Trilhos Serranos

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sábado, 28 janeiro 2023 17:03

HEROI DA SERRA (7)

Escrito por 

VALE CUTERRA

Disse eu, na crónica anterior;  que no decurso de tempo, o VALE CUTERRE, rústico de «leyras» e «hereditates» sujeitas a “jugata”, em 1258, teria evoluído para “lugarejo” habitado com referência, ali, de batizados e óbitos no século XVIII.

Sim. Aquelas ruinas de «habitações e casebres»  muito conhecidas por caçadores, pastores, agricultores e mateiros, totalmente ignoradas por arqueólogos e historiadores, interpelaram a minha curiosidade de caçador e investigador. Pisar a montes e vales atrás de perdizes dava-me algumas vantagens sobre colegas de ofício que se ficam pesquisando nas bibliotecas e arquivos.

  VilarbE quando, em 2004, as visitei, fotografei, e analisei os acessos, de peão e de carro, sem informação escrita, oral ou arqueológica, fiquei-me na conjetura primeira de ter javido ali um LAZARETO, um refúgio dos leprosos, próximo do rio Pombeiro/Vidoeiro, mas afastado bastante das povoações em redor.

Vilar1-RedzEstava na presença de umas ruinas sem nome e a sabedoria popular circundante não me dava resposta, apesar de ter interpelado várias pessoas das povoações vizinhas, seja do Vilar, de Lamelas, de Vila Pouca. Nenhuma delas, não obstante a geografia e topografia local, se mostrou conhecedora de ter sido ali  a PÓVOA VALE DE CUTERRA, aquela que foi habitada no século XVIII, nada menos do que  VALE CUTERRE rústico, de “leyras” e “hereditates” foreiras no século XIII, tal como vimos nas Inquirições de D. Afonso III, el 1258.

Pois bem, assentando as ideias, dou as boas vindas aos documentos que JOAQUIM CARVALHAL, nascido no Brasil, mas com ascendentes na aldeia do Custilhão, a essa aldeia retornou e nela, esporadicamente, se acomoda no espaço habitacional herdado, espaço que requalificou e a que chamou “POUSO DA SERRA”,aberto ao TURISMO RURAL, com as condições urbanas de habitabilidade e gosto exigidos pelas pessoas dos tempos que correm. Isso, sem apagar os traços , identitários da arquitetura rural, patentes nas paredes, nas mobílias, nas portas, ferragens e mais artefactos decorativos que espelham a vida quotidiana camponesa dos ancestrais heróis da serra, aqueles que, forçados, a custo (Custilhão se chama a aldeia),  ou vontade própria ali assentaram arraiais.

Na peugada dos seus avoengos procurou no Arquivo Distrital de Viseu assentos de batizados, casamento e óbitos de pessoas que pudesse relacionar com os nomes que eu ia deixando espalhados nas páginas dos meus trabalhos de investigação, publicados em livro, na imprensa ou simplesmente online.

E «alcança quem não cansa». Encontrou mesmo. Por isso, a si devo as cópias das certidões que ilustram estas linhas, as quais, buscadas no Arquivo Distrital de Viseu, proporcionam, sem trabalho exaustivo, esclarecer a alusão que acima deixei referente às ruinas de moradias e casebres existentes na vertente norte do Monte da Lapa, a ver o Vilar e Moramorta. Segue-se a digitalização parcial de alguns desses documentos em ortografia atualizada-

1-V.CUTERRA-0BITO-1701A - ÓBITOS

2-V.CUTERRA-ÓBITO-17041 - Aos dezassete dias do mês de Outubro de mil setecentos e um, faleceu Isabel Fernandes, viúva de Gonçalo Fernandes, moradora de Vale Cuterra. Recebeu os sacramentos. (O Abade João de Moura de Andrade)

2 - Aos vinte e sete dias do mês de janeiro do ano de mil setecentos e quatro, faleceu Domingos Carvalho, marido de Telma Fernandes, morador na Póvoa de Vale Cuterra. Recebeu os sacramentos. (Abade João de Moura Andrade)

3 - Aos catorze dias de novembro de mil setecentos e trinta e três faleceu Ana, solteira, maior de catorze anos filha de Manuel Ferreira, morador na Póvoa de Vale Cuterra desta freguesia. Recebeu os sacramentos. Não fez testamento. Por seu cargo, sepultada dentro da Igreja de S. Pedro desta vila «Crasto Dayro». Herdeiro o dito seu pai Manuel Ferreira. Do qual mandei fazer este assento que assinei. (O Abade João de Moura de Andrade).

