Trilhos Serranos

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quinta, 22 agosto 2024 12:14

ALTINO MOREIRA CARDOSO - UM INVESTIGADOR INCANSÁVEL

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NOS TRILHOS DA DESCOBERTA

O meu colega de profissão e de empenhadas lides na busca de “saberes passados”, ocultos em arquivos mortos ou arquivos oscilantes e vivos em memórias orais de enciclopédias bípedes, andantes, ALTINO MOREIRA CARDOSO, fez-me chegar, como oferta, através de mão amiga, o seu último livro, com o título “O HOMEM E A OBRA” e subtítulo “BIO-BIBLIOGRAFIA”, editado neste ano de 2024.

BADANA

O amistoso autógrafo “Com consideração e estima ao ilustríssimo historiador Abílio P. Carvalho”, impõe-me a obrigação, sob pena de ser ingrato, de dar-lhe provas públicas do quanto lhe estou grato por ter-se lembrado de mim, perdido que ando aqui nos cantos da serra do Montemuro, já que não é todos os dias, nem é toda a pessoa citadina que volve os olhos para  os penhascos rurais e neles descobre quem por cá, mais não faz do que exercer o múnus comum de investigar e divulgar “saberes” que sendo o humus do nosso chão pátrio, nem todos o conhecem e sentem como linfa identitária da nação que somos, nesta nossa diversidade ambiental, hidro-orográfica e pluralidade cultural e humana.

O meu colega, Dr. Altino Moreira Cardoso, apesar de respirar os ares poluidos dos arrabaldes da capital do reino, lá pelas terras de ALMADA-SINTRA, é natural do Peso da Régoa, freguesia de Loureiro e não raro deixa a salgada brisa marítima e sobe até estas bandas para insuflar os pulmões do despoluído oxigénio e dar às papilas gustativas o paladar  de um bom “cozido à portuguesa” ou um “cozido de couves com feijões”. 

Licenciou-se em Filologia Românica na Universidade de Coimbra e, para lá da docência, nas Escola de Ensino Secundário, tem sido um incansável caminheiro por tudo quanto é trilho, vereda, caminho, carreiro, em redor do Marão, com incidência nos mosteiros, castelos, vinhedos e, conequentemente, abancado às lautas e bem guarnecidas e avinhadas mesas com sumo de cepa velha, sempre atento de olhos e ouvidos aos trabalhos, dançares  e cantares que tudo isso produzíam nos socalcos monteses, encosta arriba e abaixo.

AUTÓGRAFOSe eu tivesse de deixar uma escultura em bronze de ALTINO MOREIRA CARDOSO, escolhia o pináculo mais elevado da SERRA DO MARÃO e prantava nele a figura de um homem grande, forte, anafado, capote transmontano, chapéu de aba larga, mão em pala  sobre os olhos  a proteger a vista que oberva o perto e o longe, o pico e o vale, a cidade e a vila, a aldeia e a alcaria solitária, abrigo de pastor ou arrumação de ferramentas camponesas.

Já me tinha prendado com  “DOM AFONSO HENRIQUES - A LÓGICA SEM MISTÉRIO” e outros trabalhos que agora resume e sintetiza nesta sua última obra, digamos que à laia de “TESTAMENTO” para “descargo da sua consciência, estando em juízo perfeito”.

Eu lhe fico grato por tudo, com destaque para as subtilezas expressas nos documentos e conclusões retiradas relativas ao “milagre de Carquere” e “milagre de Ourique”. Os interesses e interesseiros em torno deles e comsequente divulgação. E depois da tese de Almeida Fernandes sobre o nascimento do nosso PRIMEIRO REi - em Viseu - não gasto mais fósforo cerebral.

Grato lhe fico pela sua persistência em não descolar do chão onde nasceu e este seu apego à RURALIDADE de olhos sempre postos no POVO, desde as simples, ingénuas e maliciosas cantidas de amigo, às composições poéticas mais eruditas, tratadas e cantadas por gente académica e “culta” que nunca gastou a sola dos sapatos nos «trilhos serranos» a ouvir e a ver esse nosso «cantarolar» e «dançar».   Muitas já postas em compêndio e outras recolhidas por si que bem poderiam perder-se  na voracidade do tempo, não fora ele pô-las em letra redonda e pauta de música. 

