Trilhos Serranos

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quarta, 19 abril 2023 15:02

O ESPAÇO NA ARQUITETURA (2)

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CUSTILHÃO - 2 

HISTÓRIA E FICÇÃO

Conhecedores que somos, pela crónica anterior, do uso da pedra na construção civil doméstica, militar e religiosa; encontrada que foi a solução técnica para que um abrigo provisório ou castelo,  moradia, moinho ou templo de longa duração pudessem exibir, nas suas fachadas, aberturas para passagem de pessoas, animais ou luz; divulgado que está, por esta via digital, o meritório hino à inteligência humana na arte de construir; verificado o sucesso que foi alcançado desde o “V” invertido, em pedra, à padieira dupla, ao arco românico e ao arco quebrado, das portas, às abóbadas de berço e de nervura; visto tudo isto no universo da história escrita e documentada, livres somos, agora, de entrar no universo do imaginário, criativo, ficcional e especulativo como é tudo o que envolve religião, filosofia, novela ou romance de fantasioso enredo e respetivos protagonistas.

 copeira-1copeira.2 - CópiaDito isto, discorremos, então, sobre outra demanda humana que, não obstante tentada, jamais foi conseguido alcançar e pôr a mão no objeto pretendido. Aventura e tarefa que me foi sugerida por aquelas duas pedras postas em “V” invertido que suportam todo o peso do muro que serve de moldura à COPEIRA, feito com pedra sobre pedra, ali, junto ao fontanário e tanque de lavar, na aldeia do Custilhão.

Refiro-me, claro está, à “demanda do Santo Graal”, o cálice usado na “Ultima Ceia” de Cristo, objeto sempre procurado e nunca encontrado.

Demanda muita cantado, de castelo em castelo, pelos trovadores medievais, sugerido na pintura da “Última Ceia” de Leonardo de Vinci, naquele espaço vazio em forma de “V” que separa Jesus Cristo de Maria Madalena (?) tal como foi ficcionado por Dan Brown no seu livro “Código da Vinci”, eis a demanda semântica que me atrevo a ficcionar a partir de elementos históricos existentes aqui, nesta aldeia, cujo topónimo, com erreo ortográfico ou sem ele,  nos aparece escrito, em documentos do século XVIII, em quatro versões, a saber: “Custilhão”, ”Chistilham”, “Crestilhão e “Crestalhão”. Assim, a fim de aliviarmos  a carga de "erro", eventualmente atribuído ao escriba, tentemos emprestar algum significado à palavra, dicorrendo sobre ela.

1 - CUSTILHÃO

1-CUSTILHÃO-GOOGLE - CópiaAldeia alcandorada na encosta sul do monte oposto a Farejinhas, com o rio Paivó de permeio, difícil era chegar ali, custoso foi o acesso para os primeiros moradores que ali se fixaram, senhorios ou enfiteutas decididos a tirar proveito das terras úberes que ladeiam a linha de água que apressada corre para o Paivó.

Custoso foi, seguramente, surribar as terras, fazer cômaros de socalco encosta arriba e abaixo, abrir minas monte dentro, à cata de uma veia de água destinada a irrigar os campos e consumo doméstico recolhida em fontes de chafurdo, com vasilhas de madeira de de barro. Os fontanários públicos e tanques para se lavar a roupa eram obras do porvir. Custoso foi desbravar matas bravias e plantar nos terrenos limpos árvores de fruto resistentes às intempéries da serra.

Enfim, custosa era a vida em tempos idos por estas bandas da serra do Mobtemuro. E tanto bastava para legitimarmos o topónimo CUSTILHÃO, tal qual se diz e escreve atualmente. 

Acontece que, para designar a mesma povoação, sobejam mais três topónimos de grafia diferente. E são eles “Christilham” “Crestilham” e “Crestalhão”. Como justificar essas diferentes grafias e a sua evolução semântica para a versão cristalizada que chegou até nós?

Apesar de ser assunto para linguistas e não para historiadores, como me predispus a especular sobre estes topónimos, vejamos até onde voa a minha imaginação sem eu perder o pé, isto é, sem me desviar muito da “plausibilidade” assente na realidade histórica, religiosa,  geográfica e topográfica, como fiz acerca do topónimo anterior.  Comecemos por CRESTALHÃO

2 - CRESTALHÃO

2-POVOAÇÃO - CópiaLigado ao campo semântico desta palavra, podemos encontrar o termo “CRESTA” que tanto pode significar “calor” (apanhou uma cresta) como o ato de surripiar o mel às abelhas, «crestar os cortiços ou as colmeias», o que justifica o significado acoplado de «desfalque e de roubo».

E o sítio da aldeia, pela geografia e topografia, presta-se a estas interpretações. Lugar de difícil acesso, soalheiro bastante virado sul, rodeado de matos e pastos, era ambiente propício para produção de mel. E a  aldeia ficava suficientemente recolhida, entre matos, para servir de refúgio a bandoleiros e fora-da-lei. E sabemos bem qual foi o papel desempenhado pelos “foras-da-lei” no povoamento do território. Bem perto temos o Mezio, nada menos que “Homízium”, terra de “homicidas”. Mas nada de confusões. Não vamos misturar alhos com bugalhos, nestas minhas deambulações especulativas. Vamo-nos ficar somente pela “cresta”, pelo “roubo do mel e da cera às abelhas”, pois não consta que aquela aldeia, em tempo algum, tenha sido uma falperra. Pelo contrário. Os seus naturais, como todos os filhos de Adão e Eva expulsos que foram do Paraíso, obrigados se viram a ganhar o pão com o suor do seu rosto (“officium quaerendi victum in propriae frontis sudore”), pão extraído da terra e advindo do ofício de negociantes de gado.

