A escolha do editor e da tipografia (CASTRO DAIRE/VISEU) está em consonância com o pensamento descentralizador que perfilho. Fiz sempre questão de não recorrer a EDITORAS DE APARTADO emergentes, sediadas nas grandes cidades, que andam por aí a angariar escritores/poetas e a levar os patrocínios/subsídios de obras editadas de fresco, na peugada das grandes indústrias que levam a energia eólica produzida nas nossas serras. Os senhores das cidades marítimas, ou próximas do mar, com jeito e manha de raposa, sempre encontraram no campo (vilas e aldeias serranas) aquilo que precisavam. E pena é que, apesar de não faltarem exemplos históricos, nem todos os residentes se dêem conta disso. Os canários, (e mais passaredo cantante) esvoaçam vistosos por Portugal inteiro e, quando lhes dá na gana, aterram nas eiras serranas, rebolam-se, espojam-se, consolam-se de painço campestre e o labroste aquiliniano, de hoje e de antanho, que lavra e semeia a terra, ingénuo, ávido de entretenimento pacóvio e brejeiro, bate estrondosamente as palmas.
Posto isto, como lenhador serrano que sou na Floresta das Letras, de podão em punho, sempre a tentar abrir trilhos e veredas de esclarecimento sobre as nossas terras e as nossas gentes, por forma a dar a conhecer melhor quem somos (e o ensejo do que poderíamos e deveríamos ser), aqui deixo alguns gravetos e chamiços postos à boca da pilheira, nesta antecâmara do crematório que reduzir-me-á a cinzas, certo de que autor e obra são uma e mesma coisa. Até lá, com acendalha ou sem ela, mesmo que tais gravetos só façam labareda e queimem as mentes centralizadoras, nas lareiras ou salamandras nelas implantadas, eles arderão com chama e luz próprias. Mortiça ou incandescente. Ao mesmo tempo, produzirão algum calor de conforto ou desconforto, conforme o gosto ou desgosto de quem vier a ler-me, fazendo lembrar a tradicional cantiga: "ora chega, chega, chega...ora, arreda lá p'ra trás"l
E, sem demora, tal como faço e falo, eis, na capa, a foto do penedo fálico existente na serra da Nave e, na contracapa, o texto que resume o conteúdo de todo o miolo.
SEGUNDA PARTE
Disse na postagem anterior que a opção por um editor e por uma tipografia sediados em CASTRO DAIRE/VISEU se deveu ao pensamento regionalista e descentralizador que há muito perfilho, em pensamento e obras. Isso poderá ver-se nos livros já editados e órgãos de comunicação em que tenho colaborado desde que ando por aqui, por estas terras de matos e de semeadura, a fazer da palavra relha e a lançar sementes, não já no agro, mas nas mentes.
Urge pois esclarecer as razões profundas dessa minha opção, a fim de melhor se compreender o conteúdo do penúltimo CAPÍTULO onde, prendo (verbo prendar) como merecem, os políticos e homens de cultura que, cada qual à sua maneira, têm contribuído para o CENTRALISMO político-administrativo e cultural que tem dominado o país. Para o desequilíbrio demográfico do território, há séculos.
(...)
TERCEIRA PARTE
Já deixei claro que, neste meu livro, em muitos passos, fui acompanhado por Aquilino Ribeiro, o meu escritor de eleição. Várias foram as suas obras que me fizeram passear por cidades, vilas, aldeias, montes e serras do Portugal bárbaro do seu e do meu tempo, cujos habitantes, analfabetos, o não liam, mas que lhe serviam de matéria plástica para a sua escrita e pensamento. Ele o diz.
Com ele estive na imponente Catedral de Córdova, com ele estive noutros monumentos nacionais citadinos e, com ele, acabei por fixar-me numa aldeia sem localização geográfica, pois mais não é que a designação de uma terra que integra uma sua peça de teatro: "Tombo no Inferno".