B - BATISMOS

4aV.CUTEERRA-BATISMO-17584aV.CUTEERRA-BATISMO-17581 - Aos vinte dias do mês de Dezembro do ano de mil setecentos e trinta e cinco por comissão minha batizou com os santos óleos o beneficiado Caetano de Almeida, a Josefa, filha de Jose Ferreira, natural da Póvoa de e sua mulher Maria Monteira de Vale Cuterra e de sua mulher Joana Joana Pereira naturais ambos moradores do lugar do Custilhão. Primeiro matrimónio de ambos.

Foram padrinhos José, Solteiro, filho de Manuel Teixeira e de Ana, filha de Domingos Lourenço Pio, morador no dito lugar do Custilhão. Avós paternos Manuel Teixeira, ambos naturais e moradores na Póvoa de Vale Cuterra. Avós maternos, Domingos Pereira e sua mulher Maria Manzel (?) ambos naturais e moradores do dito lugar do Custilhão e todos desta freguesia de S. pedro da cila de “Crasto Dayro”. Do que mandei fazer este assento que assinei. (O Abade Manuel Soveral de Figueiredo)

2 - Aos catorze dias do mês de julho do ano de mil setecentos e cinquenta e oito, batizei, sob condição, e pos os santos óleos a José, filho de Manuel Pio e de sua mulher Ana Teixeira, naturais e moradores do lugar do Custilão, desta freguesia de “Crasto Dayro”. Segundo matrimónio do dito Manuel Pio.

Foram padrinhos Manuel Ferreira, de Baltar de Baixo e Bernarda, solteira, filha de José Ferreira do lugar do Custilhão. Avós paternos Domingos Fernandes do Pio, do lugar de Farejinhas e Maria André natural do lugar do Custilhão, desta freguesia. Avós maternos, Manuel Pereira, de Vale Cuterra e onde é natural e sua mulher Maria Monteira, natural de Mouramorta freguesia do mesmo lugar, moradores no dito lugar de Vale Cuterra. De que mandei fazer este assento e assinei. (O Cura António de Almeida Simões)

E vemos que as pessoas referenciadas, chamadas a testemunhar os atos solenes do batismo, nomeadamente os padrinhos e avós maternos e paternos põe em rede a Póvoa de Vale Cuterra e as povoações de Farejinhas, Baltar, de Mouramorta, Custilhão e “Crasto Dayro”, sede da freguesia, onde se faziam os assentos necessários e também onde vinham parar os defuntos que nessas aldeias faleciam. E já vimos que «Ana, solteira, maior de catorze anos, filha de Manuel Ferreira, morador na Póvoa de Vale Cuterra, desta freguesia, foi sepultada dentro da Igreja de S. Pedro desta vila «Crasto Dayro».

TRAJECTO - CópiaNo mapa ao lado, com aquele círculo verde traço encarnado que fiz, ladeando o «caminho carreteiro» desenhado na carta militar de 1987 (caminhos que eu ainda vi, claramente vistos) eu  procuro mostrar o presumível trajeto usado pelos utentes que, partindo da Póvoa de Vale Cuterra se dirigiam a Castro Daire, fosse em negócios de vida, fosse para proceder aos batismos, fosse para sepultar os mortos. E por aqui se vê o importância dos alertas que tenho feito em defesa dos «topónimos» e dos «caminhos carreteiros», muitos deles desaparecidos, engolidos que foram pelos matos e outros tornados privados por desmazelo de quem tem a obrigação de zelar pela «res publica».

No caso vertente esses utentes e todos os demais que do Vilar e vizinhanças do norte se dirigiam à sede do concelho, atravessavam as poldras do rio Pombeiro/Vidoeiro, subiam a encosta/norte do Monte da Lapa, desciam em direção ao «comprido», passavam ao Outeiro de Vila Pouca, e puíam o «caminho carreteiro» que ainda hoje existe, que travessa o maninho de Fareja e desemboca na «Quinta das Presas». Dali desciam à «Feira das Vacas» e, mais uns passos abaixo estavam no coração da vila.  Os védeos  que tenho feito e alojado no Youtube  sobre os «caminhos carreteiros» sobreviventes, deixam-me a certeza de que outros, que eu conheci transitáveis, por desmazelos dos que têm a responsabilidade de zelar pela «res publica» desapareceram, entupidos ou vedados.

Os primeiros documentos fornecidos por Joaquim Carvalhal foram assinados pelo Abade João de Moura de Andrade, aquele a quem se devem as obras realizadas na Igreja Matriz, comp rezam as legendas gravadas nas portas laterais do templo e como documentei em livro próprio. A ele se deve a construção das capelas de Folgosa, de Baltar e de Fareja, como diz Manuel Gonçalves da Costa na sua ««História do Bispado e Cidade de Lamego»..

E assim é a história. Sempre de porta aberta, sempre pronta a «fazer-se» e «refazer-se», a alterar o «dito e o feito», desde que a tal seja obrigada com a chegada de novas informações, novos documentos, novas descobertas.

Abílio/janeiro/2023

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.