Por isso, com ele saboreio a  MAGNA CARTA do VINHO DO PORTO, da descoberta e divulgação do documento indentificador da QUINTA DE VARAIS, aquela onde, segundo ele,  terá tido origem o “vinho cheirante”, dito, depois, “vinho do Porto”. Folgo sabê-lo, saboreá-lo e cheirá-lo, mas entre “vinho cheirante” e “vinho de cheiro” existe uma distância abissal no tempo, no espaço, na semântica, no corpo, paladar e aroma. Ele o sabe muito bem. Por isso eu não seria tão peremptório assim, face à descoberta de uma “fonte nova de conhecimento”, ainda por cima ligada à cultura e uso do vinho que tem séculos de HISTÓRIA. É só recuar aos Tartésios, aos Fenícios, Gregos, Romanos, etc., etc. É não esquecer as dionisíacas gregas, as “bacanais” e «saturnais” romanas, alagaradas, bem alagadas no nectar dos deuses DIONÍSIO  e BACO.  Sim, o vinho não precisou da chegada do CRISTIANISMO, nem seauer dos monges de Cister para se associar à liturgia festiva e religiosa. Aludo a isso no meu poema online, alojado no Youtube com o título MIRADOURO DE GALAFURA. ( https://www.youtube.com/watch?v=z9_yfH1Hgzg&t=5s) 

Sim. Há muito que, por dever de ofício,  me habituei a fazer a leitura hermenêutica dos documentos, fora dos “varais” do nacionalismo, regionalismo e bairrismo. E dou como exemplo a “Carta de Mercê” dada a Castro Daire, por D. Dinis, convertendo em dinheiro os foros, até então,  pagos em “espécie”. A “pedido do concelho”, como reza o documento. Estávamos nos séculos XIII-XIV e, sem “varais nos olhos e no pensamento” , algo vi de anacrónico entre o “dito” e «escrito» no documento e a economia agro-pastoril dominante, na época. No campo, ainda em pleno século XX, o dinheiro era coisa muito rara e cara. E muito mais seria, seguramente, no século XIII.  Como, então, ser o concelho a pedir essa conversão de géneros em dinheiro? Algo parecia não bater certo. Discorri sobre o assunto e deixo um vídeo no rodapé deste APONTAMENTO com as minhas conclusões. 

 Mas, se ponho aqui algums reticências, partilho com o meu colega, o paladar adocicado das MELODIAS camponesas com raízes medievais e galegas, todos os CANCIONEIROS que recolheu, tudo em letra muito miudinha para não engrossar o volume. 

Não. Não li este livro de cabo a rabo. Letra miudinha, vista cansada, o bom senso aconselhou-me a atravessá-lo rapidamente como  fiz um dia de agosto conduzindo a família de Bragança ao Gerês, ao Parque da CERDEIRA. Urgia chegar bem, sãos e salvos, montar as tendas e descansar da viagem. Mas não cerrei as portas dos sentidos durante e percurso. Vi pessoas, vi vida, ouvi música. Este livro é uma viagem. E longa é ela. Mais de apreciar a paisagem de miradouro em miradouro do que reter o percurso de lés a lés. Livro mais de consulta do que leitura “breviária”.

LIVRO-CAPAEu entendo.

 Disse um dia o poeta Ary dos Santos e depois verbalizou a cantora Simone de Oliveira, que “quem faz um filho, fá-lo por gosto” e só quem fez um livro (ou já fez muitos), sabe as curvas e contracurvas, as reviravoltas e voltas que ele dá no ventre mental do autor antes de ser parido: os capítulos, o formato, o tamanho de letra, as ilustrações, os anexos, glossários, etc. etc. etc. Uma coletânea. Uma antologia. Se continuasse a dar aulas no Alrentejo, diria naquele sotaque melodioso tanto do apreço de Altino: «que trabalhêra». Só por isso este meu colega, com quem  falei pessoalmente apenas uma única vez, merece que eu lhe tire o chapéu.

Et vade retro” o maldizente ou mal intencionado que cole a esta minha franca e sincera atitude, à frase latina “asinus, asinum fricat”, pois tanto ele como eu, por força da profissão, lemos Cícero,  e já temos o “curriculum vitae”  lacrado com selo público  e raso de tabelião encartado. Dispensamo-nos portanto, com a idade que temos, elogios recíprocos e promoções desnecessárias.

Aqui contam somente as relações humanas e, da minha parte, o reconhecimento do trabalho incansável levado a cabo por este HOMEM que, de olhos postos no seu semelhante, em Portugal, no meio social e cultural que respira, soube conciliar os solitários trabalhos da investigação com os indispensáveis afetos sociais da FAMÍLIA (a minha admiração é extensiva à esposa e filhas - três)  tudo tem feito para, através do conhecimento e esclarecimento, deixar um mundo melhor, um mundo mais esclarecido, consequentemente, mais HUMANO do que o mundo que herdou.

Mutatis mutandis, creio que ambos chegaremos ao fim das nossas vidas a tentar subir sempre as escaleiras graníticas dessa esperança.

Enfim, nesta romagem humana ao santuário do saber e do esclarecimento, ainda que somente através das LETRAS, agrada-me ter por companheiro ALTINO MOREIRA CARDOSO

Obrigado pela companhia.

SOUTO DE VILA POUCA  ( https://www.youtube.com/watch?v=sFuVCe9EbhI) 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.