Montados nos seus cavalos, tornaram-se conhecidos nas aldeias em redondo. Compravam as rezes diretamente aos lavradores e vendiam-nas em feiras donde elas partiam, depois, para os talhos das vilas e cidades próximas. Ferrar o dente num naco de carne, não era para todos os povoadores da serra do Montemuro e arredores. Os habitantes das aldeias serranas criavam cabritos, leitões e vitelos, mas raramente lhes ferravam o dente. Vendiam-nos para fazer dinheiro e comprarem sardinhas. E não havendo dinheiro faziam comércio de “troca direta”. Pelos bens necessários à sua lida  davam ovos, milho ou centeio.

E nos manuscritos existentes os arquivos da Misericórdia de Castro Daire, aparece o seu contributo em géneros destinado a sustentar a Albergaria do Hospital do Espírito Santo. Nada menos do que um “alqueire de centeio” cada homem casado e “meio alqueire” cada homem solteiro ou viúvo.

3 - CHRISTILHAM = CRESTILHAM

Sobre as duas versões gráficas deste topónimo não é preciso elaborar muito. Admitindo não ser erro ortográfico do escriba, muito frequente em tempo de poucas letras, deixo para os gramáticos e linguistas a evolução semântica das palavras, v.g. a transformação do “ch” em “u”, no primeiro caso e no segundo o «I» em “E”.

CRUZEIRO-ALMINHAS - CópiaApós o que, se pegarmos na enxada e cavarmos o campo das palavras, como se cava um campo de batatas, logo descobriremos, na primeira cavadela, que o topónimo está ligado, gráfica e foneticamente a CRISTO

E subir àquele povoado por veredas, trilhos e caminhos, em tempos idos, era o mesmo que subir ao Gólgota, gatinhar o Calvário. E o que era ali a vida dos primeiros enfiteutas senão um calvário, madeiro carregado de sol a sol, trabalhando e suando o dia inteiro (e noite dentro, serões infindáveis) para sobreviverem e pagarem os foros estipulados?

PEDRINHAS - CópiaTerra de “christandade” elevada a alto grau, na atual estrada e antigo caminho que liga Baltar ao Custilhão, sobrevivem, lavradas em granito e sem data, o cruzeiro da Nossa Senhora da Guia com um nicho de alminhas escavado, em porta de arco quebrado, vazio, outro nicho no meio braço vertical lavrado em arco românico, também vazio,  e o cimeiro que guarda a Imagem da Senhoa tapada com um vidro..  Ao lado dele, aparentemente mais antiga,  uma pedra tosca  com um cruzeiro lavrado em alto relevo e um nicho de alninhas em arco quebrado, também vazio.  Quem por ali passar e se der ao cuidado de abrir as portas do simbólico, entenderá que aquelas “pedrinhas” postas sobre um destes artefactos significam que o passante rezou uma ave-maria ou um padre-nosso pelas sofredoras almas do Purgatório.

No tempo em que os defuntos do Custilhão eram transportados para o cemitério de Castro Daire por aquele caminho, caixão preso aos ombros de quatro homens por correias peitorais, ali se parava  obrigatoriamente para se fazer responso ligado ao «repouso eterno» do morto e à sua ressurreição. Sendo que os defuntos  sempre deixam para os vivos as «demandas» a eles ligados. E quantas vezes as pessoas e povoações se tornam desavindas umas com as outras, sem piedade, em nome da religião e a BEM DAS ALMAS.  

 

É isso. E por aquele caminho, integrado na rede viária que ligava à sede do concelho, passando por Baltar, passava gente sofrida e sofredora, adultos e crianças, quais “cristos” obrigados a pisar estes tortuosos e irregulares “trilhos  de Cristo”, como eram todos caminhos serranos que rasgavam os montes em redondo, mesmo aqueles por onde Cristo nunca «rompeu as suas sandálias». 

 

CEIAcopeira.2 - Cópia

E, assim sendo, colhe aqui inverter o “V” da COPEIRA e ver nele o cálice da ÚLTIMA CEIA, aquele espaço vazio entre Jesus e Mª Madalena, como sugerido é no romance histórico «Código Da Vinci». de Dan Brown. Só falta ouvir as palavras bíblicas: “tomai e bebei” a água desta mina, desta fonte de chafurdo, até que chegue o FONTANÁRIO e o tanque onde se lavem as vossas roupas sujas, impregnadas de suor e de pó, juntamente com os vossos pecados, pois por vós eu “carreguei os pecados do mundo”.

E a demanda do Santo Graal, a procura do cálice do Sangue Real referido na Última Ceia de Jesus, sempre procurado e nunca encontrado, empresta significado à metáfora que nos mostra a persistência humana na resolução das dificuldades da vida, na luta pela sobrevivência individual e comunitária em todos os cantos do mundo, com Cristo ou sem ele.

E eu, nessa convicção, por aqui ando, desando e demando, tal como demandei por terras de Moçambique, onde me soou ao ouvido a palavra Kraal, o núcleo de aldeia banta, termo levada para as “américas” pelos escravos que, com braços e pernas acorrentados, atravessaram o Atlântico e, no novo mundo, nas plantações de açúcar, viam morrer os seus sonhos, bebendo o amargo destino traçado por comerciantes negreiros e fazendeiros sem escrúpulos. Destes restam por aí alguns. Quem não se lembra de Odemira?  E dos escravos, quantos deles, mais afeitos ao Corão do que à Bíblia, desconhecedores, em absoluto, das Sagradas Letras, hebraicas e cristãs, revoltados contra tal sina, terão levado a vida a clamar: “Alá é grande”, em vez de “Pai, afasta de mim este cálice!” (Mateus 26:39)

1758 - M.PAROQUIAIS - Cópia

CAPELAS PAROQUIAIS - Cópia

 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.