PENSAR DÁ TRABALHO
Eis uma “MESA DE CENTRO” com «TAMPO CIRCULAR» apoiado numa «COLUNA ESCULPIDA» que assenta numa base com “TRÊS DRAGÕES”, à semelhança das mesas “PÉ DE GALO”.
PRIMEIRA PARTE
Foi-me oferecida pelo senhor Agostinho da Silva, de Lamelas, agenciador, cultor e negociante de velharias e antiguidades. Por acidente, COLUNA partiu ao meio e ele, sem tempo para restaurá-la, viu em mim o interesse e a pessoa capaz de fazê-lo. Peça de MARMORITE nas esculturas que lhe dão beleza não entrou escopro de ESCULTOR, furo de ponteiro, rasgo de cinzel, nem maceta de canteiro. Mas entrou, seguramente, manejado por mim, um disco de rebarbadora, uma broca de berbequim e um ferro ao centro das duas metades para dar solidez às partes justapostas e coladas.
Feito isso, ocupado estive uma tarde inteira, fora das letras e do computador, aliviando a vista que vai faltando. E, ávido de aprender, alojei a foto no meu mural do Facebook, pedindo auxílio aos meus amigos “virtuais” no sentido de me ajudarem a entender a IMAGÉTICA e a SIMÓLICA que, da base ao topo, a peça incorpora. Eu queria entender o porquê dos TRÊS DRAGÕES (na base), dos ANIMAIS MITOLÓGICOS (no segundo friso), dos TRÊS ELEFANTES, (no terceiro friso) e das “TRÊS FIGURAS FEMININAS” na parte cimeira. E bem assim sobre os demais elementos esculpidos.
A minha solicitação, até ao dia 25 de maio recebeu alguns likes e o contributo escrito do meu amigo Paulo Sérgio Ferreira, que se segue:
Na simbologia chinesa, o Dragão é a ligação entre o céu e a terra, a água e o fogo; o Elefante é o símbolo da sabedoria e da sorte e a Mulher sinal de fertilidade, amor e desejo sexual. Tratar-se-á essa mesa de uma representação chinesa?”
RESPONDI:
«Obrigado, Sérgio. Um comentário é melhor do que nenhum. Estou a fazer um texto, onde abordarei os contributos dados pelos meus amigos. Abraço».
SEGUNDA PARTE
Foi a única resposta escrita de volta a esta minha obsessão de levar as pessoas a pensar. Eu já á sabia que «pensar dar muito trabalho», mas estou quase a provar ESTATISTICAMENTE que está certo este meu pensar. Digamos que fiz um “ensaio” começado de forma simples, assim a modos que “pensado”, “dito” e “feito”, locução popular que significa “coisa aligeirada” feita em “três tempos”, feita em “cima dos joelhos”.
Pois. Assim “em três tempos”. Só que não me fiquei por aí, nos «TRÊS TEMPOS» da abordagem feita «EM CIMA DO JOELHO». É que, de imediato, procurei arranjar matéria bastante para complementar um vídeo que, a preceito, já tinha feito e alojado no Youtube (o mesmo cujo link coloco no rodapé deste apontamento), ciente do apelativo e aliciante sabor CULTURAL impresso nesta MESA . Mirando-a e remirando-a, ela me incentivou a percorrer a ROTA DA SEDA, trilhada no século XIII por MARCO POLO (rota tão falado neste século XXI) e, à sua semelhança, deslumbrar-me com os segredos, mistérios e beleza vertidos neste tipo de arte oriental.
Saltava à vista, nesta minha observação e deslumbrado entendimento, que o “escultor” (cujas “patente” deixou nas iniciais que vemos na foto ao lado) não optou fazer-se acompanhar, por acaso, do número “3” e do seu múltiplo “”9” na elaboração da peça utilitária que lhe saiu das mãos. Uma peça utilitária e bela.
Eu, sem ser MATEMÁTICO nem NUMEROLOGISTA, tão pouco atreito a equações CABALÍSTAS, impunha-se, pois, que estendesse ao ORIENTE a minha curiosidade sobre o número “3”, depois de sobre ele e seu múltiplo “9” me ter debruçado no meu livro “Mosteiro da Ermida”, publicado em 2001, por força do desempenho que estes dois números têm na CULTURA OCIDENTAL v.g. no comportamento das pessoas, na vida e na morte, com eles relacionado.
