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sexta, 03 fevereiro 2023 17:48

JOSÉ FERNANDES LUIS LOUREIRO

Escrito por 

UM ARTISTA DE CÁ

Já falei anteriormente deste castrense, filho, com muita honra, do MESTRE ZÉ FERREIRO de cimo de vila, com oficina aberta ali na Estrada Nacional nº 2, à saída para Lamego.

 

JJose F. L. Loureiroá falei e dei destaque a algumas das suas esculturas e não fiz mais do que a minha obrigação. Também já falei de outro castrense que, em tempo idos, resolveu emigrar para o Brasil e por lá fazer vida sem se esquecer do torrão natal. E deixou prova disso mesmo nas QUADRAS que já publiquei em anteriores crónicas minhas e vou hoje, novamente,  fazer uso de mais algumas pelas razões que se verão.

Refiro-me a Carlos Mendonça, o herdeiro mais novo do solar dos MENSONÇAS, onde hoje funciona o «Centro de Interpretação do Montemuro e Paiva», em boa hora adquirido pela Câmara Municipal. Reportei a viagem que ele fez.por  terras do concelho e ruas da vila. E, no seu passeio pela vila abaixo, claramente decidido estava a deixar para a posteridade um documento que informasse os vindouros dos nomes das ruas, quelhos, becos, pessoas residentes e seus ofícios. E prestes a chegar ao fim da vila pela ESTRADA NACIONAL, escreve:

Havia um “quelho”, isto não é pêta

Que levava à casa com Quinta das Eiras

Onde aprenderam muitas costureiras

Com a mestra Umbelina Fogueta.

 

E, sempre em versos diz quem mora em frente, ao lado e mais abaixo até chegar ao muro que limitava as terras de João de Oliveira, que, havia séculos, se  chamava “Quinta de Albergaria”.

E, junto ao muro divisório dessa Quinta, identifica as últimas casas do burgo vilão, os seus quintais e moradores. Assim:

 

 

JMendonça- Redzunto existe um quintal. Será que atino?

Quem então era o seu verdadeiro dono?

Depois, sonhando, dentro de um sono

Lembrei-me: era o Clemente Vitorino.

 

Casitas juntas, merecedoras de “toxa”

Mal cobertas de antiga e podre telha

Numa morava o manco António Guedelha

E noutra o famigerado Marcelino Rocha

 

Termina da vila o limite. Está na parede

Há quase um século um velho letreiro

Em azulejo escrito CASTRO DAIRE inteiro

Onde há bom vinho, pura água p’ra sede.

AZULEJOS C.D

 

 

 

 

Volvemos, voltamos para o “Quelho das Eiras”

Onde havia a velha casa do Alfredo

Que lá mantinha, mas, sem segredo,

A Amélia, magricela, mestra de forneiras.

 

E aqui chegado Carlos Mendonça e nós com ele, a sua poesia resistiu ao teste heurístico de validação como documento autêntico, de conteúdo mais fidedigno do que algumas escrituras notariais com selo público e raso de credenciado tabelião (o letreiro em azulejo toma o lugar desse selo), conteúdo conferido pelos meus olhos de investigador e de outros castrenses idóneos que confrontei com o texto,  retorno com ele ao Quelho das Eiras e constato que, só muito recentemente, essa realidade foi alterada com a requalificação do património viário e urbano edificado.

RUA DAS HORTAS-1Ali, no Quelho das Eiras, que, hoje, como outrora, liga à ESTRADA NACIONAL Nº 2 , deriva à direita o «Beco de S. Domingos». Um BECO. E não muito longe, diremos até que bem perto, desemboca, em escadas, a RUA que teve primeiramente o nome das «RUA DAS HORTAS, (ver foto ao lado) por cedência do terreno feita pelo senhor António Monteiro Marques, a mesma via que, posteriormente, tomou o nome do Jesuíta Sebastião Vieira, natural de Castro Daire, cujo “VÍNCULO” já historiei em livro.

