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segunda, 10 março 2014 12:35

TRIBUNAL DE CASTRO DAIRE (2)

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DA FICÇÃO À REALIDADE

PARA UMA MELHOR JUSTIÇA (2)

 3 – A REALIDADE

3-1 - Tudo isto, muito antes da tão reclamada reforma da Justiça em Portugal; tudo isto, muito antes dos casos mediáticos que puseram na rua da amargura um dos pilares do Estado de Direito: o Poder Judicial; tudo isto, antes da tão badalada justiça com dois pesos e duas medidas, uma para ricos e outra para pobres, uma a prender os «pilha-galinhas» e a deixar em liberdade e em «vida boa» os corruptos, os burlistas e os falsários; tudo isto antes de existir um programa televisivo «Justiça Cega», cujos intervenientes (um deles Meritíssimo Juiz Desembargador) não deixam dúvidas quanto ao mau funcionamento dos nossos tribunais e até a suspeita de que algumas fugas de informação para a imprensa sobre determinados processos judiciais, partem exactamente dos agentes que os manipulam.

Tribunal-2Antes da publicação do «Julgamento» já eu tinha publicado um extenso texto no «Diário do Alentejo», de 22 de Setembro de 1982, com o título «República dos Aivados», cujo assunto foi extraído do extensíssimo e complicado Processo Judicial, que decorreu entre os anos de 1562 a 1640, cujas partes eram os representantes daquela pequena povoação alentejana e os representantes da Câmara Municipal de Castro Verde. De alguns anos a esta parte, (estamos em 2014) esse artigo foi colocado na Internet pelo administrador do blogue «Aldeia dos Aivados, blogspot.pt», texto que permanece on-line

E tinha também publicado, em 1995, o livro «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura», onde abordei a questão das lutas liberais, os seus protagonistas e um deles, o capitão dos Voluntários de Castro Daire, miguelista, ligado a um «Libelo de Raiz», do qual veremos mais adiante alguns artigos de uma réplica, a título de estabelecermos comparação da evolução processual formal e linguística que se fazia então e que se faz hoje, mais de 200 anos depois.

E também excertos do processo-crime ligado à morte do Padre José Joaquim de Almeida Bizarro, liberal, assassinado, em 1840, nos arredores de Folgosa, por Bernardo da Silva, José Ferreira e José de Almeida Simões, de alcunha «o Raposo», todos do lugar de Farejinhas» e, presuntivamente, a mando dos miguelistas Melos, João e José, da casa brasonada de Farejinhas, como veremos mais adiante.

Apurados que foram os factos deste crime, através de um vasto rol de testemunhas, feito o exame minucioso do «Corpo de Delito» ocorrido em 22 de Maio de 1840, na casa do «Excelentíssimo José Teixeira de Aguilar e Lemos, onde veio Francisco de Paula Pinto, juiz ordinário em este Julgado, comigo escrivão de seu cargo, para efeito de proceder a exame de corpo de delito nos ferimentos mortais do cadáver do Padre José Joaquim  de Almeida Bizarro, abade encomendado  desta freguesia», no dia 28 de Maio de 1840 a participação do caso chega a Lamego, às mãos do Doutor Manuel Rebelo de Sousa Araújo Barbosa, Juiz de Direito da cidade e Comarca, levado pelo Dr. José Pedro de Carvalho Moutinho, delegado do Procurador Régio, neste Juízo, dizendo que, por parte do Ministério Público, «dava sua querela» contra os suspeitos.

Em 13 de Junho de 1840 regista-se o primeiro «Despacho de Pronúncia» datado em Farejinhas e assinado com a rubrica «Rebelo» e diz o seguinte:

«Indicio criminosos no crime de morte proibido pela Ordenação, livro quinto, título cincoenta e cinco, a Bernardo Silva, José Ferreira casado e João Almeida Simões, de alcunha o Raposo, todos deste lugar de Farejinhas, concelho e Julgado de Castro d’Aire = O escrivão lance seus nomes no Relatório do culpador e passe ordens competentes para serem postos em custódia sem cláusula de Justiça, por não ser caso deles, fazendo as intimações necessárias, Farejinhas três de Junho de mil oitocentos e quarenta = «Rebelo».

Averiguações rápidas, mas não tão rápido é o andamento do processo. É que só em 14 de Abril de 1843 se inicia o «AUTO DE QUERELA», em Castro Daire, nas casas de residência do Doutor Francisco José Vanini de Castro, juiz de direito nesta comarca.

Iniciado em 14 de Abril, de 1843, na abertura do «auto de querela», já lá iam três anos após o assassinato, um mês depois, isto é, em 13 de Maio de 1843, na vila de Castro Daire, é dado um segundo despacho de Pronúncia, assinado pelo Doutor Juiz Francisco José Vanini de Castro, que diz:

«As testemunhas até aqui indiciam e tornam suspeitos e obrigam a prisão e livramento dos cidadãos José Francisco Novo Parente, o Ferrinho, José de Almeida Simões, o Raposo e Bernardo Silva, casados, todos de Farejinhas, freguesia desta vila pelo voluntário e premeditado assassínio cometido na pessoa do Abade desta vila José Joaquim de Almeida Bizarro, crime proibido pela Ord. Lº 5º, tit. 35 in princip. E § 1º. O escrivão os lance no relatório dos indiciados e passe ordens necessárias para serem capturados, com declaração de não ser admitida fiança pela gravidade e circunstâncias do crime. Castro Daire, 13 de Maio de 1843 = Francisco José Vanini de Castro».

 Mas como se juntaram mais testemunhas, será preciso novo despacho, o que aconteceu a 5 de Junho de 1843. E de despacho em despacho (será que a este respeito a nossa Justiça mudou alguma coisa, no percurso de dois séculos?) o Juiz lá ia dizendo, segundo as testemunhas chamadas aos autos:

«Acrescem as suspeitas contra os indiciados nos meus anteriores despachos e continue nesta ao Delegado do Procurador Régio se tiver que requerer. Castro Daire 13 de Junho de 1843. Francisco José Vanini de Castro».

E posta assim a questão ao Delegado do Procurador Régio, a resposta do Ministério Público veio na hora e nos seguintes termos, onde se adivinha que o processo não podia arrastar-se indefinidamente com tais subterfúgios. Assim:

«Como pela parte do Ministério Público já se querelou sobre o facto criminoso de que este processo também trata, e se acha o sumário fechado ou acabado na mencionada querela, dada pelo Agente do Ministério Público que nesse tempo exercia, por isso nada tenho que requerer. Castro Daire 15 de Junho de 1843. O Delegado (ass. ilegível)

Face a isto o Juiz, dois dias depois, 17 de Junho, exara o seguinte despacho:

 «Como da resposta dada pelo Ministério Público se deixa ver que por ele e pelo mesmo crime já neste Juízo dada uma querela, digo, dada ou existe uma querela o que eu ignorava e como a querela da parte ofendida que pode dar dentro de três anos/artgº 1208 da N.R.J./ deve ser em seguida à do M.O. e fazendo um só processo/ artº 185 da Oª Ref Jud./ Por isso deve o esrivão Rocha passar para o escrivão Cardoso no que é o da querela pública este processo, que será reunido à querela como fazendo uma só querela. E como neste processo se inquiriram o número de oito testemunhas, quando deviam inquirir-se cinco/ artº 938 § 3º da refª J./ por isso tomo de nenhum efeito o depoimento da 6ª, 7ª e 8ª das testemunhas que depuseram neste Sumário, bem como o despacho do deferimento de Maria da Soca referida pela primeira testemunha de Josefa Duarte, referida pela terceira testemunha e do Padre Francisco Duarte, referido pela quinta testemunha, mas antes de se dar ao escrivão este meu despacho, dê-se dele conhecimento ao Delegado do P. Régio para dizer o que se lhe oferecer. Castro Daire, 17 de Junho de 1843».


(Continua)

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.