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segunda, 04 setembro 2023 13:58

BEIJINHAS>BEIJINAS>BAJINHAS>VAGINAS

Escrito por 

FALAR PORTUGUÊS

Na troca de correspondência que tive recentemente com o escritor MANUEL LIMA BASTOS a propósito de BEIJINHAS>BEIJINAS>BAJINHAS>VAGINAS, depois de ter respondido à questão que o intrigava, perguntei-lhe se ele já tinha comido “sopa de beijinhas”. 
Eis a resposta que me parece oportuna meter neste RIO DO CONHECIMENTO, pois certo estou de que nem todos os meus seguidores  sabem tudo sobre o assunto que ele abordou com o timbre saboroso e literário que o carateriza, mesmo numa simples missiva. Escrita que faz crescer água na boca. Assim:

BUTELO“Não, Abílio, nunca comi sopa de beijinhas mas comi em Lisboa, em casa de um amigo transmontano que dorme há muito na terra da verdade, um cozido de butelo (enchido feito com carnes de porco utilizando a parte mais grossa da tripa do bicho) acompanhado por vagens de feijão secas que eram demolhadas e, tirando-se depois os fios, coziam com o enchido. A estas vagens secas chamam-lhes "cascas" ou, noutros locais de Trás-os-Montes, "casulas". Aquilino lembrou muitas vezes que não havia ninguém no mundo mais parecido com os beirões da Beira Alta que os transmontanos”.

E como eu remeti para os linguistas a explicação da evolução semântica da palavra “BEIJINHAS”, ele acrescentou, reportando-se a AQUILINO RIBEIRO: 

LIMA-1“E quanto à linguística [ele] escreveu algumas páginas em que lamenta a purga feita pelos gramáticos, quase sempre conventuais, limpando tudo o que não era de origem latina ou que aí tinham chegado pela via do grego. E põe-se a imaginar a riqueza e diversidade (sobretudo em relação ao castelhano) que hoje o português teria se o não tivessem amputado desse vasto património léxical provindo do celta, do visigótico (em particular do suevo), do fenício, do esquera, etc. Contudo, nestas matérias os coturnos que calço não permitem meter-me em tão altas cavalarias linguísticas.
Fique-se com um abraço e saboreemos in mente a sopa de beijinhas da senhora sua Mãe e o butelo com cascas do meu finado amigo». MLB”.

Os meus seguidores nem sabem o gosto que tenho em botar aqui estas palavras do Dr. Lima Bastos, deste rapaz do meu tempo (menos um anito ou dois) conhecedor de grandezas e misérias nossas, seja na barra dos tribunais, seja nas tertúlias académicas dentro e fora da universidade. Advogado que foi de profissão e “aquiliniano” apaixonado  por opção literária, arrumados os códigos, as sentenças transitadas em julgado e o estudo da jurisprudência nacional disponível para isto e para aquilo, agora, na situação de aposentado, sempre que estende a sua mão à estante da biblioteca doméstica vem-lhe colado aos dedos uma obra do MESTRE. É como se as cabeças dos seus dedos agissem por “reflexo condicionado”. Entre tantos livros ao dispor, é sempre AQUILINO que se lhe cola aos dedos. Desta vez foi “Andan faunos pelos bosques”, daí a pergunta sobre BEIJINHAS, dúvida na qual emperrou, sem encontrar explicação nos dicionários disponíveis.

verticalE em boa hora “emperrou” ele nesse “regionalismo linguístico e, humildemente,  me pôs a pergunta, certo de que um beirão, também “ledor” do MESTRE, não o deixaria pendurado. E, verdade seja dita, não fora isso, depois de tantos caminhos andados, depois de tantas encruzilhadas lexicais (com latim e alemão pelo meio) eu jamais me lembraria das advertências da minha mãe para termos cuidado e “não pisarmos as beijinhas estendidas na eira, a secar”. 

Pois. E tornado o texto público foi um ver se te avias a ser enriquecido com saborosas achegas vindas de outros conterrâneo meus, nomeadamente António Martinho Teixeira e Conceição Cruz. assim:

1 - António Martinho Santos Teixeira

«Há 70 anos, lembro-me de dizer à minha mãe: Não gosto do caldo de "baginhas". Vou partilhar em todas as minhas redes sociais. Não é mais um texto. É um documento».

