DR. PIO CERDEIRA D' OLIVEIRA FIGUEIREDO
Quando cheguei a Castro Daire, meu concelho de origem, retornado de África em 1976 e do Alentejo, em 1983, ignorando, por completo, a HISTÓRIA LOCAL, mas sabedor de ter havido na vila uma TIPOGRAFIA, onde tinham sido impressos vários periódicos com títulos diversos e presumindo que as suas páginas me dariam informações precisosas sobre tempos idos, pus os pés a caminho e bati de porta em porta à procura dos exemplares que, por ventura, tivessem sobrevivido à voracidade do tempo graças ao zelo dos leitores e/ou assimantes.
E foi nesse meu ir e vir, de me socializar com estas novas gentes, perguntar e explicar o porquê do meu interesse, que a Dona Aninhas Cunha, a Dona Adelina Almeida, os senhores Júlio Alexandre Pinto e António Cunha e outras pessoas de boa vontade e amantes da informação e cultura, me cederam alguns exemplares que possuíam esquecidos em prateleiras e baús.
Depois, sempre por pedido meu, aportaram “grátis” na minha casa espólios diversos de documentos impressos e manuscritos que têm servido de base a muito do que tenho escrito e publicado sobre o concelho. E disso já dei nota nos meus livros “Implantação da República em Castro Daie -I” e “Castro Daire, Imprensa Local, 1890-1960”.
São os ossos do ofício. As pessoas minhas amigas passaram a saber ao que eu vinha e o que procurava, no sentido de, no século XXI, neste “SÉCULO DO CONHECIMENTO”, o concelho ficasse a saber mais de si, depois de mim, isto é, na sequência dos meus trabalhos de investigação.
E foi por isso que, neste ano de 2023, mês de janeiro, me chegou à mão, por gentileza (“grátis) de Joaquim de Almeida (que nesta vila exerceu a profissão de relojoeiro) uma brochura editada pelo Dr. Pio Cerdeira d'Oliveira Figueiredo, em 1920, relativa a uma TABELA DE EMOLUMENTOS, pagos no Registo Civil.
Na foto ao lado podemos ler que se trata de “Instruções Práticas para os Ajudantes dos Postos, organizadas pelo oficial do Registo Civil de CASTRO DAIRE”. Contém a parte da tabela de 27-2-920, que aos ajudantes interessa conhecer. Editor, Pio Cerdeira d’Oliveira Figueiredo, CASTRO DAIRE (a quem podem ser pedidas as instruções). CUSTO 30 CENTAVOS. VISEU. TPOGRAFIA POPULAR, 1920.
Brochura de 16 páginas, com parte da nova tabela de EMOLUMENTOS, com algumas dúvidas na sua aplicação, o Dr. Pio, “oficial do Registo Civil de Castro Daire”, resolveu facilitar a vida aos seus pares e mais funcionários. Elaborou a BROCHURA e, sem o “markting comercial” dos nossos tempos, remete, por correio, um exemplar para todas as repartições congéneres, contando com os bons ofícios dos seus colegas de profissão, a partir da vinheta colada na página do ROSTO, com os seguintes dizeres:
“Queira V. Exa. dizer para a Repartição do Regiato Civil de Castro Daire quantas INSTRUÇÕES deseja para os seus ajudantes que serão imediatamente remetidas francas de porte em troca da respetiva importância. Se V. Exa. Preferir que vão à COBRANÇA, acrescerá a despesa do correio”. (cf. foto à direita).
Posto o que não tardou a receber vários pedidos de diversas Repartições, sem quaisquer reparos. Mas duas delas pediram esclarecimentos complementares, como foi a do Alvito, no Alentejo, relativamente aos EMOLUMENTOS a pagar “quando não houver testamento” pedindo e agradecendo os esclarecimetnos que viessem a ser dados.
O Dr. Pio respondeu de pronto, como se depreende da carta recebida posteriormente, com data de 9 de junho de 1920, onde o remetente se penitencia pelo atraso, dizendo seguidamente:
“Vejo que estou a tratar com quem não só possue todos os requesitos de ciência e probidade, mas também muito amor pela classe. Nesta convicção permita V. Exa. que lhe envie a cópia junta, pedindo-lhe envide todo o seu conhecimento contra o conteúdo da mesma, tão desagradavelmente interessante. Vou escrever sobre o assunto para a Conservatória Geral e senador Virgolino, digo, Pedro Chaves, oficial do Registo Civil de Ovar.
Com os meus cumprimentos muito respeitosos, desejo saúde e fraternidade.
O oficial do Registo Covil, José Paulino de Jesus.
As dúvidas primeiramente colocadas traziam, pois, água no bico. E este oficial de Alvito, tinha decladamente um “qui pro quo” com o oficial de Ovar, no que dizia respeito à interpretação na aplicação da TABELA, dúvida relacionada com uma “virgula” a mais ou a memos, daí ele apelidar o colega, pejorativsmente, VIRGOLINO, só depois seguido pelo nome verdadeiro: Pedro Chaves.
Os papeis que estão anexos (avulso) à BROCHURA, não esclarecem se o Dr. Pio, discorreu sobre a matéria pedida, pelo seu colega de Alvito, mas do seu colega de RESENDE, certamente ambos companheiros da Universidade de Coimbra, (o trato isso sugere) lhe chegou, não só as felicitações pela iniciativa, (“um trabalho apreciável e de bastante utilidade, pelo que te felicito”), mas também a discordância declarada sobre dois pontos, a saber:
a) Não concordo com a tua afirmação de que só se deve aceitar a declaração de paternidade ilegítima quando o declarante a assinar. A admitir esta directiva só podem perfilhar filhos em registo de circunstância, o pai ou a mãe que saibam escrever.
Esta afirmação que a lei não autoriza e nem o próprio Art. 160, nem tudo o que o que lhe de mais respeita.
A lei, quando diz que os pais podem perfilhar os filhos no registo de nascimento, não põe distinção alguma e o Art. 161 do Código do Registo Civil declara que se o pai ou mãe declarante não souber ou não puder assinar, obervar-se-á o disposto no Art. 107. Vê-se pela colocação doutro Art. que se refere a todos os declarantes e nele não se faz também restrição alguma.
Por isso a declaração deve aceitar-se sempre que o pai ou a mãe ilegítima não saiba escrever. É esta a doutrina que sigo e que me parece absolutamente legal.
b) Quanto ao receber o emolumento (registo de óbito) mas não se tratar de indigentes, mandar-se-á somente $03 de rubrica e selo do dec. 5021.
Esta afirmação é contrariada, a meu ver, pelo Art. 4 da tabela de 27.fev.1920, que diz: não serão devidos emolumentos, nem selos….e nos registos de óbitos, com exepção dos mencionados no n. 6 do art. 2 desta tabela.
Parece-me que, em face desta disposição, nada podemos levar de emolumentos e selos, como tenho feito, nos casos a que acima te referes.
É certo que esta tabela dá ao delegado 10 reis por cada rubrica de folhas dos livros do R. Civil e, sendo assim, não se pode pedir as quotas.
Tu desculpa-me esta maçada, mas julgo que é conveniente esclarecer dúvidas.
Resende, 5.5.920
Com assinatura ilegível, (de último apelido ARAÚJO), este amigo e colega do Dr. Pio de Figueredo, levou-o, a “postar” uma ERRRATA, bastante habilidosa e subtil, mesmo à laia de advogados.
Eu anexo ao lado a fotografia dela para vermos como, sem dar o braço a torcer e dizer que tal emenda resultou a observação do seu amigo e colega ARAÚJO, de Rezende. E não lhe ficaria nada mal, tê-lo feito.
A demais correspondência anexa à BROCURA, vinda das mais diversas partes do país, respeita aos pedidos de envio das INSTRUÇÕES, ao elogio ao trabalho feito, sem qualquer reparo de correção.
Assim, o Dr. Pio de oliveira Figueiredo, figura ilustre de Castro Daire, cuja Biografia já publiquei e anda por aí nos meus escritos impressos e online, vendia o seu trabalho intelectual, a TRINTA CENTAVOS cada exemplar das INSTRUÇÕES, no sentido de no Registo Civil,se pagarem somente os EMOLUMENTOS nos termos da LEI. Vai fazer 103 anos em fevereiro p.f. MAIS DE CEM ANOS.
Abílio/janeiro/2023.