FALECEU UM AMIGO
Conheci-o, há muitos anos, como funcionário da Câmara Municipal de Castro Daire, nas funções de topógrafo.
Jovem, natural de Cotelo, freguesia de Gosende, pessoa educada e de poucas falas, nunca precisei dos seus servíços, mas sabia-o prestável e atencioso para com todos aqueles que dele necessitassem.
Um dia, nem sei há quantos anos, abordou-me e perguntou se eu estava disponível a ir fazer uma “palestra” na ESCOLA PRIMÁRIA da sua aldeia, ter uma “conversa” com os residentes já idosos, como se fosse num “serão antigo”. Eu podia falar sobre o que quisesse e ele encarregar-se-ia de mobilizar os seus conterrâneos para estarem presentes
E assim foi.
Chegou o dia e, ao fim dele, ao anoitecer, lá estava eu, pronto a “conversar” com aquela gente serrana muito atenta, pois era a primeira vez que viam ali um PROFESSOR a falar-lhes da VIDA DO CAMPO, dos agricultores, pastores e todos os mais ofícios que davam vida à aldeia, semelhantemente a todas as aldeias espalhadas a serra, encosta acima, encosta abaixo.
Esqueci os saberes académicos e discorri sobre as minhas origens camponesas, lembrando que a minha primeira «caneta» fora uma «aguilhada», valorizando todas as tarefas económicas desenvolvidas pelas gentes do CAMPO, tarefas sem as quais o país seria muito mais pobre e dependente de produtos alimentares vindos do exterior. Falámos sobre a técnica das carnes fumadas e valorizámos o fumo como produto necessária à “cura” do “fumeiro”, razão pela qual a maior parte das casas da aldeia não possuirem chaminé, como nos tempos modernos.
Falámos dos “caniços” e a arte de construí-los sobre as lareiras, uma espécie de “segundo andar” em torno do qual se suspendiam as varões de carvalho ou de castanheiro para sustentarem os «pingões» salpicões e chouriças pendurados de freco.. Falámos sobre o «fazer» e «saber-fazer», usando técnicas ancestrais de sobrevivência. Foi uma longa conversa. Um serão que me ficou na lembrança. E bem me lembro dos rostos curtidos do sol e do trabalho daquela gente serrana e das mãos calejadas que eu notava quando cada um deles me cumprimentava, no «aperto-de-mão» à despedida.
Deixei a aldeia de Cotelo altas horas da noite e senti que, na minha senda de investigador/historiador, valia a pena, cirandar por estes povos fora e deixar uma palavra de estima e de estímulo a todos os que, agarrados ao seu torrão natal, nele envelhecem ocupados nas eternas tarefas agro-pastoris, ou, tendo emigrado, à terra natal tornam de férias, cuidando ou melhorando as casas aue os viram nascer, contribuindo, assim, para manterem de pé estes PEDACINHOS DE PORTUGAL PERIFÉRICO cada vez mais DESERTIFICADO.
Estas linhas tinham de ser escritas por imperativo de consciência e postas aqui, neste meu espaço vital.. Não fora o, então muito JOVEM que agora (ainda jovem, agora falecido) Engº LUIS FILIPE DA CONCEIÇÃO CORREIA DE CASTRO (54 anos de idade) lembrar-se de proporcionar aos seus conterrâneos um serão diferente de tantos outros que eles, esgadanhando a vida, faziam durante anos seguidos, como prolongamento do DIA DE TRABALHO que, sendo de sol a sol, era curto para tantos quefazeres.