Trilhos Serranos

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quarta, 27 abril 2016 10:07

ESTANTE DESARRUMADA

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Já lá vão uns anos. No Café que frequentava, todos os dias depois do almoço, a fazer horas para retorno ao trabalho, numa roda de colegas professores e de amigos relacionados com a educação, falávamos de tudo. Havia entre nós, um colega do Ensino Primário, com carreira firmada no Escotismo, da base ao topo, católico praticante. E por isso também vinham à baila as questões religiosas, as práticas da Igreja ao longo da História, o seu poderio político, religioso e económico, as suas reformas no fio do tempo e até o papel desempenhado por S. Francisco, contra o fausto, etc. etc. E longe estava eu de adivinhar que, muitos anos depois, um PAPA, tomando o nome Francisco, viria a dar respaldo a muitos desses meus reparos.

Pois bem. Sempre que eu penetrava em tais veredas, sublinhando algumas contradições entre o BEM APREGOAR e o MAL FAZER, ele virava-se para mim e dizia-me, algo incomodado:

- Por favor, não me desarrume cá a minha estante.

Foi uma expressão e uma atitude que nunca esqueci. Bastante estranha para um professor cuja profissão era levar os alunos a pensar, a imaginar, a criar e a aplicar velhos conhecimentos, carunchosas aprendizagens a novas situações. 
Foi o que sempre fiz na escola e fora dela. Hoje trago aqui, para reflexão dos meus amigos, aquilo que há muito observo, assunto para que tenho chamado a atenção de pessoas próximas, mas que a entrevista com EDUARDO LOURENÇO na RTP1, feita por Fátima Campos Ferreira, me impôs a escrita destas linhas, ao fim e ao cabo, me obrigou a não deixar em privado, numa roda de amigos, o resultado das minhas observações e as conclusões tiradas.

Eduardo Lourenço REDZE o caso é o seguinte: todas as vezes que há um ENTREVISTADO nos canais de televisão, tendo atrás de si, como pano de fundo, uma Biblioteca, antes mesmo de o entrevistado começar a falar, eu sei logo se ele saiu da FACULDADE DE LETRAS ou da FACULDADE DE DIREITO.
Os meus amigos observem, tal como eu faço. Pode haver excepções, mas por regra, os ENTREVISTADOS na linha do DIREITO apresentam-se frente a ESTANTES repletas de livros muito bem alinhados, aprumados, por regra encadernados e letras douradas nas lombadas. Ao contrário, os cidadãos saídos das LETRAS, jornalistas, escritores, poetas, pensadores têm atrás de si, livros desalinhados, tombados, lombada esfarrapada, manuscritos  enrolados...uma lástima. De tanta vez que tenho presenciado isto, ressalvadas as devidas excepções, tomei a observação como verdade genérica, reforçada agora ao ver a entrevista com EDUARDO LOURENÇO na RTP1 no dia 25-04-2016.. 

Como sei que estou a falar para gente culta, portanto pessoas com algumas posses (sim, pois a cultura custa dinheiro) façam o favor de ir à BOX que regista os programas passados nos diferentes canais e vejam com os vossos olhos. Vejam o MONTÃO DE LIVROS que rodeia o PENSADOR antes de ele se or sentar no cadeirão disposto a falar. Depois de observarem isso, passem a ter atenção às demais ENTREVISTAS TELEVISIVAS e, face ao AXIOMA a que cheguei por observação, arranjem argumentos bastantes para me DESARRUMAREM ESTA MINHA ESTANTE, já que me coloco numa postura diferente daquele meu colega que, há anos, me pedia para deixar tudo certinho na sua cabeça, para não lhe DESARRUMAR A ESTANTE.


Abílio/abril/2016

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.