Trilhos Serranos

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quarta, 13 dezembro 2023 17:13

25 DE ABRIL DE 1974 - CINQUENTA ANOS APÓS - 2023

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A HISTÓRIA NÃO SE APAGA, NEM O NOME DOS SEUS PROTAGONISTAS

Aproximando-se os “CINQUENTA ANOS” da passagem deste dia HISTÓRICO (meio século de alegrias, de esperanças, de tristezas e desalentos, de desgostos e desenganos, um caldeirão de pensamentos e sentimentos), cinquenta anos de vida, de mortes e natais, dando volta aos papeis que recheiam os meus arquivos, vindos de espólios vários, propriedade que foram de castrenses que fizeram de mim fiel depositário e proprietário,  por preferirem a minha  pessoa e a minha casa ao ATERRO SANITÁRIO DO PLANALTO BEIRÃO, ali onde vai parar todo o lixo concelhio e de terras mais, dando volta a esses papeis, dizia, trago hoje ao conhecimento dos meus amigos, nestas vésperas e festejos do NATAL, sobretudo à GENTE JOVEM que vê o mundo através do minúsculo ecrã de um indispensável telemóvel ou Smarphone, um episódio que, podendo parecer-lhes caricato, mostra bem o estado de desenvolvimento social, técnico e cultural em que se encontrava o país e o concelho, nesse dia e ano. Mostra bem o ensejo e a importância que, ao tempo, as NOSSAS GENTES davam a um simples APARELHO DE TELEVISÃO. Vejamos.

 PRIMEIRA PARTE

O caso advém dos ARQUIVOS que me foram cedidos pelo Dr. Eduardo Pinto Carvalho, recentemente falecido, residente que foi em C. Daire e nas Canárias, filho do comerciante com o mesmo nome, com porta aberta na vila, mais conhecido por EDUARDO TORMENTA.

CRAVOS 001 - Cópia 3Sendo EDUARDO PINTO CARVALHO (pai) um opositor ao REGIME SALAZARISTA, reuniu à sua volta alguns correligionários do PARTIDO COMUNISTA e ia fazendo o que podia nesses tempos de DITADURA e POLÍCIA POLÍTICA - a PIDE.

Pensão CunhaChegado o 25 de abril, os PARTIDOS foram legitimados e assumiram publicamente a ação política, social  e cívica à luz do dia. E aqui, em Castro Daire, um dos ROSTOS organizadores do PC era EDUARDO PINTO DE CARVALHO. Outro era JOSÉ CUNHA (da PENSÃO CUNHA, ver foto) tal como nos mostra a correpondência trocada com o seu CAMARADA DE COIMBRA, Gentil José Batista Gomes, a propósito das diligências tomadas por aquele CAMARADA residente  na LUSA ATENAS, que, de passagem por Castro Daire, em “sessões de esclarecimento”. Estávamos em 1978.

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Conseguido o intento, em Coimbra, havia que fazê-lo chegar a Castro Daire e, dada a importância que o equipamento tinha na difusão da POLÍTICA e da CULTURA, a sua receção devia rodear-se de pompa e circunstância, degustada com o indispensável almoço comemorativo. As despesas seriam suportadas pelo GRUPO DE COIMBRA e a PENSÃO CUNHA um excelente espaço para a intalação de tão avançado equipamento de COMUNICAÇÃO SOCIAL. Ali se reuniam os CAMARDAS e por ali passavam e pernoitavam viajantes na sua mercancia de vida. Não era o primeiro. Antes dele já havia, na vila de Castro Daire, vários aparelhos de televisão assentes em pensões e tabernas como bem documentado deixei no vídeo que fiz a propósito e alojei no Youtube, cujo link anexo em rodapé. Alguns deles com restrições nas entradas.

 

Façam o favor de ler a cópia da correspondência conexa, a que aludo. Sendo certo de que, com as notícias difundidas através de tão milagrosos equipamentos, chegariam também as telenovelas brasileiras, suas tramas literárias, políticas, económicas, sociais e afectivas, os protagonistas em cena  e, no cumprimento do guião, a morte de algum deles levarem algumas velhinhas da serra a encomendarem ao pároco da freguesia missas pelas almas dos desaparecidos. Não distinguiam a realidade da ficção. 

