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quinta, 11 maio 2023 13:23

MORTOLGOS=MORTALOGOS=MORTALAGOS=JARDIM DAS OLIVEIRAS

Escrito por 

NOSSAS TERRAS E NOSSAS GENTES

No dia 10 de fevereiro de 2017, num texto que escrevi e coloquei “on line”, neste meu espaço, deixei o parágrafo que se segue:

Lá mais ao fundo, as Covelinhas (=Santa Margarida, como demonstrei em estudo específico) e a seguir os Mortolgos, nome próximo de "MORTÓRIO=FOGO MORTO" que significa "casal desabitado, reduzido a matos e sem cultura", tudo a lembrar o abandono e a MORTE, sítios a recordarem a grande batalha ocorrida naquele monte onde se levantou um cruzeiro gigante, em 1940”. 

Referia-me ao MONTE DA CABEÇA sobranceiro a Lamelas, aos Braços e não muito longe de Vila Pouca.

 

carteiraLOUSAE MORTOLGOSlá no fundo”. Fui lá há dias. E, como é hábito meu, deixei a minha pegada no vídeo que alojei no Youtube, animado pelo espírito de conhecer e divulgar as nossas terras, as nossas gentes, os seus saberes  e «modus vivendi».  É a minha postura cívica de “aprender fora da escola” já que, dentro dela, sempre ensinei e aprendi.

Nem sempre tenho a tarefa facilitada. Mas desta vez, graças ao meu interlocutor, o senhor António José, um senhor natural da aldeia, prestável, simpático e bem-falante, conhecedor dos “andanhos” da terra e arredores, saí daquela aldeia mais rico do que entrei.

Graças à sua colaboração trouxe comigo imagens e conteúdo bastante, não só para darem corpo ao vídeo, mas também a esta crónica. 

E relevo aquelas duas peças de museu que me transportaram à minha infância, lá arriba, à aldeia de Cujó, entre S. Joaninho e Almofala. Refiro-me aquela CARTEIRA da ESCOLA PRIMÁRIA, uma autêntica relíquia, digna de MUSEU, intacta, com assento, tampo inclinado, furo para encaixar o tinteiro e, ao fundo,  rebordo saliente, para segurar os cadernos e as ardósias, esses suportes (hoje arqueológicos) das nossas primeiras letras

Recuei cerca de 70 anos de vida. Trouxe à memória o nome das minhas professoras, as brincadeiras com os colegas, as sacolas atiradas para debaixo dos canastros e as nossas corridas aos ninhos entre silvados e matagais, mal acabavam as aulas. Aquilo era o que se chamava liberdade, imaginação, observação e descoberta.

FontanárioTanqueAquela peça – a carteira escolar -  desafiando os tempos, resistindo naquela casa que teria sido a primeira ESCOLA PRIMÁRIA da aldeia, está a pedir restauro, preservação e elevação à categoria de peça de MUSEU LOCAL. Deixo aqui a sugestão aos responsáveis pela “ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO”, sede que vi animada e frequentada naquela tarde que ali passei, falando com várias pessoas e com o meu interlocutor. E o mesmo digo para aquele “penico” de esmalte, também ele um “protagonista vivo» da «história morta», por força do saneamento básico e água canalizada que tarde chegaram às nossas aldeias, mas chegaram. Essas regalias, ainda que não excluíssem totalmente, remeteram para plano secundário o fontanário público feito pela Junta da Freguesia, em 1943, com um tanque para os animais beberem e outro para se lavar a roupa.

Por tudo o que vi, ouvi e filmei não hesito em dizer tratar-se de  gente trabalhadora e de iniciativa, moradora ali, naquela povoação que merecia melhores acessibilidades, nomeadamente a ligação do fundo do povo à Ponte da Ermida, apenas um pequeno troço do histórico e secular caminho do Vale do Paiva, antes de ser aberta a atual estrada. Ver última foto, tirado do GOOGLE.

AssociaçãoPenicoFiquei bastante impressionado com as moradias e bom gosto posto nelas e seus logradouros ajardinados e relvados. E atrevo-me a sugerir aos responsáveis pela ASSOCIAÇÃO que deviam acrescentar às suas atividades anuais ligadas aos “usos costumes e tradições”, v.g. o jogo do pião, o jogo da malha, a queima do cepo, o presépio, o almoço anual de convívio, a recolha de ARTEFACTOS DOMÉSTICOS e FERRAMENTAS ligadas à vida camponesa, aproveitando o espaço da velha ESCOLA (ou outro) para um MUSEU ETNOGRÁFICO. Não faltarão candeias, petromax, lampiões, machadinhas de resinar, enxadas, formões, martelos, penicos, etc. etc.

 Da minha parte fica a promessa de oferecer um TINTEIRO, UMA LOUSA ENCAIXILHADA (1955) UM GIZ e UM LÁPIS DE PEDRA (ver foto acima) para complemento da CARTEIRA DA ESCOLA PRIMÁRIA, quando ela for RESTAURADA e colocada no lugar nobre que merece com DOCUMENTO DE APRENDIZAGEM das primeiras LETRAS, das nossas terras e das nossas gentes.

E aqui chegado, quero deixar duas linhas sobre o TOPÓNIMO, acrescentando algo aquilo que já disse no primeiro parágrafo. MORTOLGOS se diz e escreve, mas também ouvi e me disseram  “MORTALAGOS”, “MORTALOGOS” e “JARDIM DAS OLIVEIRAS”.

Não vou perder-me na origem etimológica do TOPÓNIMO, nem na sua evolução semântica, avisado que estou pelo PROFESSOR DOUTOR, Moisés Espírito Santo, no ensaio que fez com o telescópio virado ao firmamento da toponímia; onde disse que os TOPÓNIMOS devem ser entendidos em “constelação” e não como estrelas solitárias. Por isso, deixo para os GRAMÁTICOS,  LINGUÍSTAS e outros estudiosos, o registo de que, no concelho de Castro Daire, temos três nomes terminados em “OLGOS”, a saber: a povoação de SOLGOS, o poço dos MOLGOS, no rio Paiva, e, claro está, MORTOLGOS.

A.JoséCarneiroE sobre “JARDIM DAS OLIVEIRAS?”

O senhor António José, meu cicerone, disse-me que, na sua juventude, também se chamava assim à aldeia, certamente devido à grande quantidade de oliveiras que ali existiam e cujos frutos, as azeitonas, eram transformados em azeite, na azenha de Ribas (movida à força de uma vaca), onde chegavam em cima de carros de bovinos.

Adivinha-se ali muito trabalho, muito suor, muitos calos nas mãos. Os habitantes da aldeia, na sua luta pela sobrevivência, tinham de “trabalhar que nem mouros”, serem “sofredores que nem Cristo”. E curiosa coisa esta nunca associada à povoação:: «JARDIM DAS OLIVEIRAS», se chamou ao sítio onde Jesus e os seus discípulos oraram na noite anterior sua crucificação, pelo que, recuando à escrita aramaica do seu tempo, temos «GAT SHMANIM» que significa, literalmente, “prensa de azeite”.

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Segue link do vídeo:

 https://youtu.be/WmH3EDwwC04

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.