NOSSAS TERRAS E NOSSAS GENTES
No dia 10 de fevereiro de 2017, num texto que escrevi e coloquei “on line”, neste meu espaço, deixei o parágrafo que se segue:
“Lá mais ao fundo, as Covelinhas (=Santa Margarida, como demonstrei em estudo específico) e a seguir os Mortolgos, nome próximo de "MORTÓRIO=FOGO MORTO" que significa "casal desabitado, reduzido a matos e sem cultura", tudo a lembrar o abandono e a MORTE, sítios a recordarem a grande batalha ocorrida naquele monte onde se levantou um cruzeiro gigante, em 1940”.
Referia-me ao MONTE DA CABEÇA sobranceiro a Lamelas, aos Braços e não muito longe de Vila Pouca.

E MORTOLGOS “lá no fundo”. Fui lá há dias. E, como é hábito meu, deixei a minha pegada no vídeo que alojei no Youtube, animado pelo espírito de conhecer e divulgar as nossas terras, as nossas gentes, os seus saberes e «modus vivendi». É a minha postura cívica de “aprender fora da escola” já que, dentro dela, sempre ensinei e aprendi.
Nem sempre tenho a tarefa facilitada. Mas desta vez, graças ao meu interlocutor, o senhor António José, um senhor natural da aldeia, prestável, simpático e bem-falante, conhecedor dos “andanhos” da terra e arredores, saí daquela aldeia mais rico do que entrei.
Graças à sua colaboração trouxe comigo imagens e conteúdo bastante, não só para darem corpo ao vídeo, mas também a esta crónica.
E relevo aquelas duas peças de museu que me transportaram à minha infância, lá arriba, à aldeia de Cujó, entre S. Joaninho e Almofala. Refiro-me aquela CARTEIRA da ESCOLA PRIMÁRIA, uma autêntica relíquia, digna de MUSEU, intacta, com assento, tampo inclinado, furo para encaixar o tinteiro e, ao fundo, rebordo saliente, para segurar os cadernos e as ardósias, esses suportes (hoje arqueológicos) das nossas primeiras letras.
Recuei cerca de 70 anos de vida. Trouxe à memória o nome das minhas professoras, as brincadeiras com os colegas, as sacolas atiradas para debaixo dos canastros e as nossas corridas aos ninhos entre silvados e matagais, mal acabavam as aulas. Aquilo era o que se chamava liberdade, imaginação, observação e descoberta.

Aquela peça – a carteira escolar - desafiando os tempos, resistindo naquela casa que teria sido a primeira ESCOLA PRIMÁRIA da aldeia, está a pedir restauro, preservação e elevação à categoria de peça de MUSEU LOCAL. Deixo aqui a sugestão aos responsáveis pela “ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO”, sede que vi animada e frequentada naquela tarde que ali passei, falando com várias pessoas e com o meu interlocutor. E o mesmo digo para aquele “penico” de esmalte, também ele um “protagonista vivo» da «história morta», por força do saneamento básico e água canalizada que tarde chegaram às nossas aldeias, mas chegaram. Essas regalias, ainda que não excluíssem totalmente, remeteram para plano secundário o fontanário público feito pela Junta da Freguesia, em 1943, com um tanque para os animais beberem e outro para se lavar a roupa.
Por tudo o que vi, ouvi e filmei não hesito em dizer tratar-se de gente trabalhadora e de iniciativa, moradora ali, naquela povoação que merecia melhores acessibilidades, nomeadamente a ligação do fundo do povo à Ponte da Ermida, apenas um pequeno troço do histórico e secular caminho do Vale do Paiva, antes de ser aberta a atual estrada. Ver última foto, tirado do GOOGLE.

Fiquei bastante impressionado com as moradias e bom gosto posto nelas e seus logradouros ajardinados e relvados. E atrevo-me a sugerir aos responsáveis pela ASSOCIAÇÃO que deviam acrescentar às suas atividades anuais ligadas aos “usos costumes e tradições”, v.g. o jogo do pião, o jogo da malha, a queima do cepo, o presépio, o almoço anual de convívio, a recolha de ARTEFACTOS DOMÉSTICOS e FERRAMENTAS ligadas à vida camponesa, aproveitando o espaço da velha ESCOLA (ou outro) para um MUSEU ETNOGRÁFICO. Não faltarão candeias, petromax, lampiões, machadinhas de resinar, enxadas, formões, martelos, penicos, etc. etc.
Da minha parte fica a promessa de oferecer um TINTEIRO, UMA LOUSA ENCAIXILHADA (1955) UM GIZ e UM LÁPIS DE PEDRA (ver foto acima) para complemento da CARTEIRA DA ESCOLA PRIMÁRIA, quando ela for RESTAURADA e colocada no lugar nobre que merece com DOCUMENTO DE APRENDIZAGEM das primeiras LETRAS, das nossas terras e das nossas gentes.
E aqui chegado, quero deixar duas linhas sobre o TOPÓNIMO, acrescentando algo aquilo que já disse no primeiro parágrafo. MORTOLGOS se diz e escreve, mas também ouvi e me disseram “MORTALAGOS”, “MORTALOGOS” e “JARDIM DAS OLIVEIRAS”.
Não vou perder-me na origem etimológica do TOPÓNIMO, nem na sua evolução semântica, avisado que estou pelo PROFESSOR DOUTOR, Moisés Espírito Santo, no ensaio que fez com o telescópio virado ao firmamento da toponímia; onde disse que os TOPÓNIMOS devem ser entendidos em “constelação” e não como estrelas solitárias. Por isso, deixo para os GRAMÁTICOS, LINGUÍSTAS e outros estudiosos, o registo de que, no concelho de Castro Daire, temos três nomes terminados em “OLGOS”, a saber: a povoação de SOLGOS, o poço dos MOLGOS, no rio Paiva, e, claro está, MORTOLGOS.

E sobre “JARDIM DAS OLIVEIRAS?”
O senhor António José, meu cicerone, disse-me que, na sua juventude, também se chamava assim à aldeia, certamente devido à grande quantidade de oliveiras que ali existiam e cujos frutos, as azeitonas, eram transformados em azeite, na azenha de Ribas (movida à força de uma vaca), onde chegavam em cima de carros de bovinos.
Adivinha-se ali muito trabalho, muito suor, muitos calos nas mãos. Os habitantes da aldeia, na sua luta pela sobrevivência, tinham de “trabalhar que nem mouros”, serem “sofredores que nem Cristo”. E curiosa coisa esta nunca associada à povoação:: «JARDIM DAS OLIVEIRAS», se chamou ao sítio onde Jesus e os seus discípulos oraram na noite anterior sua crucificação, pelo que, recuando à escrita aramaica do seu tempo, temos «GAT SHMANIM» que significa, literalmente, “prensa de azeite”.

Segue link do vídeo: