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terça, 25 março 2014 14:40

TRIBUNAL DE CASTRO DAIRE (16)

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DA FICÇÃO À REALIDADE

PARA UMA MELHOR JUSTIÇA (16)

 10  - PEDIDO DE RECONVENÇÃO

 Tribunal-casaNascente-antes e depoisRezGuardei para aqui a matéria que fez transitar o processo para o Circulo Judicial de Lamego, a fim de, neste Tribunal da Opinião Pública, em que cada cidadão é um juiz, possa dizer da justeza e da justiça do pedido que passou o crivo do «despacho saneador» já que o Meritíssimo Juiz do Tribunal da Comarca de Castro Daire, que o assinou, não estranhou nem se interrogou se teria cabimento e faria vencimento o pedido dos RR. pretendendo chamar a si um prédio comprado em ruínas e recuperado com assinaláveis benfeitorias, há mais de 20 anos. As fotos que se seguem mostram, do lado esquerdo,  o seu estado em 1985, à datada compra, e em 2010, ano em que a acção entrou no tribunal.

Mas quem, em primeiro lugar, deu corpo e forma a tal despautério foi o advogado mandatário dos RR, que assim lavrou o que pensava e deu por conselho aos seus constituintes:

Tribunal. Reconvenção-Adriano

 

 

Eis, pois, como no entendimento dos RR, e seus mandatários, eles se achavam no direito de se tornarem «donos e senhores» de uma moradia que, mais de 20 anos passados, tinha sido vendida com as respectivas servidões. Alegavam eles o direito de preferência à compra e, caso tivesse vencimento a sua pretensão, os AA, isto é, os actuais e legítimos proprietários, seriam obrigados vender o edifício 6 meses após a sentença transitar em julgado. E mais, o Tribunal devia reconhecer aos RR o direito de eles se subtraírem ao «encargo daquela servidão», adquirindo eles próprio a moradia pelo preço de «2.500,00 €, nos termos do artigo 1551º do C.C.»., isto é, tanto quanto o autor deu pelas ruínas de uma casa que recuperou e à qual, ao longo dos anos, foi somando várias benfeitorias.

Uma autêntica desfaçatez pensar em tal coisa, quanto mais levá-la a juízo em letra redonda pelas mãos de advogados. E tal «coisa», não ser «saneada», à partida, pelo respectivo Juiz da Comarca, é algo que, pode ter lugar no silvado das leis, nos interesses de que se alimenta a máquina da Justiça, mas não tem acolhimento no juízo de gente honesta, simples, com letras, de poucas ou sem letras nenhumas.  

            Face a tal despautério, que pelos visto isso não foi para o Magistrado que deu seguimento ao pedido, o mandatário dos AA argumentou, com base nos factos e no direito, citando acórdãos que fixaram jurisprudência sobre a matéria.
E na mesma linha de interpretação viria a pronunciar-se a Meritíssima Juíza do Círculo de Lamego, depois de uma extensa deambulação jurídica sobre o assunto. Assim:
Tribunal-reconvenção-juiza
 
Os RR, não fazendo prova de serem proprietários da eira por onde era feita a servidão, ficaram a descoberto dos artigos 1555ª e 1551º, arrancados ao Código Civil pelo seu mandatário. A sentença estava dada a favor dos AA. Para já eles podiam ficar sossegados.

Em Moçambique, em tempos de revolução e por força da descolonização, foram os AA. expropriados dos bens que possuíam e, custando-lhes embora, até entenderam isso, mas em Portugal, num Estado de Direito, trazido com o 25 de Abril, jamais pensaram verem-se expropriados, com o aval da justiça, do património adquirido, com muito trabalho e poupança. Não foram.


Tribunal-Acórdão-reconvenção-Redz

O Meritíssimo Juiz da Comarca, no «despacho saneador», não «saneou» tal desconchavo, deu-lhe seguimento para o Circulo Judicial de Lamego, onde os RR viram goradas as suas pretensões. E igual entendimento tiveram os Meritíssimos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto que, analisando exaustivamente toda a matéria em apreço no Recurso ali chegado, concluíram sobre o «direito de preferência» o seguinte: 
Assim, face às sentenças da 1ª e 2ª instâncias judiciais, os AA. podiam dizer que «ainda havia juízes em Berlim». A moradia que compraram em semi-ruínas e que reconstruíram, gastando nela nem sabem quanto, continuava a ser deles, por decisão judicial. O sapiente articulado em que assentou a «contestação/reconvenção» não era para qui chamado.

E «nada mais é preciso argumentar», escreveram os magistrados da Relação do Porto, no remate do seu texto. De facto para quê gastar mais latim? E eu podia fazer como eles, rematar este trabalho com as mesmas palavras, mas sendo o 1º Autor da presente questão, não posso deixar de trazer à colação, novamente, a sentença proferida pela Meritíssima Juíza do Circulo de Lamego para demonstrar que «não há bela sem senão» por ela ter discorrido, opinado e decidido sobre matéria não inclusa na «petição inicial», o que está vedado, por lei, a qualquer juiz fazê-lo. 


(continua)

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.