Desta vez, socorro-me do recorte do jornal «REPÚBLICA» encontrado no «dossiê» político que foi pertença de EDUARDO PINTO DE CARVALHO, reconhecido comerciante com porta aberta na vila de Castro Daire, cedido pelo seu filho médico com o mesmo nome, que residiu e exerceu a profissão nas Canárias, recentemente falecido.
A esse «dossiê» voltarei para revelar, por escrito, o seu papel de «ação política» logo após o 25 de abril.
Desta vez, e como substrato de um pensamento republicano consolidado em leituras e vivências, aqui fica parte do texto digitalizado a que acima referi, da autoria do Dr. Rodrigo Rodrigues. Pena foi não ter sido datado, ainda que o autor nele diga ter «descido a Lisboa no ano de 1957». Assim:
«(…)
Primeiro foram as riquezas fabulosas dos descobrimentos — África, Índia e terras do Oriente. Riquezas colossais. Tudo que entrou, saiu para outras terras:
Flandres, Holanda, Veneza, Inglaterra, a troco de sedas, veludos, armas, rendas, pratas, futilidades, sem deixar rasto valioso, sem o menor emprego útil ou produtivo. A nação continuou pobre e até com menos do seu verdadeiro valor a gente. Diminuída, desvalorizada e corrompida!
De tudo o que ficou, o que resta? Dois ou três monumentos vistosos, várias igrejas ostentosas, falando, eternamente da nossa vaidade estrutural. Uma embaixada ao Papa, que espantou a Europa, pela sua ostentação — tafularia — e uma corrupção que acabou por vender Portugal à Espanha!
Exausta essa chuva de mal empregada riqueza, outra voltou — a dos «quintos dos Brasil». Barcos e barcos transportando — ouro, pedrarias, açúcar, escravos e móveis de luxo para Lisboa.
Reincidiu-se pela mesma estúpida bazófia, nos mesmos erros. O que resta de tudo?
O «aborto» de Mafra, os arrebiques da Estrela, o cubo quezilento de S. Roque, a mesma ignorância, laivada com os revérberos ferozes das fogueiras da Inquisição, dinheiro, imenso dinheiro dado para comprar honrarias fúteis aos car- diais em Roma, pano para nos vestir na Inglaterra e comida por esse mundo...
Como elucidação, valha-me aqui, embora muito longe ainda de toda a verdade, o testemunho, há dias publicado no «Diário de Notícias» pelo meu ilustre amigo e professor, sr. dr. A. Marques Guedes. Diz ele, fazendo análise proficiente ao que foi, ao que tem sido este desvario:
Nas antigas gravuras, sempre que se queria pintar um Português, desenhava- -se um indivíduo de espada e plumas, coberto com um sombreiro, seguro por um mordomo, ladeado de escravos.
Tudo faminto e fanfarrão.
Ofende? Não o penso. Outros têm pior; mas sou da opinião que só se cura o mal que se conhece, embora seja para isso preciso descobri-lo e exagerá-lo até.
Mas tanto ou mais que isso no-lo disse já em 1426 o Infante D. Pedro, filho de D. João I, o maior da «ínclita geração de altos infantes».
Não há, na História Portuguesa, figura mais perfeita. Culto, sábio, prudente, patriota, e, por isso, infeliz, intrigado pelos Braganças, atraiçoado, assassinado e escarnecido. Dele conta O. Martins, no seu magnífico livro «Os filhos de D. João I» pág. 136: — «O rei, D. Duarte, seu irmão, pedia-lhe conselhos, e ele, de Bruges, em Flandres, dizia-lhe vendo claramente os fortes e fracos deste Povo Português, ainda hoje o mesmo, depois de quatro séculos que valem por vinte cm esplendor de ação e, mais ainda, na grandeza das desgraças de que está cheio. Vivendo na Flandres, terra farta e clássica das quermesses, o Infante celebra a sobriedade e temperança do nosso povo; mas logo adverte o «vício da basófia», que chama toda a gente à corte, enjeitando os filhos as profissões dos pais, afidalgando-se, formando esta nuvem de parasitas que estão atulhando os paços dos reis, dos infantes e dos nobres e, agora, atulhando as escadarias das secretarias...».
Não se pode dizer melhor.
Será por termos nascido em terra formosa e de boa gente que estamos condenados a ouvir cantar a cantiga dos degenerados que se chama o fado?
R. R.»
E eu digo apenas: claro que «não se pode dizer melhor!»