E que disse eu? Falei do número “3”, raiz quadrada do “9”. Entre coisas tantas falei nas culturais novenas cristãs, nas 9 badaladas das Trindades e, citando o «Livro de São Cipriano», mostrei nele ser dito que a “nona badalada” corresponde aos «nove meses que a Virgem Maria trouxe no ventre o seu amado filho Jesus Cristo”. (Cipriano, 1998:111).
Não me fiquei por aí. Extensa foi a dissertação sobre os números e o seu peso na nossa cultura e nos nossos comportamentos. E as pesquisas levaram-me à poesia popular cantada por feiras e romarias, sob a forma “décimas". Muitas delas à maneira das "cantigas de amigo" medievais, onde o poeta assumia o papel feminino e falava como se mulher fosse.
Na "décima" (de 44 pontos) que aqui cito (última estância), manuscrita em 1873, no Forte de São Julião da Barra, o autor M. C. Mendes (cabo) refere-se aos "três vinténs" que uma moça deu ao primeiro «guedelhudo» que lhe apareceu pela frente e de quem ela se agradou, contra a vontade da sua mãe. Para que se saiba, os "TRÊS VINTÉNS" (=a virgindade) eram um tesouro que toda a menina "devia levar ao altar" no casamento, sob pena de andar nas bocas do mundo. E andou:
“Sempre vivi com satisfação
Visto não ter nenhuns bens
Eu troquei os três vinténs
Para comprar um balão.
Nunca mais disse que não
Porque a vergonha se perdeu
Darei sempre a quem me deu
Não quero ser muito ruim
Minha mãe governa em tudo
Mas nisto governo eu”.
TERCEIRA PARTE
Dito isto, retalhos que são da CULTURA OCIDENTAL, o que significa o número “3” e o seu múltiplo “9” na cultura oriental?
Recorro à Internet, mais propriamente ao blog de CHRISTINE MAROTE “China Minha Vida”, onde posso ler:
“S?n – 3 – três.
Fruto da união dos números 1 e 2, o número três está sempre relacionado coma santidade da vida, descendência e do parto”. ( https://chinanaminhavida.com/category/blog/) significado que remete diretamente para a «fertilidade, para a gestação e 9 meses, «coisa e tal». Explicações ligadas à VIDA. E no que concerne ao ser humano, certo é que, perdidos os TRÊS VINTÉNS, cumpridas que sejam as leis da natureza, NOVE meses depois há seguramente seguramente nova vida.
E, vista a MESA no seu todo, NOVE são as mais exuberantes figuras que lhe dão corpo: “três dragões”, “três elefantes” e “três figuras femininas” (3x3=9) o que nos traz de retorno à CULTURA OCIDENTAL: as 9 badaladas das trindades, os 9 dias das novenas cristãs, as 9 voltas ao templo, o 9 coros dos anjos, os 9 responsos testamentários. Sempre o “9”, múltiplo de “3”.
BASE DA MESA
(TRÊS DRAGÕES)
O que simbolizam eles. O Paulo já nos deu uma explicação, como vimos acima. Mas completemos:
“O dragão oriental é um símbolo tradicional de alguns países como China ou Japão e possui o significado de sabedoria, força, poder, proteção e riqueza. Tem aparência de uma serpente gigante com quatro garras. (Wikipedia)
E garras e escamas de SERPENTE não faltam ali. Doze ao todo o que corresponde a 4 para cada dragão.
COLUNA
(PRIMEIRO FRISO)
Tipo anel vemos aqui vários animais mitológicos entre os quais o “Shishi, elemento presente nos templos chineses, habitualmente de pedra. Traduzido como "leão", mas também pode referir-se a cão, com poderes mágicos e a capacidade de repelir espíritos maléficos. Um par de shishi, tradicionalmente, monta guarda do lado de fora dos portões dos templos shinto e templos budistas”. (Wikipedia)
SEGUNDO FRISO
Temos de TRÊS ELEFANTES de tromba curvada para a esquerda. Digamos que os animais centrais mais poderosos que dão corpo à COLUNA. Sobre as suas cabeças assentam descalços e delicados os pés das esbeltas figuras femininas.
