Os gigantes eólicos
E se tiver sorte, quando atravessar a serra de lés a lés para ver os geradores eólicos que, nestes começos do século XXI, foram levantados ao longo da sua espinha dorsal, verá também a «vigia» de Alhões (rebanho com cerca de 500 cabeças, entre caprinos e ovinos) a última que por cá resta, graças a subsídios do Estado e terminada que foi a transumância dos rebanhos da serra da Estrela que cá chegavam, anualmente, pelo S. João. Pastores que, em tempos idos, pagavam foro em dinheiro e em espécie à Matriz e ao Abade de Ester, tanto quanto rezam as Memórias Paroquiais de 1758.
Os pastores Clemente Rocha Teixeira e José Teixeira
Estes pastores são uns autênticos gigantes a par desses outros gigantes, os geradores eólicos a lembrarem o Polifemo o gigante da Odisseia de Homero, também ele pastor.
E, vendo bem coisas, deixando as éclogas e romances pastoris que ilustram a literatura portuguesa, o que foram os pastores senão gigantes ao logo da História? Não foram eles que alimentaram o mundo, que lhe forneceram carne, leite e queijos, não foram eles que forneceram as lãs para o mundo se vestir? Em meados do século XX não se vestia o serrano de burel, calças de burel, coletes de burel, casacos de burel, capucha de burel, tudo de burel, como se estivéssemos em plena Idade Média?
Uns heróis, uns gigantes, os pastores que, sempre atentos aos rebanhos e aos lobos, sofriam na serra as calmas do Verão, os frios do Inverno.
É isso. Fora das éclogas e dos romances pastoris que enredam zagais e zagalas em fantasias amorosas, posta de lado a poesia e a literatura, não tarda que «sob o manto diáfano da fantasia» logo vejamos a «nudez fria da verdade». E a verdade, nua e crua, impõe trabalhos, sacrifício, obrigações a cumprir faça sol ou cai chuva, alimentação frugal que, nos fins da Primavera e princípio do Verão, inclui sempre as pútegas na sua dieta alimentar. Um petisco natural que se esconde nos sargaçais, mas que não escapa ao olho de lince de qualquer o pastor ou serrano experimentados.
As pútegas, um petisco natural muito apreciado por pastores e camponeses
É a serra.
Se de facto é citadino, se gasta a vida nos meios poluídos de qualquer meio urbano, tire um fim-de-semana, suba ao Montemuro e verá tudo isto. Bem pode ter a sorte de falar com os últimos «vigias» de Alhões, de seus nomes, Clemente Rocha Teixeira e José Teixeira, sempre rodeados de ovinos, caprinos e cães.
E falar com eles, no presente, é remontar ao passado, é remontar aos tempos em que, pela serra, todos os meninos de escola, arvorados em guardadores de rebanhos, dedilhavam uma flauta de cana, na idade em que, os meninos de hoje, graças à evolução dos tempos e da cidadania, treinam os dedos no teclado dos computadores e dos telemóveis, comunicando, aprendendo, trocando conhecimentos e afectos, e vendo o mundo para lá dos horizontes que se descortinam daqui. Para lá do nascer-do-sol.
Abílio/2009