Ele coloca o leitor/espectador junto do Santuário da Nossa Senhora das Angústias, onde era capelão o Padre Facundo. Ali se faziam os exorcismas às pessoas e cães danados, pois a "raiva" era um mal que, nesses tempos, muito apoquentava as comunidades. E bem se gabava o Capelão de que, em vinte anos que levava de múnus, só duas pobres almas terem sido vítimas desse mal. A primeira tinha sido o "brutamontes que morava nas Quintas do Vouga, que estava amancebado com a mulher de outro e já não se confessava havia muitos anos". A segunda era um jovem, namoradeiro que atraía as mulheres como as flores atraem as abelhas, o mesmo que, com o recato merecido, já tinha enfeitado a cabeça de alguns homens casados e acabou preso às ordens do regedor, não por isso, mas por ter sido mordido por um cão danado.
Graças a uma das namoradas conseguiu escapar do calabouço no momento em que o povo estava reunido no templo para assistir ao exorcismo desse mal. Ao vê-lo solto, a coisa só podia dever-se ao Porco Sujo e tudo grita:
"- Mata, mata, que é danado!
E a escapar à morte deste jeito, Mestre Aquilino manda "CAIR O PANO", dando por finda a peça "Tombo no Inferno", escrita no intervalo de outras obras suas, para agradecer ao seu amigo Robles Monteiro e digníssima esposa, D. Amélia Rey Colaço, a trunfa de dolicocéfalo louro fornecida por eles, quando, em 1928, preso no Fontelo, pensava disfarçar-se na fuga. Fugiu sem fazer uso dela, mas agradeceu escrevendo a peça.
Não sei se ela subiu ao palco e se recebeu muitos ou poucos aplausos da plateia nacional. Por isso, porque estou a escrever muitos anos depois e sei, por experiência própria, que em todo o campo de semeadura, por mais experimentado e sabedor que seja o homem da rabiça, por melhor que conheça a terra, há sempre um cantinho onde não chega o bico da relha, cantinho que disponível fica para uma cavadela de enxada, pronto a receber mais um pé de couve ou de alho-porro, um que seja, peço licença ao leitor/espectador para não virar repentinamente as costas ao palco e, no lento cair do pano, possa ver ainda este acrescento da minha lavra, desta minha cavadela.
Foi assim: o Evaristo (Varistinho para certa dama de Seixos Rubros) pois esse era o nome do foragido, deixando a morte danada à porta do Santuário (templo com o interior povoado de imagens de santos e santas em altares com favos de relicários) acossado pela assuada raivosa, de posse de todas as suas faculdades, físicas e mentais, ouvindo o zumbir dos zagalotes perdidos em seu redor (um deles só não levou consigo a sua alma por um triz) agradeceu, mais uma vez, o gesto humano e amoroso da menina Branca, aquela que ele já tinha "levado ao castigo" por intermédio da alcoviteira da terra. E lembrou-se dos tempos em que punha a arma à cara e a disparava na direção do alvo que tinha na mira. Coisas do Demo, coisas do Porco Sujo! Com tais ideias a bailar-lhe no cérebro, escapuliu-se nos bosques. Ele, um exímio caçador que foi, transformado se viu, de um momento para o outro, numa esquiva peça de caça. E não tardaria que, por montes e outeiros de todos os poviléus das Beiras, se ouvisse o toque das cornetas, clarins, búzios e trombetas, apelando ao ajuntamento dos moradores, estadulhos, forquilhas e forcados em punho, caçadores e caçarretas de trabucos, polvorinhos e chumbeiras a tiracolo, dispostos a participarem na caça ao homem, tal como faziam nas batidas aos lobos, tão abundantes em redor. Ele, um caçador encartado, conhecedor de todos os barrocais e almuinhas da serra, das madrigueiras das raposas, tocas e luras de coelhos, de lameiros e leiras de feno que pariam codornizes como os fornos do Santuário da Lapa, fornada após fornada, pariam bolos de trigo em tempo de novenas e romeiros, agora em lobo solitário transformado. Ele, sociável e afável entre os demais habitantes das aldeias vizinhas, prestável a toda a gente, namoradeiro, não passava agora de um fauno dos bosques, o monstro semelhante ao papa-moças que arregimentou meio mundo beirão para