, atentos ao comportamentos, ao pensar e agir de muitas pessoas com quem nos cruzamos diariamente, podemos afiançar que eles se projectarão no futuro.
Os Santos referidos por Gonçalves da Costa continuam a ter clientela, ainda que, à falta de gados espalhados pelas serras de Portugal, por força do abandono da agricultura e da pecuária, ela tenha diminuído.
Aqui, em Castro Daire e arredores ainda são conhecidas a Santa Luzia, freguesia de Monteiras, especialista nos males dos olhos. A senhora da Ouvida, na mesma freguesia, trata dos ouvidos. Santa Bárbara, a livrar o mundo da trovoada. O São Brás, de Vila Franca, da mordedura dos cães danados. O São Macário, no topo da serra com o mesmo nome, dos cravos da pele, v.g. as verrugas na terminologia médica.
E todos eles mantêm clientela bastante, não obstante saberem que, a partir de 1917, na Cova da Iria, apareceu uma Senhora Luminosa aos três pastorinhos que guardavam gado e, a partir daí, passarem a acorrer ao Santuário da Fátima multidões esperançadas na cura de todos os males.
E porque tudo comecçou com a aparição de uma Senhora Luminosa, em cima de uma azinheira, retorno a Gonçalves da Costa, com o «fac-simile da página do seu livro, na qual ele nos mostra um excelente quadro do pensamento vigente na Idade Média, reportando-se a «uma cruz luminosa» que aparecia sobre um penedo em certos dias em Bustelo da Lage. É só ler:
NOTA: escrito em 13/05/2016