Trilhos Serranos

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sábado, 30 abril 2016 14:34

EXPO 98

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PEDAGOGIA

 A não ser um ou outro espírito vesgo e provinciano, qual o Português de lei que não se regozija com a “Expo’98”, acontecimento que decorre em Lisboa 500 anos depois da chegada de Vasco da Gama à Índia? Qual o professor que, ciente, embora, dos desmandos que os nossos navegadores, incluindo Vasco da Gama, praticaram sobre os íncolas (cala-te boca, não fales nisso!) se não orgulha do momento áureo que os nossos indígenas maiores registaram nas páginas da História Universal?  Pois é. Foi devido a este espírito patriótico, universalista e humanista que eu e os meus alunos do 6ºE, aproveitando o momento que passa,  desembarcámos noCais do Oriente desejosos de conhecer a Europa e o mundo, ávidos por saborear os grandes  cozinhados lusos, condimentados com gindungo e pimenta que baste.

CartazComeçada a viagem, reservando para mim o papel de capitão-mor e atribuindo a cada aluno o papel  de Álvaro Velho, perdão, Álvaros Novos,  eis os excertos dos «Roteiros» que cada um deles fez com vista a deixarem registadas para a posteridade, não só, as suas vivências, as suas experiências, as suas aspirações, mas também, a sua arte de navegar numa nau de sonhos que, de velas enfunadas pelos ventos da aventura, rasgou novos oceanos, novos horizontes e lhes deu a saber que, quando se tem pela frente a incontornável realidade do impossível ... é possível descobrir algo de novo, é possível enfrentar as dificuldades, é possível navegar à bolina, ir em frente, levados pela brisa da imaginação:

         1 - Catarina Isabel M. Correia, nº5 - “(...) O oceanário é uma loucura. Uma coisa que nem dá para explicar. É tudo tão bonito que, quando lá estamos dentro, vendo tudo aquilo à nossa volta, mais parece um sonho no fundo do mar. Todos aqueles peixes (...)  e animais de que eu não sei o nome, e muitos que nem sequer sabia que pudessem existir”. Também não se esqueçam de visitar a Torre Vasco da Gama e de lá observarem como é grande e bonita a “Expo’98”.miudos

         2 - Cláudia Costa dos Santos, nº 6 - “(...) Eu nunca imaginei que a “Expo’98” fosse assim tão grande. Aquilo tem tantos pavilhões! Num dos pavilhões (China) vi os chineses a dançarem a dança dos “leques”. (...) Quando cheguei perto do vulcão da água senti uma sensação de frescura, mas quando dei conta já estava absolutamente toda molhada”.

         3 - Fábio José Cardoso Rocha, nº 7 - “(...) Depois vi também um túnel que era coberto de água. Muito curioso e desinquieto não resisti. Também lá quis passar. Logo que entrei tive a sensação de que a água estava fria. Foi espetacular passar por ali, porque estava tanto calor que até me apetecia refrescar. Também fui à Torre Vasco da Gama, onde almocei. (...) Depois fui andar de teleférico, o que também foi espectacular, porque vi tudo lá do alto, parecia que estava a voar (...)”

         4 - Joel Pinto de Almeida, nº 13 - “(...) Fui comer a um restaurante chinês. Tinha vários pratos muito diferentes dos nossos. Eu provei de dois e gostei muito, mas era muito caro. Era 3.000$00 o prato. Também vi palhaços que faziam muitas brincadeiras. Havia muitas crianças a ver o que eles faziam.

         (...)

         Tem muitas outras coisas bonitas que eu gostava de ver, mas estive lá pouco tempo, não deu para ver mais. Mas penso lá ir outra vez”.

        TorreVG 5 - Marco André da Silva Monteiro, nº 15 - “(...) No final fomos ver a Praça Sony, ver o espetáculo de grandes cantores musicais. Quando de lá saímos já era tarde e estava com sono. Saímos da Expo’98” e dirigimo-nos para o carro, para ir para casa. Foi o máximo ir ver a Expo’98. Foi inesquecível

         6 - Sandra Rodrigues Costa, nº 18 - “(...) No sábado à noite quase que nem consegui dormir com a emoção do dia seguinte ir para a Expo’98. Saí de casa eram 7.30h da manhã. Quando entrei no carro pensei que era um sonho. O amanhecer estava lindo. O sol e o céu bem limpos... parecia que o sol tinha adivinhado o que eu mais queria naquele dia (...)

O primeiro pavilhão que visitei foi o pavilhão de Portugal, a seguir o pavilhão do Futuro e depois o pavilhão da Utopia. A seguir fui andar de teleférico(...)”.

         7 - Susana Duarte, nº 22 - “(...) Também gostei muito do pavilhão da Croácia. Quando lá entrei fiquei um pouco entusiasmada, porque o chão parecia inundado de água. Vi as outras pessoas a passarem e então entrei  também. Então reparei que o chão era de vidro e tinha água por baixo. Olhei para as paredes e pareciam televisores gigantes que se mexiam. Já não sabia para onde olhar (...)”

