Acontece que o espaço designado por «eira», nos autos, era também «caminho» e convém escalpelizar um pouco este conceito, já que me pareceu, quer nas conversas que tive com o meu advogado, quer na abordagem feita pelos juízes da primeira e segunda instâncias, quer na legislação invocada, que o assunto merece alguma reflexão por parte do legislador e dos intérpretes das leis. Parece-se ser um caso flagrante que as leis não contemplam por ignorância ou desfasamento da realidade camponesa, objectiva e vivida quotidianamente.
De facto foi dito pela testemunha Leonel, ao ser interpelado sobre a venda da «eira» à D. Nazaré, pouco antes de ter vendido a casa, logradouro e quintal aos AA, que sim senhores, tinha vendido a «eira», mas não tinha vendido o «caminho».
Com efeito, em qualquer dicionário rudimentar da Língua Portuguesa, o significado de «eira» é um espaço onde se «malham e estendem os cereais e se secam os produtos agrícolas». Conceito tipicamente rural, ligado aos tempos das colheitas em que a agricultura era a principal fonte de riqueza e sustento, é conceito que não oferece dúvidas ao camponês que do campo conhece as suas lides e o seu léxico. Pode ser um espaço privado, de herdeiros, particular ou público, mas sempre de uma ocupação sazonal.
Ora, no caso presente, para além dessa ocupação sazonal, o mesmo espaço, sendo particular e de herdeiros, teve e tem a função permanente e secular de «caminho», donde resulta existir ali um só espaço e duas funções: a primeira sazonal e a segunda permanente. Daí que a da D. Nazaré, nunca se tenha oposto à passagem do vendedor e à passagem dos AA depois da aquisição por estes da casa de habitação, logradouro e quintal. E foi seguindo esta realidade e raciocínio (um espaço, duas funções), mesmo que não plasmado na legislação respeitante a servidões (matéria super escalpelizada pelos Mestres de Direito, tanto quanto me apercebi da leitura dos autos) que o meu mandatário, despertado para o facto e aceitando os exemplos que lhe forneci de realidades similares resultantes das minhas investigações históricas sobre eiras, no sentido de levar quem de direito a reflectir sobre esta matéria, argumentou, depois de ter sublinhado que o senhor Leonel, tal como disse em audiência, tinha vendido a «EIRA», mas não tinha vendido o «CAMINHO».
E neste item, redigido pelo meu mandatário (não incluindo o conceito de um só espaço, duas funções) se levanta, de novo, e pertinentemente a questão do APOIO JUDICIÁRIO. Alegaram os RR. fazerem uso da eira colocando e secando ali os seus produtos agrícolas. Que produtos? Qual a sua proveniência? É certo, notório e público, que eles, para além de possuírem a casa onde habitam, ao lado nascente da eira e outra ao lado poente, possuem dois automóveis, uma mota de alta cilindrada, dois tractores, respectivas charruas e demais peças ligadas a tal maquinaria. E se tais máquinas agrícolas possuem é certamente porque lhes fazem falta e lhes dão uso na produção agrícola. Face a estes «teres e haveres», como se justifica o apoio judiciário?
Uma das testemunhas arroladas na defesa dos RR, a saber, José Carlos Ferreira da Silva, natural e a residir em Fareja, respondendo aos quesitos 17º e 18º, interpelado pelo advogado dos RR sobre o uso que estes faziam da eira, nomeadamente, se eles punham lá «lenhas e pasto», a testemunha respondeu que «passa por lá com matos para os animais». Mas vamos ao discurso directo e em síntese:
- Advogado: O senhor António tem lá também animais?
- Carlos: tem, tem!
- Advogado: é nessa eira onde põe o pasto e tira o estrume?
- Carlos: sim, sim
- Advogado: Faz isso à vista de toda a gente, não o faz às escondidas?
- Carlos: claro.
Conheço a testemunha pessoalmente, tal como conheço os irmãos e tal como conheci o seu pai, o «tio Filipe», um dos mestres carpinteiros que trabalhou na reconstrução da minha moradia. A ele se deve as medidas dos degraus da escada que do primeiro assoalhado sobem para as águas furtadas.
Quando o José Carlos, confirmando as perguntas do advogado (respostas claramente induzidas) disse que os RR punham na eira matos e mais animais e ali guardavam pasto e tiravam o estrume, só não dei uma gargalhada por respeito ao tribunal. É que animais ali, de que os RR eram e são proprietários, só os cães (três ao todo, espero que não lhes falte alimentação) e os cavalos das máquinas agrícolas, dos dois automóveis e da mota de alta cilindrada. E, que eu saiba, nenhum deles engole palha ou feno, para puxarem as charruas, ou rodarem no asfalto. E deixo o «estrume» de lado, porque esse algum haverá no meio de tudo isto. Os cavalos dos carros que, nos quatro anos do percurso do processo (2010-2014), foram mudando de marca, o último é um AUDY A4. Eles, os RR, com APOIO JUDICIÁRIO, a passearem-se num VW PASSAT e AUDY A4. Eu a passear-me num Hyundai i.30. E a Troika sacou-me parte da aposentação por eu «viver acima das minhas possibilidades».
Pois é. Aconteceu isto no Tribunal Judicial de Castro Daire, agora transformado numa «Secção de Proximidade», apesar das movimentações políticas e socioprofissionais que se fizeram contra o seu «encerramento». Postaram-se comentários infindos nos «murais» do Facebook. Fizeram-se manifestações públicas protagonizadas pelo Presidente da Câmara, Fernando Carneiro, e pelo representante da Ordem dos Advogados, em Castro Daire, João Sevivas. (cf. vídeo que fiz e alojei no Youtube, link http://youtu.be/sy0O1jW6jEk) E verdade seja dita que o representante da Ordem dos Advogados, em Castro Daire, João Sevivas, se mostrou muito empenhado e activo, não só nas deslocações que alega ter feito a Lisboa, mas também nos artigos publicados na imprensa local, ora assinando como representante da Ordem, ora com o seu nome, pura e simples.
E foi com o seu nome, pura e simples que, João Sevivas, nessa luta inglória contra o encerramento do tribunal, esgrimindo o números de processos movimentados, entrados e saídos, deixou para a posteridade uma peça escrita bem digna de ficar nos ANAIS DE DIREITO e de JUSTIÇA: o apelo à litigância sobre «águas de regas, caminhos e posse de propriedade», para o Tribunal ter processos bastantes e assim evitar o seu encerramento. Ora veja-se, com foto e tudo, um excerto do texto assinado por si e publicado, no «Notícias de Castro Daire» nº 529 de 10-02-2013, p.7:
Ao que chegou a nossa JUSTIÇA. Um advogado, na Casa da Justiça, a alterar a palavra de uma sentença para melhor levar a água ao seu moinho e outro advogado, o representante da Ordem dos Advogados, a apelar à litigância entre vizinhos para engrossarem o número de processos num tribunal em que uma simples acção de «servidão/reconvenção», entrada no ano 2010, só foi resolvida em 2014. Se havia tão poucos processos, ao ponto de um Tribunal virar uma «Secção de Proximidade», justo é perguntar sobre o desempenho de cada um dos responsáveis que ali trabalhavam. Ou não será legítima esta pergunta?
(CONTINUA)