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domingo, 14 dezembro 2014 21:24

O PEIDO, A POLÍTICA, A JUSTIÇA E OS MEDIA

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Ansioso de informação, ávido em compreender este meu país e as suas gentes, abanquei frente ao televisor e aguentei horas seguidas a ver e ouvir os interrogatórios sobre o caso BES (canal 219) e também os ESPECIAIS do CANAL 8 a esmiuçar as contas do AMIGO de SÓCRATES e os empréstimos que ele lhe fez.
Depois de tanto aguentar e de ler, ouvir e ver ali o meu país, comecei a sentir náuseas. Primeiro, uma espécie de vómitos, logo seguidos de uma flatulência intestinal que, com receio de levantar voo como um balão e bater com a cabeça no tecto, resolvi AREJAR (fixem bem o verbo), não a ver o CANAL 4 (casa dos segredos) onde me perderia no paradoxo irresolúvel de ouvir professores universitários dizerem que os alunos chegam à Universidade sem saberem ler e escrever e os políticos a chorarem a perda da "geração mais qualificada" de todos os tempos.   

Assim como assim, para AREJAR, dizia eu, deambulei, ao acaso, pelas páginas do FACEBOOK. E vejam bem a feliz coincidência ou o meu fedorento azar: caí no PEQUENO/GRANDE vídeo que partilhei neste meu mural a mostrar uma jovem a aliviar-se dos gases intestinais enquanto joga no computador e a consolar-se mais com o PUM...PUM...do que com os resultados do jogo a correr no monitor.

Apesar de ser um vídeo que contabiliza milhões de visitas, foram poucos os meus amigos facebookianos que se mostraram agradados com ele. Muito poucos lhe colaram o seu "GOSTO", o que muito estranhei, face aos tempos que correm, tão propício a MERDAS, a analogias, comparações e outras figuras de estilo económico, literário, político e musical.

Ora como o FACEBOOK É UMA LIÇÃO e eu estou sempre a aprender VENDO, OUVINDO E LENDO o que nele se proclama e/ou silencia, a primeira coisa que me ocorre dizer é que não duvido que todos esses meus amigos, ainda que o tenham visto, fingiram ignorá-lo,  mesmo que ele mais não mostre senão a coisa mais natural do mundo. Eles, que se peidam como toda a gente, não ousaram associar o seu nome à CORAGEM E NATURALIDADE com que aquela moça (por sinal bem apetitosa) se ALIVIAVA do ar incómodo que lhe transtornava o tempo de lazer. E isso me fez lembrar aquela pergunta de algibeira que corria entre os estudantes de MEDICINA, quando o MÉDICO PROFESSOR, de formação marxista, lhes pedia para darem a definição de PEIDO. Todos ficavam embasbacados, sem resposta, até o professor lhes ensinar que "era o grito de libertação do ar oprimido". E lembrei-me também do significado que lhe davam os ADULTOS da minha infância quando a destroncar uma árvore ou a deslocar um penedo agarrado ao solo, puxa daqui, tenta dali, vira para acolá, diziam com a maior das naturalidades: "já deu o peido-mestre", significando com isso que o problema estava resolvido.

Face a esta realidade falada e sonora do quotidiano e ao comportamento silencioso dos meus amigos, resolvi elaborar um texto sobre o PEIDO, indistintamente de ele ser feminino ou masculino. É o que estou a fazer, acrescentando: tirante as anedotas atribuídas a Bocage e abordagens brejeiras disponíveis na Internet, não conheço muitos intelectuais que se tenham debruçado sobre tão INCÓMODA e MAL CHEIROSA figura, mas o certo é que o PEIDO mais não é do que a coisa mais natural do mundo vivo, uma reação orgânica saudável, um consolador alívio para quem se peida.

E há peidos de toda a maneira e feitio. Diferentes no tom, no som e no cheiro. Há aqueles que são redondos inodoros como ovos sem casca, PUM e já está. Há secos e molhados, fedorentos, uns  sonoros a imitar morteiros em dias de romaria e missa cantada, por alturas de "toque a Santos" PUM, PUM, PUM e outros repartidos, fragmentados, TRU...TRU...TUTUTU,  tipo foguetório miúdo, sinal de sardinheiro que chegou às aldeias com peixe fresco. Há também os que imitam o assobio do marinheiro aninhado na palma da mão, som regulado com a abertura dos dedos viiiiiiiuuuuuuviiiiiuuuum. E os "peidos rasgados" cuja sonoridade faz lembrar o gesto do comerciante de panos que, começando o corte da peça com a tesoura, acaba por separar as duas partes trrrrrtrrrrrrrr, à força de pulso, após o que entrega a parte vendida ao cliente e enrolara a outra para arrumar na prateleira. E há também aqueles que, recusando-se a deixar o ninho quentinho onde nasceram, se põem a brincar nas curvas e contracurvas das tripas, rugindo como trovoada distante e fazendo torcer de cólicas o seu hospedeiro. Muitos desses cobardolas só desaparecem à força da farmacopeia científica ou artesanal, desde os comprimidos mais bem estudados em laboratório específico, aos chás caseiros, herança da sabedoria dos nossos antepassados pré-históricos.

 Descrever todos os peidos nas suas variantes coloridas, sonoras e malcheirosas é tarefa impossível. Mas direi ainda que a par de uns sonoros, tonitruantes, carregados de personalidade, inteiros como bárbaros, sem medo de enfrentarem o mundo, outros há, cobardolas, tímidos e silenciosos, envergonhados, que só se dá por eles quando são denunciados pelas pituitárias, sentinelas sempre atentas ao meio ambiente, poluído ou purificado. São os "peidos descidos à corda",  como dizia um jovem da minha terra quando, numa roda de amigos decidia  entre ficar incomodado ou incomodar os outros. Decidia sempre pela segunda hipótese.

E creio que chega. Para quê desenvolver mais esta narrativa cujo protagonista toda a gente conhece? Toda a gente, repito. Mesmo assim aqui vos deixo, meus amigos e amigas, este meu alívio intelectual, mesmo que nos meios intelectuais e finos, de esmerada e decorosa educação,  corra o risco de ser comparado a um alívio intestinal. Não me importa. Pensado, dito e feito, vou largar o Ipad e  pegar no comando da TV para, mais aliviado mas desgostoso, saltitar entre o CANAL 219, o CANAL 8 ou o CANAL 4. Por eles passa o meu país, neste Dezembro de 2014.

PUM...PUM...PUM.. 

NOTA: Ver também o vídeo no Youtube onde se declama o poema «Linha Reta» de Fernando Pessoa.

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.