 Pois é, caro leitor. É bonito, não é? Mas olhe que, excetuando um dos textos que acaba de ler, cujo autor(a) esteve, de facto, na Expo’98, todos os outros não passam de pura fantasia. Verdade, verdadinha, feita essa exceção (veja se a descobre), nem eu, nem os outros fomos à “Expo’98”. A Expo é que veio até nós,  via TV.

         E porquê esta simulação? Perguntará o leitor com toda a pertinência. Porque levar os meus alunos a fingir que foram à Expo e a impregnarem os seus textos de emoções, de sensações, de vivências pessoais, descrevendo situações como se as tivessem realmente vivido? Eu responderei: porque hoje, desenvolver o espírito criativo e crítico, desenvolver a imaginação dos alunos é uma atitude pedagógica que está na base de todo o ato de ensino/aprendizagem.

          E porque assim é, alertei os meus alunos para verem, em casa, o programa da TV, Cais do Oriente”. Impossibilitados, na sua maioria, de verem “in loco o grande acontecimento do fim do século,  entendi que a melhor maneira de eles viverem essa “realidade virtual” (para quantos portugueses a Expo não passará disso, apesar de todos contribuírem com os seus impostos para pagarem o evento?) era apelar para a sua imaginação e levá-los a fazer o que fizeram. Os objetivos foram atingidos. A grande Exposição Mundial, evocando a chegada de Vasco da Gama à Índia, não foi por eles ignorada. Não foi ignorada, não senhor, mas melhor seria que a tivessem vivido de outra maneira. «Igualdade de oportunidades»? É a velha questão das assimetrias. Um aluno, sublimando, inconscientemente, a sua condição de periférico, fingiu (que remédio!) ter andado de teleférico.

         De resto, numa escola a fingir, numa escola onde se finge uma “Feira Medieval”, numa escola onde se finge uma Viagem de Vasco da Gama à Índia, porque não fingir também uma Visita á Expo’98”?

         Despertar nos alunos a imaginação, recriar com rigor - não por uma questão de moda ou de babugem folclórica -  “acontecimentos do passado”, levando-os a assumir o papel de sujeitos da História, ou levá-los a produzir textos em que se tornem  narradores participantes, descrevendo situações como se as tivessem realmente vivido é, sem dúvida, fazer uso da pedagogia atual e sentir  que, mesmo recorrendo-se ao fingimento, nem todo o esforço é em vão quando objetivos traçados são atingidos.

         repuxos Mas, se os alunos  não ignoraram o evento cimeiro realizado em Portugal neste fim de século, fingindo vê-lo e vivê-lo por dentro, apesar de tão distante...bolinando eu, agora, noutra direção, levado pelo sopro da dignidade, pergunto-me se os meus colegas, ao elegerem a nova Comissão Executiva Instaladora  ignoram o que a imprensa nacional, regional e local disse e redisse relativamente à gestão desenvolvida pelos elementos que constituíram a lista. Não, não ignoraram. Sabendo eles que o assunto está sob a alçada da Inspeção e dos Tribunais não quiseram antecipar o julgamento dos factos e optaram por dar-lhes, mais uma vez, um voto de confiança. Apostaram na continuidade e nem outra coisa era de esperar de um corpo docente que, interessado e motivado para participar num novo sistema de Gestão, gizado para futuros «contratos de autonomia» gizado para que a Escola possa «gerir melhor os recursos educativos», para que nela possam participar, pais, encarregados de educação e autarquias, tem como principal preocupação zelar pela «transparência dos atos de administração e gestão» (artº 4º, alínea f) doD.L. 115-A/98). O resto cabe a quem de direito.

          Não basta proclamar que a sociedade atravessa uma “crise de valores”. É preciso mostrar, nos momentos certos, que ser professor é ser educador e que um educador joeira e respeita os princípio, regras, valores éticos e comportamentais que, do topo à base,  enformam os sistemas, as instituições e seus agentes.

         Os candidatos eleitos agradecem e orgulham-se de ter um corpo docente assim esclarecido, solidários e colaborante. De resto, sabedor que  é esse corpo docente das amnistias que, neste País de “brandos costumes” se vão decretando de tempos a tempos, mais não fez do que antecipar o seu perdão e viver, assim, “na paz dos anjos”. Dos anjos não, dos “anjinhos” que é muito mais carinhoso. Além disso, como todos estudaram Aristóteles, hábeis no raciocínio dedutivo, sabem bem que perdão, com perdão se paga.

NOTA: publicado no «Notícias de Castro Daire» Junho-1998. Nessa altura decorria uma Inspecção à gestão da escola. Em resultado dela os alegados suspeitos de má gestão foram condenados no Tribunal Judicial de Castro Daire. Recorreram e  oTribunal da Relação do Porto, absolveu-os. E depois veio a Troika, o caso BES e outros. Tinha de ser.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.