  

SEGUNDA PARTE

Se na PRIMEIRA PARTE o protagonista foi JOSÉ CUNHA, proprietário da PENSÃO CUNHA e, portanto lugar adequado à instalação de um aparelho de televisão,  nesta segunda parte vemos as diligências de EDUARDO PINTO DE CARVALHO no sentido de manter em dias as QUOTAS DOS MILITANTES. 

QUOTASAssim o mostra a carta datilografada dirigida ao CAMARADA DO GAFANHÃO, José Almeida Ribeiro, lembrando-lhe que a QUOTA MENSAL era de 10$00. Estavámos em 1975.

A HISTÓRIA E OS PROTAGONISTAS NÃO SE APAGAM, ainda que haja pessoas que, assumindo-se revolucionárias no CALOR DA REVOLUÇÃO, não gostem de se ver espelhadas nos DOCUMENTOS que ficaram como PROVA daquilo que eram e naquilo. que se transformaram. 

É só ter presente o CAPÍTULO sobre o VINTE E CINCO DE ABRIL que, por dever do ofício e rigor histórico, integra o miolo do meu livro “CASTRO DAIRE, OS NOSSOS BOMBEIROS, A NOSSA MÚSICA”. O desconforto que causou a algumas “figuras”  que não gostaram de se olhar ao espelho. Pelos vistos arrependidos estavam de terem sido «revolucionários»-

TERCEIRA PARTE

A foto do aparelho de televisão que se segue, tal qual se vê, abandonada  no meio de um pinhal, ao lado da estrada que liga Fareja a Vila Pouca, perto do Ecocentro, é bem o espelho da marcha apressada do tempo. Rápido tem sido ele na evolução material e tecnológica. E eu não ignoro que por aquele aparelho, semelhantemente àquele que junto dele aparece esventrado, fios emaranhados e mortos, chips vários, passaram ideias novas, valores e programas defendidos pelos PARTIDOS POLÍTICOS e forças vivas do país inteiro. Fios mortos desligados do mundo. Neurónios cerebrais fossilizados, sem faísca de luz, de saber  e de esclarecimento. Assim, infelizmente, na cabeça de certas pessoas que botam figura e palavra a folhear o livro de 40 folhas durante o jogo da sueca ou bisca samarreira, como diria Aquilino Ribeiro.

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Mas certo é que pelo seu ecrã jorarraram, como jorra a água das fontes, a propaganda  política, os dias de eleições, os governos empossados, entrados e saídos. 

Jtv-3á passaram quase 50 anos. Tantos abris, quantos natais. Meio século de mudanças casadas com estagnação. Os computadores, Ipads e telemóveis, sucedâneos na comunicação, são outras marcas evidentes das mudanças. Morreram uns partidos e nasceram outros. A democracia sucedeu à ditadura. A censura deu lugar à liberdade de expressão, de pensamento e religião. Abriram-se os horizontes da CULTURA, mas hoje, tal como há meio século, afirmação certeira, o entretenimento não é a LEITURA, mas sim o jogo da sueca ou bisca samarreira, tal qual como era antes. Treinam-se os dedos polegares da juventude a rolarem os tapetes digitais. A evolução cultural não acompanhou a evolução material. E eu receio até que, por Portugal inteiro, por força da tradição, vestida da patine dos séculos que lá vão, as velhinhas, só elas,  continuem a encomendar missas e sermão pelas almas dos protagonistas falecidos das telenovelas. É isso. Passados 50 anos de abris e outros tantos natais, ainda há por cá quem não distinga a realidade da ficção. E esses que tais, número sem conta, apegados a valores antigos, com vilas e cidades iluminadas de ponta a ponta (até as “moradias” dos sem-abrigos), desiludidos com a democracia, engrossam a fileiras dos descontentes (educação e cultura de rastos), que contentes ficam com as migalhas dos faustos manjares temperados com muitas luzes, muitos arcos, muitas estrelinhas e muitas cruzes. 

