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quinta, 04 dezembro 2014 14:56

CANTE ALENTEJANO

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CANTE ALTENTEJANO: «PATRIMÓNIO IMATERIAL DA HUMANIDADE»

Pouca gente saberá o prazer que teve um beirão de nascimento (eu próprio) regozijar-se com a notícia de ver elevado a «Património Imaterial da Humanidade» o «Cante Alentejano». E ninguém saberá também o trabalho que tive para «repescar» o texto que transcrevo mais abaixo, publicado em 1993, aquando da representação do Grupo Coral de Odemira, na Feira de S. Mateus em Viseu.

Dei voltas e mais voltas aos meus arquivos informáticos e... nada. A mudança de computadores e respectivos programas, devem-no ter apagado ou escondido algures. Cansado de procurá-lo, irritado com as negaças que ele me fazia, seguro que estava de o ter escrito, recorri ao meu amigo José Francisco Guerreiro (amigo virtual no Facebook, mas também em carne e osso, da nossa convivência em Castro Verde), ele próprio com uma programa de Rádio, há longos anos, com o título PATRIMÓNIO apelando aos seus préstimos. Fosse ao «Campaniço», pois muito grato lhe ficaria se me trouxesse de retorno, esse texto. Pois bem, se os «amigos são para as ocasiões», aqui está a prova. Em menos do tempo que leva a cantar uma «moda alentejana» o texto que tinha voado para o Alentejo, em 1993, voou de retorno à Beira Alta, em 2014, e aqui o publico. Já lá vai um bom par de anos. Eu estava acompanhado da minha esposa, Mafalda, natural de Castro Verde, que, naquele dia, dois num só, revivemos a força telúrica da planície convertida em música. Vimos e sentimos o Alentejo de olhos fechados,  apenas com os ouvidos bem abertos. O «Cante Alentejano» está colado à planura, às suas gentes, como estão os trigais e os chaparrais ao sabor da brisa,  ora quietos, ora ondulantes, ora solitários em tom elevado, ora em colectivo, naqueles tons graves e harmónicos a brotar da terra como fonte que rompe à superfície, para matar a sede, sem ser com a água que cai do céu. Quem nunca viu o Alentejo, tanta terra abandonada, a terra do pão, quem nunca «viu» o passarinho a cantar de madrugada, quem nunca presenciou as gentes irem por esses campos fora ao romper da aurora, não entenderá esse cartão de identidade agora elevado ao estatuto de «PATRIMÓNIO IMATERIAL DA HUMANIDADE». Não entenderá isso.. Nem entenderá a evocação que, humanamente, faço à memória da minha mulher, da minha companheira nos bons e nos maus trilhos da vida. Ela que já não pôde partilhar comigo o regozijo deste evento. E bem merecia. Faleceu em 1997.   Eis o texto:      CampaniçoGRUPO CORAL DE ODEMIRA CANTA NA FEIRA DE SÃO MATEUS «Indo eu, indo eu, /a caminho de Viseu»... seria  a moda bem popular que o Grupo Coral de Odemira poderia cantar durante o trajecto que separa aquela vila do Alentejo desta capital da Beira Alta, quando se deslocou a Viseu, por alturas da Feira Franca. mas não foi certamente o que fez. O Grupo treinou, sim, as modas alentejanas, pois foi para mostrar o nosso Alentejo a todos os visitantes da grande Feira anual de S. Mateus que foi convidado pela Comissão organizadora do certame. «Treinou», é como quem diz, pois o repertório que trouxe não se treina, nem se adquire numa viagem, por mais longa que ela seja. É preciso muito ensaio, muito amor pela sua terra, muito carinho pelas suas tradições, muita segurança para manter a sua identidade chã e trabalhadora (bem contra o anedotário nacional) para manter a qualidade e marca de um produto que dispensa apresentação. Não me foi possível ver a sua representação no palco da Feira por onde desfilaram outros grupos da música tradicional portuguesa. Vi-o sim em pleno Rossio e, por certo, nenhum elemento do Grupo pensou que, cantando de braço dado e passo lento e curto, vestidos de preto com lenço verde e amarelo, entre a assistência que os ouvia, estava alguém que bebia palavra a palavra, que retinha nota a nota, que vibrava com os graves e agudos, que retinha o significado da franqueza entoada «a solo» e a força do «colectivo» que sabe o que canta e «quando canta...» o Alentejo. Terminada a sua apresentação em público na praça mais frequentada de Viseu, não podia deixar de agradecer «ao vivo» o bocadinho da atmosfera alentejana que esse Grupo trouxe a esta  terra beirã. Não conhecia ninguém do Grupo. Apresentei-me e desde logo prometi aos elementos com quem falei, nomeadamente ao jovem Marco Paulo Gonçalves Marques e à senhora sua mãe D. Mariana, que o meu agradecimento não se ficaria por ali, que voaria até ás páginas do «Campaniço», jornal que se publica na vila de Castro Verde, terra onde, durante 8 anos, aprendi a gostar e compreender o Povo Alentejano, apesar de já ser casado com uma mulher natural daquela terra, quando ali fui colocado na Escola Preparatória, em 1976. O prometido é devido e para que conste no «curriculum» do Grupo Coral de Odemira a sua deslocação a Viseu, neste ano de 1993, aqui fica, simultaneamente, o meu humilde contributo e o meu sincero agradecimento pelo prazer que me deu a mim, à minha mulher e, certamente, a muitos outros de poderem sentir e reviver o Alentejo, sem sairmos desta linda, limpa e hospitaleira cidade de Viseu». «Campaniço», Novembro/Dezembro de 1993.

Abílio Pereira de Carvalho

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.