2 - Conceição Cruz

«Pois é tio Abilio , também eu fico deslumbrada com os seus saberes . Sou Grata por poder colher gratuitamente parte da sua sementeira. E essa das beijinhas secas para fazer o caldo nos dias de neve. Essa é de Mestre! . Ouvi falar mas nunca cheguei a comer».

Ora vejam os meus seguidores e pacientes leitores onde levaram as BEIJINHAS e o BUTELO transmontano que fez salivar este meu velho amigo, o Dr. Manuel Lima Bastos, que cozinha e tempera com igual paladar  as LETRAS e os produtos da horta. 

Lembro aqui e agora, sem favor,  os palavras que sobre um dos seus livros escrevi, em tempos que lá vão, palavras disponíveis neste site. Foi numa altura em que ele se sentia fisicamente debilitado e um tanto desanimado, após a publicação de mais um livro. E eu a dizer-lhe:

“Por isso, neste contexto de hesitações e receios, ao terminar a leitura deste «No Adeus à Sombra de Mestre Aquilino»  lhe digo, Dr. Manuel Lima Bastos: não se apoquente. Traga somente até nós aquilo que a saúde, a vontade e a boa disposição lho permitirem. Não deixe de prendar-nos com as suas pitadas de ironia e de humor. Nesse ensejo não lhe digo Adeus. E se de alguma coisa lhe serve, como incentivo, uma conversa nossa ida no tempo (coisas da memória digital) rodando a aldraba do meu portão, entrando ambos no meu pátio, uma espécie de claustro de mosteiro antigo onde sou o único monge, sem qualquer complexo e numa atmosfera aquiliniana, com inteiro respeito pela sua confessada postura agnóstica ou pernóstica,  boto mão ao hissope, retiro-o da caldeirinha  e, de braço estendido, naquele gesto e jeito que tão bem conhecemos, eis em cada gotícula que dele sai o brilho da franqueza, da frontalidade e da verdade que faz de mim um aquiliniano. É que, quando se não é na escrita, pode, ao menos, ser-se na franqueza e no caracter. São gotículas, palavras escritas aquando da publicação do seu SEGUNDO LIVRO. Assim, tal qual:

«Artista da palavra, bom garfo e conhecedor da cozinha beirã, como o seu Mentor, dono de uma escrita escorreita com ingredientes bastantes de ironia, de erotismo e de crítica social, estes seus dois livros são autênticos roteiros geográficos e literários que nos levam a revisitar ou a conhecer melhor as Terras do Demo e, bem assim, o seu próprio itinerário de vida (...)  ele é o benéfico companheirismo do Mestre sentido durante anos sem fim, e, ao mesmo tempo, o gritante temor de sentir  que ele, na arte de coser letras, palavras, frases e livros, seja o «resto» atirado borda fora, neste Portugal do século XXI, onde o Chico, sem letras, mas esperto,  «é tudo» e vive bem».

E ainda:

«Bem anda Manuel Lima Bastos nesta sua tentativa de ressuscitar o Mestre, v.g., a obra do Mestre, disposto a lutar contra os moinhos de vento. Nos tempos que correm é façanha! Hoje, tempo do digital, do e-mail, das SMSs codificadas, reduzidas a letras, tempo rápido, de lance-de-olhos e de soma e segue, e de rompe e rasga, só com muita coragem e muita paixão. Tempo em que na Internet, nesta nova abóbada celeste,  novas estrelas atraem gentes novas, tal como as estrelas da autêntica abóbada celeste me atraiam a mim, na minha meninice, à falta de outra luz mais próxima e apelativa. Avante!

Ora, depois de todo este relambório, suscitado  pelo AQUILINIANO Dr. Manuel Lima Bastos, digam-me cá “vossemecês”, meus seguidores e estimados leitores, se não aprenderam o que é  “descascar uma beijinha”. com penugem a tudo.

COMPLETA

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.