ser caçado, o mítico homem das mulheres escondido nos montes, terror das mães e das pastorinhas que cresciam e envelheciam na serra a guardar gado e, entre matos, forçadas ou por consentimento, perdiam os "três vinténs", único tesouro com que nasciam. Tudo isso até ao dia em que, cansado de fugir, cansado de se acoitar, alternadamente, em tudo o que era gruta e choça escondidas nos fraguedos, onde se acoitava a fauna bravia, portas sempre abertas, donde ele tantas vezes tinha feito sair coelhos, cansado abrigar-se na caverna do "castro celta de Ariz", lá no alto do fraguedo, ninho de águia em ruínas sem certidão de idade, fatigado de botar mão a tudo o que era fruto selvagem ou cultivado nas hortas, depois de ter sobrevivido meses a fazer uso das armadilhas primitivas de caça para poder ferrar o dente no coelho, lebre ou perdiz que nelas caíssem, depois de recorrer aos primitivos meios de fazer fogo, batendo com uma torrinha de quartzo na ponta da navalha (objectos inseparáveis de qualquer serrano precavido, por serem raros os fósforos e proibidos os isqueiros), dirigidas as chispas, resultantes daquele embate, repentino e repetido, a uma mancheia de palhas secas, fogueira feita, (tarefa que não era para qualquer figurão) churrasco consumido, farto hoje, famélico amanhã, barba crescida, cabelos desgrenhados, roupas gastas, corpo manchado de sangue, cicatrizes dos arranhões das silvas, chamiços e gravetos secos, lancetas traiçoeiras perdidas na serra por cirurgião rural em trânsito a canimho de uma sangria solicitada algures, foi num aspecto físico assim, irreconhecível, nesse lastimável estado de corpo e alma, um autêntico Cristo, que resolveu mostrar-se aos olhos do mundo, entocado no interior de um daqueles castanheiros centenários, que levam "300 anos a crescer, 300 anos em seu ser e 300 anos a morrer". Uma daquelas árvores expostas em souto aberto, que levaram Miguel Torga a dizer: "o artista velho lembra-me o toco daqueles castanheiros centenários, só casca, ocos por dentro. O cerne foi-se todo em castanhas".
QUARTA PARTE
Na linha do que deixei escrito no primeiro texto, onde aludi a questão da REGIONALIZAÇÃO e ao pecado secular da CENTRALIZAÇÃO que despovoa grande parte do território português, na esperança de que os meus amigos facebokianos se interessem pelo assunto e pelo LIVRO aqui reitero que urge educar, descentralizar, regionalizar, defender a coesão territorial e social. É preciso que cada um de nós ajude a manter de pé este Portugal periférico. É tempo de esvaziar o sentido a expressão queirosiana: "Portugal é Lisboa e o resto é paisagem". Eu faço a minha parte.
E contrariar o despovoamento do interior passa também por estimular as empresas locais, aquelas que aqui pagam os sues impostos e dão emprego aos nossos jovens. Foi essa a ideia que me conduziu à opção da editora e da tipografia, como já referi. E à mesma ideia obedeceu a "cavadela da enxada" que, à laia de adenda, resolvi acrescentar à peça de Mestre Aquilino, "Tombo no Inferno" e meter em trabalhos um dos seus protagonistas, depois de ele ter escapado à populaça enraivecida e sobreviver nos bosques até resolver entocar-se no castanheiro secular. Eis mais uns gravetos para a fogueira da minha cremação:
"Numa árvore assim que, generosamente, durante séculos, ignorando, em absoluto, as obras de misericórdia, matou a fome a gerações e gerações de pessoas e de bichos, desde ao senhor seu dono até ao itinerante caçador furtivo, desde o peregrino passageiro com destino longínquo impelido pela fé, ao javali residente que, solitário ou em vara, sem varejo, noite alta, porca e sossegadamente roía uma arroba de castanhas enquanto o diabo esfregava um olho, sempre pródiga, uma bisarma dessas, cuja certidão de idade remontaria aos primórdios da nacionalidade portuguesa, que fora testemunha ocular de infindas batalhas de homens e bestas, de confrontos e de fugas entre cristãos e mouros, entre mouros e mouros, entre cristãos e cristãos, último monumento vivo de um secular