Trilhos Serranos

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sábado, 14 maio 2016 10:21

PASSADO E PRESENTE NO PENSAMENTO HUMANO

Escrito por 

AS CRENÇAS

Referindo-me à "MEDICINA CIENTÍFICA" e "VETERINÁRIA"  aplicadas em Cujó, numa relação estreita entre "terra, homens e animais", naqueles tempos situados no meio do SÉCULO XX,  divaguei para outras aldeias e afirmei que as pessoas, para sobreviverem nestes meios adversos de clima e riqueza/pobreza, se especializavam em certos ramos de saber e daí o surgimento dos "endireitas", das "benzedeiras", das mulheres "bentas", das "bruxas" e dos "entendidos" nisto ou naquilo, prontos a porem o seu saber à disposição de quem os procurasse. Subjazia ali um sentimento de pertença à mesma tribo, da mesma família, o espírito de entreajuda, a pontos de se tratarem todos por "tios" ou "tias" mesmo sabendo que o seu ramo familiar direto era outro. 

E recordei que no meu tempo de juventude, isto é, nessa metade do século, eram muito badaladas a "benta das Dornas" e a "benta de Teixelo". Vim a saber, já adulto, como investigador da História Local, através do jornal "O Castrense" que a primeira já estava no activo na Primeira República e, à prova de má governação do concelho, a oposição ironizava sugerindo aos governantes que se fossem aconselhar com  a BRUXA DAS DORNAS.

Mas estão enganadas as pessoas que pensam que a "especialidade" nisto ou naquilo, eram coisas puramente terrenas, de homens e mulheres. No que tocava à saúde de pessoas e animais, também havia (e há) especialistas no universo dos SANTOS. 

Não sei se por inspiração divina, ou não, estou a escrever no dia 13 de Maio de 2016 enquanto a televisão me mostra a multidão de gente que acorreu ao Santuário de Fátima. Por isso, estando eu a falar das mentalidades, nada melhor do que copiar o que acerca disso nos diz o Padre Jesuíta, Dr. Manuel Gonçalves da Costa, um investigador já falecido, mas com quem privei, em vida, algumas vezes. Ele é autor da "HISTÓRIA DO BISPADO E CIDADE DE LAMEGO", em 6 volumes com cerca de 600 páginas cada.

A ele devo os respigos que se seguem:

Aparições-1a"A alguns Santos se atribui, desde a antiguidade, eficácia especial, sobre determinados achaques. À capela da Senhora dos Prazeres, na Quinta do Poço, acudiam pessoas e animais mordidos por cães danados para receberem a bênção da relíquia de São Frutuoso. A capela era também centro de romagens em honra de São Pelágio. 

Da mesma virtude gozava a imagem de S. Brás de Meijinhos, onde os atacados de raiva eram "ferrados" a quente. A imagem de São João Crisóstomo de Nogueira julgava-se milagrosa para achaques de fastio. Ali acorriam em romaria as freguesias vizinhas, depondo sobre o altar rocas de pão de trigo. Os do lugar atribuíam-lhe, como graça especial, o nunca terem sido feridos com raios e coriscos. Em volta da igreja de Santa Comba, termo de Longroiva, faziam os lavradores romagens com seus gados, em honra de São Silvestre, para os livrar da peste".

(...)

A devoção mais generalizada foi, sem dúvida, a das peregrinações. Toda a Idade Média rezou e dançou, disciplinou-se e bebeu nas frequentes romarias e respondeu aos "clamores",  ao compasso das procissões penitenciais". (Vol. I, pp. 589-590)

Refere-se Gonçalves da Costa à Idade Média. E, por isso, eu aconselhava os meus amigos a lerem a crónica que publiquei neste meu site, com o título "MERGULHO NA IDADE MÉDIA". Creio que, depois de a terem lido, ficarão mais habilitados a compreenderem esses tempos longínquos, tempos que talvez não sejam tão longínquos assim, tempos que claramente chegaram aos nosso tempo e, olhando em redor, atentos ao comportamentos, ao pensar e agir de muitas pessoas com quem nos cruzamos diariamente, podemos afiançar que eles se projectarão no futuro. 

Os Santos referidos por Gonçalves da Costa continuam a ter clientela, ainda que, à falta de gados espalhados pelas serras de Portugal, por força do abandono da agricultura e da pecuária, ela tenha diminuído. 

Aqui, em Castro Daire e arredores ainda são conhecidas a Santa Luzia, freguesia de Monteiras, especialista nos males dos olhos. A senhora da Ouvida, na mesma  freguesia, trata dos ouvidos. Santa Bárbara, a livrar o mundo da trovoada. O São Brás, de Vila Franca, da mordedura dos cães danados. O São Macário, no topo da serra com o mesmo nome, dos cravos da pele, v.g. as verrugas na terminologia médica.

E todos eles mantêm clientela bastante, não obstante saberem que, a partir de 1917, na Cova da Iria, apareceu uma Senhora Luminosa aos três pastorinhos que guardavam gado e, a partir daí, passarem a acorrer ao Santuário da Fátima multidões esperançadas na cura de todos os males

E porque tudo comecçou com a aparição de uma Senhora Luminosa, em cima de uma azinheira, retorno a Gonçalves da Costa, com o «fac-simile da página do seu livro, na qual ele nos mostra um excelente quadro do pensamento vigente na Idade Média, reportando-se a «uma cruz luminosa» que aparecia sobre um penedo em certos dias em Bustelo da Lage. É só ler:

Aparições-1 - Red



NOTA: escrito em 13/05/2016

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.