PRIMEIRA PARTE
O livro começa com um PREFÁCIO bilingue (Português e Castelhano) assinado pelo EDITOR, o DR. DELFIM CARDOSO, colega e amigo do autor, desde sempre. Nele e nas badanas da capa (formato 14x21) o editor tece a BIOGRAFIA aligeirada do autor, a sua naturalidade, os nomes dos seus progenitores, o seu percurso liceal e universitário, profissional, familiar e residência de vida. Enfim, o PERFIL de um castrense que, filho de outro castrense, um opositor ao Regime Salazarista, um credenciado comerciante local que, chegada que foi a idade do filho, com o mesmo nome do pai, assentar praça, recusando-se a vê-lo participar na GUERRA COLONIAL, lhe sugeriu que fosse formar-se em MEDICINA, na UNIVERSIDADE COMPLUTENSE, em Madrid, onde, o Eduardinho veio a conhecer a companheira da sua vida, a senhorita Felisa Mandillo Barrios, com quem viria a casar sem deixarem descendentes.
O PREFÁCIO escrito, propositadamente, em duas línguas, foi impresso em fundo preto, opção que lhe empresta, por isso mesmo, uma leitura semiótica mais profunda e alargada. Não fora o autor já falecido e o prefaciador deixar assim, de forma clara, um pesado sinal de LUTO e ausência de uma amizade de longa data que se finou.
Daí, o Dr. Delfim, ladeado pelo senhor Presidente da Câmara e da senhora Vereadora da Cultura, fazer a apresentação da obra e explicar as razões da edição póstuma bilingue com o título altamente significativo “Romper o Silêncio”, seguro de que ninguém sabia, até os amigos mais próximos, que Eduardo Pinto Carvalho, médico de profissão, foi deixando em letra redonda e em verso, a sua pegada de vida, as suas emoções, a sua forma de ver e estar no mundo. As saudades da Pátria, o horror à guerra, o apego à paz e à liberdade, o formulado ensejo por um mundo mais igualitário e mais justo, a angústia e o stresse patente no poema da pp. 136, “cada vez que vou à minha terra”, sentido todas as vezes que se aproximava a sua vinda a Portugal e, consequentemente, a Castro Daire. Pensamentos vários, retalhos de vida, MEMÓRIAS da serra do Montemuro e das suas gentes. “Não sou um homem da cidade” diz ele. Sou um homem da serra”, diz ele em versos de poemas que dão corpo e alma a este livro, de capa azul-celeste que também podia ser de azul-mrinho.
E, também em fundo preto, o Dr. Delfim Cardoso, natural de Ribolhinhos, portanto GENTE DA TERRA, Ilustra alguns poemas do amigo com desenhos seus, ilustrações que, a esmo, de permeio, enriquecem muito a obra do colega e amigo. Os seus desenhos são autênticas filigranas de alma, de afetos, saídas, das mãos e da sensibilidade de um PROFISSIONAL DE SAÚDE que, à semelhança de outros colegas de profissão - Júlio Dinis, Miguel Torga e Fernando Namora e outos mais (*) - mostrou que, além do uso do estetoscópio e equipamentos afins, também (e tão bem) souberam lidar com as linhas estéticas da arte e da sensibilidade humanas: em verso, prosa ou desenho.
Destaco aqui o desenho dos aposentos do Dr. Eduardo Pinto Carvalho, - El Sauzal - em Tenerife, “El Remanso”, uma espécie de vista aérea, que só de vê-lo, quase ouvimos o marulhar das ondas que cercam e embalam a moradia. E a Capela das Carrancas, de Castro Daire, vista de frente, uma forma diferente de olharmos a realidade física por onde se movimentou o poeta, em vida.
No primeiro caso temos os seus aposentos permanentes, lá longe, nas Canárias, e concentramos neles o sentimento bipolar de todo o emigrante que se divide entre o sítio onde faz vida física e o pensamento na terra natal onde cresceu, dez amigos e a vida o forçou a abandonar o torrão natal.
No segundo caso, para além de tantas fotos dispersas pelo mundo, temos uma forma diferente de olharmos o edifício e o escadório, aquela construção urbana do século XVIII, em Castro Daire, que muito enriquece o nosso património edificado e histórico, sobre a qual já escrevi e publiquei textos e vídeos cabonde. É só navegar nos TRILHOS SERRANOS.PT e no YOUTUBE.
SEGUNDA PARTE
O editor, Dr. Delfim Cardoso, também médico, sabedor das relações de amizade que eu mantive, em vida, com o autor, convidou-me a estar presente na cerimónia que acabo de referir. E eu fiz isso num misto de AGRADO e de PESAR. De AGRADO, por poder participar numa ceronónia de homenagem a um amigo falecido que eu muito estimava, isto é, o lançamento de um livro seu, editado, em boa hora, por outro seu amigo. E de PESAR por ter de me referir a um castrense já falecido, cuja estima e consideração, em vida, eram, efetivamente, recíprocas. Creio existirem na sua biblioteca doméstica, em Tenerife, nas Canárias, todos os livros que publiquei, o que, seguramente, não acontece nas bibliotecas da generalidade dos demais castrenses, residentes no concelho.