Por todo o lado se berra em defesa do planeta Terra. Alardeia-se o  esgotamento dos seus recursos naturais. Mas por estes nossos portugais, governantes nacionais e locais são o espelho dos 50 abris e natais passados, nunca cansados de festas e festanças. Só mesmo de crianças crentes na existência do PAI  NATAL. A forma de governar, durante todo este tempo, uma PARTIDOCRACIA assumida com amiguismos, compadrios e corrupção pelo meio, aparentemente sem pingo de ética republicana, oferece de bandeja aos inimigos da democracia o poder e a simpatia, oferecem o voto e o clamor dos desenganados, que, PENSANTES, sem esperança de vida mais feliz, almejam um salvador da Pátria, um ditador. E não raro se ouve, em redor, o apelo à ressurreição de Salazar. 

cartão PSVai haver eleiços  legislativas em 10 de março p. futuro, após a queda de uma maioria parlamentar do PARTIDO SOCIALISTA, cuja estrutura,   integrei v.g.  as Comissões Concelhias de Castro Verde e Castro Daire, nos anos 80/90. As razões que me levaram a ababdonar o APARELHO PARTIDÁRIO, não vêm ao caso. Deixei-as publicadas no jornal "Notícias de Castro Daire". Tudo liso e transparente. Conhecido o APARELHO, ciente de que seria mais útil ao meu concelho fora dele do que dentro, ala que se faz tarde. E a prova disso é pública. O Google inclui o meu nome em NOTABLE PEOPOLE  e o nome dos que ficaram ficou apenas nas actas que assinaram.  Que fizeram eles senão levar o PARTIDO SOCIALISTA ao estado a que chegou, claramente necessitado de mudança, novas práticas e de gente nova? E, desta feita - é seguro - dizem com desenvoltura os “sábios” comentadores dos jornais e da televisões que os tempos correm a favor de um partido da EXTREMA DIREITA. Eu sou assumidamente da ESQUERDA. Rejeitado o APARELHO, tal qual o conheci, por aqui, mantive o ideário e os princípios que o fundamentam. Fora do PARTIDO, sem direito a voto, estive  publicamente ao lado de António Costa, contra António José Seguro e expliquei as razões disso. Estão disponíveis neste meu espaço. Desta vez, inclino-me para Pedro Nuno Santos com todo o repeito pelo outro candidato. Figura notável.

Mas, de momento, na parte que me toca, com todo este meu desencanto e desalento, antes de tal azar, crente na evolução humana e não no seu retrocesso,  insisto em deixar aqui o que penso. Por mim e para mim,  esse partido, por alguns amigos meus seguido e defendido, inchado com valores do passado - DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA -  crescendo ou diminuindo, em parte ou no todo, está condendo a  esfoirar-se, no tempo,  que nem PEIDO DE LOBO.

CONCLUSÃO

Manel-3Os aparelhos de televisão, esse meios de comunicação social, hoje indispensáveis nos nossos lares, eram, há meio século, bichos raros e caros. Investigar a sua evolução e dispersão pelo mundo rural é mostrar que, na fita do tempo, não ficaram somente as pegadas negativas da governação partidocrática. A bem dizer, na prática, ficaram também as marcas do progresso, traduzidos nas redes viárias, saneamento básico e eletrificação das aldeias mais remotas. E  bem assim, o acesso aos diferentes graus de escolaridade por meninas e meninos. O terreiro, em forma de círculo, arrancado ao carquejal serrano para nele jogarem ao pião os meninos da aldeia,  foi substituído pelos espaços dos recreios das Escolas Preparatórias existentes nas sedes dos concelhos. Os benefícios sociais alargaram-se a novos e velhos. Docente na Escola Preparatória de Castro Daire, nas minhas turmas eram os próprios alunos que preenchiam, guiados por mim,  a sua ficha de Caderneta Escolar. Por sugestão minha, na quadrícula destinada à fotografia, eles, escreviam um "T" se tivessem televisão em casa. De contrário deixavam o espaço em branco. Visava eu  com isso apurar até que ponto esse meio de comunicação social tinha assento no concelho e, dessa forma, fazer dele um instrumento de aprendizagem. Ligar a Escola à Comunidade Educativa.  Servir-me dos conteúdos televisivos no espaço de «aulas», v.g. HISTÓRIA E PORTUGUÊS. Infelizmente constatei que cerca de 80% dos meus alunos serranos ainda não dispunham em casa desse equipamento. Estávamos em 1983/1984.  

Mas, diferentemente, das televisões, então, aparelhos raros e caros, hoje em dia, abundam os telemóveis de todos os feitios, tamanhos e preços. Por isso, nos cafés, nos passeios, em qualquer lado, atentos a isto e àquilo, em cada bolso de cidadão, adulto ou jovem, vilão ou serrano, canta um “grilo” que, imediatamente, nos traz à memória o feliz anúncio publicitário do pastor, na serra solitário, encostado ao seu cajado: “tou chim…é p’ra mim!”. 

Outros tempos. outros valores, outros comportamentos. Como rodam eles, senhores!

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.