segunda, 16 setembro 2013 20:51
Escrito por
Abílio Pereira de Carvalho
O FACEBOOK É UMA LIÇÃO 1
O Facebook tem sido para mim uma plataforma de leitura, de estudo humano, de dúvidas, interrogações e algum entretenimento. Espaço democrático e amplo, ágora grega dos nossos tempos, onde toda a gente pode exprimir livremente a sua opinião e os seus gostos e desejos. Autêntico confessionário onde os crentes correm a expor os seus pecados e virtudes diários. Desnudam-se todos, gente exótica de povos ditos «civilizados», gente aborígene de povos ditos «primitivos». Coexiste aqui gente livre e libertina com puritanos que gritam aqui d'el Rei em defesa dos valores instituídos e quase perdidos. Mortos-vivos fechados em catacumbas, grupos secretos, iniciados e treinados para dizerem mal dos ausentes, impossibilitados de ripostarem aos mexericos contra eles que dão felicidade aos iniciados admitidos na seita. Coexistem igualmente surdos-mudos com seres bem falantes, oratória fácil, tribunos encartados no saber político e/ou académico, no saber das ciências e das letras, relação de professores com alunos e vice-versa, banca de trabalho de poetas e escritores, onde todos expõem, escutam e auscultam assuntos sérios, bibliotecas de sabedoria, como marca distinta de estantes vazias ou recheadas de banalidades e coisas fúteis. A felicidade está ao alcance de cada mão, segundo o seu desejo, a sua opção.
Batem à porta. Entre se faz favor. Entram uma, entram duas vezes, deixam sinalização, não entram mais ou entram silenciosos, não dizem nada, pois a intenção única era entrarem e bisbilhotarem. Perfis esotéricos, penumbras, contornos de figuras humanas, fantasmas, flores, animais, tudo. Capas de por-do-sol, quadros de pintores célebres, arte religiosa e profana, rascunhos de lápis sem fama ao lado das fotos de família, espaços vazios, mudança hoje, mudança amanhã, sempre a mudar, procura de identidade, insatisfação, insegurança, inconstância que de tanto mudar vira constância. Batem à porta, entre, a casa é sua, mas nunca mais há sinal do «amigo» que pediu para ser amigo. Porta aberta e ala que se faz tarde, isso basta, passatempo garantido, nada que dizer, nada que dar, nada que aparecer, só ver para depois contar. Soma-se mais um número ao número de amigos em competição com o número de outros amigos. Isso é que conta para a conta. Quanto maior o número, maior a importância. É o tempo dos números, como no princípio e não o verbo. Mas que coisa estranha é o ser humano. Família sob o mesmo tecto, surda e muda, cada elemento no facebook a dedilhar e a conversar com amigos que nunca viram, nem nunca se verão. Sinais dos tempos. Quadrícula de correio aberta «gostava de encontrá-lo», resposta imediata «é fácil, todos os dias estou ali». Não. Ninguém aparece, não era esse tipo de encontro. Tanta oferta, tanta procura. Assédios interesseiros, calculados, com e sem sucesso. Carências afectivas autênticas, solidão confessada, de trevas e penumbras rodeada, à procura de vida e de luz. Uma mesa infindável de iguarias, de cores e sabores. Refeições pesadas e refeições ligeiras. Cada um come do que gosta. Fica de pé, refeição rapidinha, ou cozido à portuguesa, chouriça e salpicão juntinhos antes da sesta. Partilhas que voam de banda para banda, pousam, ficam, alojam-se ou sacodem-se por incómodas. Links reenviados, recebidos e remetidos imediatamente para o lixo, tal como chegaram. Às vezes dói fazê-lo, mas nem sempre, quanto se conhece o useiro e vezeiro, que é expedito em «reenvios». Está na fase de consumo e não da produção. Consome pronto a vestir, usa, vê e aí vai, toma lá, gostes ou não. Revolucionários, sentados no sofá, fazem revoluções reenviando textos e links bombásticos a favor da sua ideologia. Batem palmas. Metralha sobre os adversários. Mais uma quadrícula de comunicação aberta, «olá!». Não há resposta. «Olá!» A não resposta dá desistência. Pintinha verde, sempre em linha, a lidar com o verbo, mas um verbo não dá lugar a outro verbo.
Publicado em
Crónicas

Abílio Pereira de Carvalho
Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.