De posse do livro, sublinho a boa escolha do editor, Dr. Delfim Cardoso, dos dois pemas colocados no cabeçalho do separador, poemas que aqui reponho com a nota de encabeçarem um nome impresso na VERTICAL, donde extraio o sentido (consciente ou subconciente), do EDITOR transmitir, por esse meio, a ideia de um HOMEM VERTICAL de carater, de antes quebrar do que torcer, um cidadão que, honrando o progenitor, não vergou a espinha ao REGIME VIGENTE e o combateu dentro dos condicionalismos existentes. Sobre isso, sobre o seu pai, também de nome Eduardo Pinto Carvalho, deixei algumas linhas na crónica “Consílio dos Semideuses”disponível em Trilhos Serranos.pt.
TERCEIRA PARTE
Guardei para o fim desta minha reflexão a transcrição do poema da página 237, “No me perguntes quién soy ”. Escrito na língua castelhana, este poema, na minha leitura, assume um sentido que, de contrário, não teria. É que, se o “signo” de qualquer língua integra as duas faces “significante” e significado”, no caso presente o “significante” chama a si a intencionalidade literária e poética já que parte do “significado, v.g. a emoção, o sentir e pensar do poeta se pensa e sente nessa língua.. Este poema, na minha leitura, vale por todo o livro. Assim:
“No me perguntes quién soy
No me lo perguntes,
No me perguntes
Lo que quiero
O para donte voy,
No me lo perguntes.
Si quieres saber
Quién soy
Lo que quiero
Y para donde voy,
basta que mires
Para la senda del camino
Que recorro todos los dias.”
Não é propriamente por acaso que o poeta resolveu escrever este e outros poemas em castelhano, grafia que o editor respeitou e fez muito bem na opção que tomou.
E para melhor avaliarmos o sentido amplificado do «significante» usado, direi que ele espelha o elo de afetos que uniu o casal que se conheceu e amou a vida inteira. E, por contraste, boto mão, à sabedoria de um antigo professor de LITERATURA que tive em Lourenço Marques, de seu nome FRANCISCO CRISTÓVÃO RICARDO, já falecido. Foi meu professor de Latim e de Literatura, e nós alunos obrigados éramos a fazer a radiografia dos textos, fosse em prosa, fosse em verso, sujeitos a estudo e a testes.
Um dia veio à colação um poema de Reinaldo Ferreira. E dizia o professor que aquele poema, só por si, valia mais do que alguns livros inteiros de muitas páginas. Que poema era?
“Eu, Rosie, eu se falasse dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh...
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une - é estar ausentes”.
Também REINALDO FERREIRA misturou, como vimos, propositadamente, palavras estrangeiras com a nossa língua-mãe. Ao fazer isso deu outra dimensão ao poema. As emoções e a vida por ele sentidas estavam nas demais línguas e nas demais vidas do mundo que, humanamente sentindo e pensando, viviam cada qual enredados nos seus interesses imediatos. Ela, a Rosi, a pensar nas “vantagens imensas de um par que paga sem falar”. E ele, Reinaldo, “nauseado e grogue” a pensar em artes e na “orelha de Van Gogh”.
Assim mesmo. Simples de ler e interpretar. Mas bem poderá haver leitores, meus seguidores, que precisem de ler o meu texto “ESTÓRIA POÉTICA - BORDEL” (disponível em trilhos-serranos.pt) para extraírem o sentido profundo e lato do poema que o meu professor de LITERATURA e de LATIM, dizia, aos outros e a mim.
Sempre direi, contudo, que a intenção de Eduardo Pinto de Carvalho, usando a línguafalada pela sua esposa, reforçou o elo de afetos que os uniu a ambos a vida inteira. Enquanto Reinaldo Ferreira, usando a mistura de línguas, visou mostrar o contrário: dois seres humanos juntos, a dançarem a valsa, mas ausentes, distantes, separados por interesses diferentes. E direi ainda que o livro «Romper o Silêncio» de Eduardo Baptista Pinto Carvalho, escrito em Portguês e Castelhano, esvazia de sentido o dito popular: «da Espanha, nem bom vento, nem bom casamento». E para o que observarem que o casal não fixou residência em Portugal, mas sim nas Canárias, bem pode inverter-se o dito «de Portugal para a Espanha, foi bom vento e bom casamento».
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(*) Incluo no rol o MÉDICO Francisco Luiz Lopes que no seu trabalho «Breve Notícia de Sines; publicado em 1850 não hesita em afirmar que «Os facultativos da capital não sabem nada de medicina aldeã, pensam que todo o mato é orégãos. Pois, meus senhores, isto é outro mundo. O doente luta enquanto pode e quando agoniza chama a «Santa Unção» e o «Oficial de Saúde» (...) se o cadáver revive «Io triunphe», vai-se descalço à Senhora das Salas cumprir a promessa e o «Oficial de Saúde» vôa nas asas da fama à categoria de «virtuoso». Feliz mortal! Então chamam-lhe «Beneficiado» «Doutor», «Mestre», «Licenciado» e tudo o que lhes lembra» (cf. ob. cit. pp. 78)
Link https://youtu.be/QKxSJGEagWs?si=jCVUYnL2Bu1BZndK