souto morto em território conquistado e habitado, cultivado, árvore lorcada pela idade, morrendo de pé, oca, só casca, era, a bem dizer, um prodígio da natureza, um resistente ao contínuo despovoamento da zona, um caixão aberto a preceito e, tudo o indicava, a si destinado. De rosto enrugado, casco de galeão das Índias empinado numa praia deserta, vazio de especiarias e de sonhos de marinheiros, não tinha sinais de prego nem de estopa, de traçador nem de trado nem régua nem esquadro nem plaina nem formão. Raízes firmes, levantada do chão, explorada toda a vida pelo homem, devorada que estava a ser pelo machado do tempo, não havia nessa árvore, nesse galeão, nesse caixão, sinais de mão humana. Estava conforme a sua própria natureza. Ali, onde nascera, se fizera grande e tomara copa. Estava em conformidade com a existência selvagem do Evaristo, do bicho danado que dele fizera o povo enraivecido. Daquele fauno de aspecto humano. Aquela árvore, sem cerne, sem alma, assim esburacada, monumento natural sem símile por perto, era um Santuário, um templo de porta escancarada a oferecer, generosamente, a este bicho-homem o seu espaço interior, o seu corpo aberto para abrigo final e ele nele dar o último suspiro, recebido que fosse o tiro de misericórdia. Desaparecia. Morrer ali dentro, era como se retornasse ao acolhedor ventre materno, longe do alarido ululante daquela danada alcateia humana, onde não havia homem herege nem maçónico, ali, ululante, à porta do Santuário da Nossa Senhora das Angústias, donde, aflito e angustiado, teve de fugir, ostracizado que foi pela comunidade enraivecida, ali, donde foi corrido do mundo só porque, danado, gostava de mulheres e de sexo.
Morto assim, na flor da idade, terminado o seu destino dentro de um castanheiro secular, também ele prestes a despedir-se do mundo, velhinho, eis, nos dois assim unidos (juventude e velhice, presente e passado) a morte simbólica deste Portugal serrano, rústico e selvagem. Poviléus despovoados, casas, canastros e palheiros em ruínas, campos abandonados, montes sem gente e sem gados. Caça? Que é dela? E os lobos, sem rês onde ferrarem dente, abalaram para ignotos arraiais e, sem roga, neles prosseguem a sua fanfarra à luz de outras luas e ao assobio de outros ventos, que não os das serras da Nave e do Montemuro".
QUINTA PARTE
Ora, eu que, depois de Aquilino Ribeiro ter mandado CAIR O PANO em o "Tombo no Inferno", desafiei o leitor/espectador a acompanhar-me neste proscénio, nesta cavadela de enxada feita num cantinho de terra que escapou ao bico da relha do experimentado homem da rabiça, vejo chegada a hora de ser mandar CAIR O PANO, definitivamente. E cai. Mas não sem primeiro eu estar convencido de que, se essa peça, por ventura, um dia voltar a subir ao palco nacional, não dispensará esta minha ADENDA. Precisará mesmo dela. E, levantado que seja o pano, os amantes de Talma, encontrarão, logo a abrir, no meio do palco, não o penedo cuja fotografia ilustra a capa deste livro, mas um banco, um mocho daqueles que têm um furo ao meio do assento e, a sair dele, virado ao ar, posto a pino, um viçoso e viscoso alho-porro, prontinho a ser saboreado (bom proveito!) por todos os políticos e homens de escrita e de cultura que, cada qual a seu modo e segundo as suas responsabilidades, consciente ou inconscientemente levados pelos ventos da centralização, em nome de valores pátrios ou outros (ir a favor dos ventos é sempre mais fácil e cómodo do que ir contra eles) estão a ajudar a riscar do mapa este Portugal rural, este território que nos foi legado pelos nossos pais e avós, pelos avós dos nossos avós, esses labrostes e selvagens que viveram e sobreviveram entre matos e lobos. A viverem assim, é certo, mas cada um, velho e novo, tio e tia, irmão e irmã, avô e neto, todos cientes estavam da segurança e da força que lhes dava o sentido de pertença a uma comunidade, a uma alcateia, a uma tribo, a uma família. Nascer, crescer, viver e morrer na selvática comunidade rural rodeada de lobos.