O que levou, pois, o «escultor» a colocá-los ali? Lembro que estamos no OCIDENTE, mas a peça é caracterizadamente do ORIENTAL. Assim:
“O elefante é símbolo da boa sorte. Simboliza também sabedoria, persistência, determinação, solidariedade, sociabilidade, amizade, companheirismo, memória, longevidade e poder”. (wikipédia)
E, fora da coluna, “9” são igualmente os ELEFANTES EM FILA que vemos na escultura (foto ao lado), lavrada por hábeis mãos de artesão, também ela originária do ORIENTE, mais propriamente de CEYLON, como dizem as letras de marfim imbutidas na base. Colo-a aqui ciente de que a cultura, a arte, a religião e os mitos que lhes dão corpo e alma, escapam, seguramente, às fronteiras geográficas e culturais neste pontinho que, na gramática planetária, é o planeta Terra.
PARTE CIMEIRA:
Nesta parte da COLUNA vemos que sobre as cabeças poderosas dos elefantes assentam descalços os delicados pés das TRÊS elegantes figuras femininas. Peitos nus e salientes (promissores de leite e deleite) airosa e elegante postura de corpo, vestes vaporosas e leves, movimentos suaves de braços e mãos, ora segurando os frutos que saboreiam, ora pousando na cabeça do dragão ou segurando a mítica naja de capuz aberto e curvado, em posição de meia lua, pendurada nos delicados dedos da jovem esculpida.
Toda esta peça, que me chegou à posse partida, exala, sensibilidade, sensualidade, criatividade, religião e arte. Feliz foi o escultor que concebeu todo o conjunto, para poder ser vertida em MARMORITE segundo as técnicas que dispensaram escopro, ponteiro, maceta e ferramentas afins.
Esta MESA DE CENTRO, por sê-lo, termina com um TAMPO circular, com 44 centímetros de diâmetro e de 3 espessura. Em toda a volta, na parte superior, uma recrava destinada a receber um vidro biselado para proteger as figuras de relevo que preenchem toda a área e, simultânemante nivelar a superfície. Um pedaço do ORIENTE. Animal, vegetal e humano.
A figura central do TAMPO é um carro de tração animal - tipo coche ocidental - duas rodas radiadas e um dossel rematado em forma de pagode, com janelas laterais. Dentro do carro, sentado à frente, de chicote na mão, o cocheiro e atrás de si duas elegantes damas ou senhorinhas. Atrás do carro outra pessoa que, pela vestimenta, julgo ser masculina, certamente o criado de serviço. Em redor árvores, com folhas diversos formatos, sendo que do lado direito, à frente, se vê uma habitação com telhado e rasgada janela virada para a rua. Tudo entre o arvoredo.
O carro é puxado por um garboso cavalo com sela e peitorais adequados à tração. Esculpido em posição de movimento e força, no oriente, como no ocidente, eis o animal que tão útil se mostrou ao homem, em situação de paz, de passeio, de trabalho e de guerra. A sua importância foi tal no decorrer da HISTÓRIA que, inventada que foi a máquina a vapor e os motores de combustão a sua força seria expressa em “cavalos”. E não têm conta os “cavalos” que circulam pelo mundo inteiro ocultos sob o capô das múltiplas marcas de automóveis e todas máquinas que transportam pessoas, animais e mercadorias.
Esta MESA DE CENTRO é, efetivamente, um livro aberto, moldado no pó do mármore. Aberto ao estudo da HISTÓRIA, da RELIGIÃO, da CULTURA, da GEOGRAFIA, da TÉCNICA e da ARTE. Em rigor, ignoro o simbolismo mitológico e cultural nela incorporado. Mas isso não me impediu de desbravar terreno alheio, conduzido pelo desejo de conhecimento, fazendo uso das ferramentas que manejo: a leitura e a escrita, meter pés a caminho e, usando o código linguístico aprendido - signos, significantes, significados e referentes - na mesa ponho , aqui e agora, o produto da viagem que fiz na travessia da ROTA DA SEDA, neste século XXI, SÉCULO DO CONHECIMENTO e da GLOBALIZAÇÃO.