Puído pelos pés dos caminheiros que no seu afã de vida o atravessavam diariamente, a esse formigueiro humano de profissionais do pão, com os seus burricos albardados com sacos de grão ou de farinha em cima, juntava-se a garotada e homens adultos que no POÇO DA ARGOLA se iam banhar e também as LAVANDEIRAS, as mulheres da vila que, nas águas movimentadas e cristalinas desses rios, iam lavar, corar, branquear e secar as roupas de cama e de vestir. As águas lavavam e levavam as nódoas e sujidade das roupas, mas as nódoas e a sujidade das almas das pessoas – caraterística da essência humana – o «bem-dizer» e o «mal-dizer» como a bondade e o bem-fazer de muitas delas arrastar-se-iam séculos fora e lembrados em momentos de ocasião, como foi o caso seguinte.
Dizem-me fontes orais fidedignas que, nessa altura e muitos anos depois, quem dos miradouros do burgo vilão espraiasse a vista pelo espaço onde o Paivó entronca no Paiva, em vez da verdura que atualmente reveste aquela área, veria um extenso estendal de “ROUPA BRANCA, a fazer lembrar a aldeia que, com esse nome, passou à tela de cinema.
E foi ali, naquele espaço, mais propriamente no sítio da FRAGA, nas proximidades das DORNAS, aquelas pias de formato irregular esculpidas pelas águas no leito granítico do rio que uma LAVANDEIRA (das muitas que ali exerceram tal função) mostrou ao mundo e deu o exemplo de que uma «cabeça não serve somente para criar piolhos», nem os ganchos metálicos e as travessas de tartaruga serviam somente para arranjar e segurar os cabelos.
É certo que quem tiver presente na memória as figuras femininas das nossas aldeias e vilas em meados do século XX e tempos posteriores, logo vê o cabelo entrançado, de carrapito manchu enrolado no toutiço, uma travessa de tartaruga e ganchos metálicos a darem jeito e segurança ao penteado.
Pois foi uma lavandeira castrense assim trajada e arranjada que, no seu afã de “esfrega que esfrega”, “bate que bate”, pés e pernas dentro de água, reparou que, em torno das suas pernas, além de muitos peixes miúdos, mal saídos das ovas, digamos que na suas primeiras experiências de vida aquática, reparou ela, dizia eu, que uma ENGUIA lhe fazia também companhia.
Mirou, remirou e pensou o jeito de pescá-la e melhorar a ceia desse dia. Sabedora de que uma enguia é hábil a escapar-se das mãos humanas, que se «esgueira» ao mais pequeno gesto, deu volta ao miolo.
Passou a mão pelo cabelo, retirou um gancho daqueles que lhe mantinham as tranças no sítio e, em menos de um ai…zaz….as pontas do gancho não podiam desempenhar melhor função do que tenaz de um ferreiro a segurar o ferro em brasa saído da forja.
A contorcer-se no ar fora das águas do PAIVA, a ENGUIA, que em má hora buscou companhia humana, deixou as águas correntes e frias do rio, para ser cozinhada na água fervente da caçarola de barro preto de RIBOLHOS e saboreada em família, noite dentro. E tal foi o manjar que ainda hoje é lembrado como exemplo de expediente e inteligência humana que, de improviso, consegue levar por diante os seus objetivos, botando mão às ferramentas disponíveis.
E não tivesse eu percorrido e feito o vídeo do troço do CARREIRO DOS MOLEIROS e das LAVANDEIRAS alojado no YOUTUBE e esta “história” que ainda se lê na LITERATURA ORAL, não teria sido escrita nem passada, assim, às gerações que hoje fazem calos na polpa dos dedos polegares a deslizarem o tapete dos seus equipamentos de comunicação.
link:
https://www.youtube.com/watch?v=OVbXX7881Os&t=150s