Por assim ser, a pensar neles e no rumo que o mundo tomou com migrações, emigrações e imigrações, voluntárias ou forçadas pelas mais variadas razões, é que este livro, compilação de alguns textos já publicados e outros inéditos escritos a pedido de um caçador, de um amante da natureza, é que veio ao mundo. Um livro que, falando de caça quando já não há caça (escrito com o halo visível e audível de um devoto de Diana, ou de Santo Huberto, escolha que deixo ao livre leitor) é uma homenagem às gentes laboriosas das serras da Nave e do Montemuro, a todos esses conquistadores, povoadores e lavradores que, com respeito e sem despeito, deixaram colar os seus cognomes aos primeiros reis de Portugal. Um hino a todos os homens e mulheres, que, contra ventos e marés, conquistadores, povoadores e lavradores continuaram a ser, acomodados na selva aquiliniana que resta, fazendo das aldeias e lugarejos clareiras de vida, mantendo as casas de pé, as ruas transitáveis, a couve troncha na horta, os pardais a chilrear nos beirais de prédios novos e velhos. Aqueles que, escolas primárias desertas e mudas, postos do correio e tribunais fechados, não se deixaram ir nas apelativas atracções da selva urbana, não se deixaram caçar pelas luzes das grandes cidades, onde não faltam coisas boas e se sabe que, proporcionalmente à desertificação do interior, ao desequilíbrio demográfico campo/cidade, centro/periferia, interior/litoral, aumentam por lá, a par das universidades, das bibliotecas, dos centros de investigação, dos hospitais, as choças e as luras pagas a peso de ouro, destinadas às presas da reserva de caça nacional, reservadas a todas as presas indefesas. Ali, fechadas, onde o instinto da liberdade inscrito no código genético de todo o ser vivente, acicatado pelos anos, assume foros de revolta, pois em cada residente, curvado, derreado pelos invernos e tratos, existe o selvagem "homo eretus" das florestas, existe o "homo sapiens" pronto a escapar-se na primeira oportunidade e a retomar a primitiva liberdade perdida. Só que, à vista destes sinais, detectadas tais intenções pelo caçador ou pelo cabo de ordens de serviço, as portas do covil são fechadas a sete chaves e os soporíferos são misericordiosamente diluídos nas refeições. E a colmeia fica em paz. Não se ouve um zumbido de abelha. As abelhas em zombies se tornaram e deambulam pelos espaços livres, pelos favos abertos, olhares vagos, vítreos, perdidos em alvos incertos. Seres sonâmbulos não conhecem ninguém, nem por alguém são conhecidas. Depois, para sossego e conforto dos demais residentes, se necessário for, as presas rebeldes são postas em cadeirões e sofás, onde, sentadas, num estado dormente por força dos fármacos, a cabecear no vazio, "sim, senhor...sim, senhor...sim, senhor"...gozam o único movimento que lhes resta dos lestos gestos do ancestral "homo habilis". É isso. Estes prisioneiros, frutos que são do avançado estado civilizacional da humanidade, nenhum deles se dá conta do tempo e do espaço em que adormece para sempre. Um número que se risca da estatística dos vivos. Uma vaga em aberto. É o viver e o morrer na civilizada comunidade urbana do século XXI, rodeada, não por lobos, mas por profissionais domesticados à feição da sociedade criada. Enfim, um aspecto apenas do preço das políticas levadas a cabo, ao longo da história, pelo "homo demens", pelo "homo degradandis". O responsável pela existência dos pequenos, médios e grandes aglomerados populacionais, onde a caça é outra. O cidadão que legisla sobre a organização e administração do território, inclusive venatório, sem distinguir um gaio de uma poupa. O "homo urbanus" que, literato ou não, considera o "homo rusticus" provinciano e primitivo só porque este, a viva voz ou em letra redonda (em vídeo, revistas, jornais, livros e Facebook) alardeia o seu apego à natureza e defende uma relação equilibrada e sadia entre TERRA GENTE e ANIMAIS".
Abílio/setembro/2016