Digamos que o nome de dois missionários (e suas Ordens Religiosas) coexistem, vizinhos, na rede viária de Castro Daire, neste século XXI. Pacificamente.  Diferentemente do que, no século XVI e XVII, ocorria no Oceano Pacífico, onde jesuítas, dominicanos, franciscanos e agostinhos  exerciam, à compita, a sua ação missionária, nem sempre de forma amistosa, entre si. Basta lembrar que por volta de 1590, Sua Santidade o Papa, devido a tais desinteligências, deu aos Jesuítas o monopólio de missionar o Japão e aos Franciscanos as Filipinas. Ao tempo cada Ordem procurava chamar à “fé cristã” os ímpios infiéis, budistas e seguidores de outras religiões orientais. E por lá, por terras do oriente, fizeram o que puderam e lhes foi permitido. Correndo riscos entre os gentios, não raras vezes esses missionários, se puseram ao lado dos governantes locais que se digladiavam entre si para tomarem o poder e viam neles os seus aliados. Sebastião Vieira, ora bem-vindo, ora mal-vindo, pagou cara a sua missão. A sua vida expirou no Japão, mas não antes de ter vindo a Portugal e ter deixado, em Lisboa, 600.000 reis para renderem juros a favor de Clara da Cruz, de Castro Daire. Dinheiro que esteve na base do “Vínculo” estabelecido na capela se S. Sebastião, em Castro Daire, com a obrigação de uma missa diária para sufrágio da sua alma.

Nesses tempos, a política e a religião, cá e lá, andavam de mãos dadas. E por lá ficaram as marcas da nossa ação política e religiosa. Por lá ficaram edifícios, fortificações, igrejas e almas convertidas. Enfim, a nossa cultura.

Placa-2Mas o mundo gira e roda. E se nós estabelecemos mercancia no Japão, em Macau, na China e mais terras do oriente, no século XVI e posteriores, eles, os orientais, os japoneses, chineses e outros por cá fazem, agora, com vigor, mercancia no século XX e  XXI. Automóveis e bugigangas. E de mistura com os produtos comerciais do Pacífico chegam, pacificamente, os seus ícones religiosos e interesses económicos. Não faltam por cá gestores, empresários, operários e estabelecimentos comerciais e equipamentos industriais onde se respiram os aromas do sol nascente. Estas linhas, nas quais gastei alguma da minha energia intelectual e física, deixam alguma LUZ histórica sobre as relações entre continentes, mares, povos, nações, culturas, interesses e religiões diferentes. Não é pouco. Com a simpatia e empatia a todos eles devidas pelo historiador imparcial e humanista, que paga religiosamente à EDP a energia elétrica que, mensalmente, consome.

Travessa - CópiaPosto o que, volvendo ao «Quelho das Eiras» e ao «Beco de S. Domingos, direi que neste ano de 2023, fui surpreendido com uma escultura colada na fachada lateral poente da moradia requalificada. É uma escultura estilizada, com técnica de «simplificação por nivelamento, contornos e volume figurativos, feita em «aço corten», cujo hábito, identifica, sem qualquer custo, um monge. Mas este não é um monge qualquer. É S. Domingos, o Pregador e naquele edifício residem, há um bom par de anos, as freiras «dominicanas» com assento na Paróquia de Castro Daire.

E cabe aqui uma referência de simpatia à «irmã Chica» que, nos anos 80 do século XX, lecionando a disciplina de EDUCAÇÃO VISUAL foi minha colega na Escola de Castro Daire. Foi professora de um filho meu e também do artista, José Luís,  que concebeu a escultura que vemos agora colada naquele prédio. Há sementes que germinam e, se a terra é fértil,  isso não deixa de reverter para o lanço do semeador ou semeadora.

Domingos-1 - Cópia

Colegas de profissão, no relacionamento ocasional que eu e a minha esposa (ambos incréus) com ela tivemos, jamais descortinámos um cibo de distanciamento e/ou segregação. A nossa relação profissional pautou-se sempre pelo respeito mútuo e aceitação das pessoas que éramos. Um exemplo humano de ser e estar. Ouvissem-na todos os que se julgam portadores e difusores da «palavra» e com ela aprenderiam a diferença entre a «palavra», pregada de qualquer elevado e distante púlpito barroco e «palavra» ouvida em conversa informal e chã. Aquela palavra e forma de «ser e estar» que molda valores e memórias que ficam para sempre de um relacionamento profissional e humano. Aquela «palavra» que cola  sempre mais fundo e irmana todos os aqueles que  o maior BEM almejam para o mundo.   

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.