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quinta, 28 abril 2022 14:04

CUJÓ - AGOSTINHO DA SILVA SANTOS

Escrito por 

 

«PASSAGENS DE UMA VIDA II»

 

A bem dizer, conheço o Agostinho da Silva Santos desde que somos gente. É um rapaz da minha idade, ambos nascidos no ano de 1939, moços que ultrapassámos os OITENTA, uma carrada de anos e de trabalhos, na aldeia e fora dela.

Já o entrevistei algumas vezes no CAFÉ CENTRAL, em Castro Daire, cujo assunto, em vídeo, alojei no meu canal do YOUTUBE. É só clicar nos links que anexo em rodapé.

Muitas foram as vezes que nos encontrámos a nesse ESTABELECIMENTO e outras tantas aquelas que o incitei a publicar no “Notícias de Castro Daire” as QUADRAS de que ele, na altura, me deu conhecimento. E, assim, ambos nos tornámos colaboradores assíduos daquele jornal, mais o António Duarte Pereira. Todos de Cujó e, cada qual à sua maneira, escrevia o sabia e lhe apetecia. E creio que nenhum de nós envergonhou a terra natal e as suas gentes.

 

AGOSTINHO - REDUZHá dias, tivemos ali um novo encontro e ele deu-me a saber que tinha compilado e publicado, em livro, parte das QUADRAS que publicou naquele jornal. Que iria oferecer-me um exemplar. Deixá-lo-ia naquele Café, quando retornasse à vila. Promessa feita, promessa comprida. Ontem mesmo, foi-me entregue e apressei-me a lê-lo, deixando aqui prova disso mesmo. Tem por título «PASSAGENS DE UMA VIDA II»

A capa é ilustrada com uma fotografia onde se vê uma parcela da aldeia, tirada da Santa Bárbara, o melhor miradouro para se ver o povoado. Com efeito é daquele lugar que se obtém um registo que quase uma ideia vista aérea. Boa escolha.

BADSNASem curar de seguir, por desnecessário, a cronologia da paginação do livro, vou transcrever algumas dos seus pensamentos passados a letra redonda, com o aviso de que tudo o que estiver em itálico são as transcrições que eu, aqui, encarreirei a meu jeito e gosto.

“Eu nasci em Cujó

Que fica no alto da serra

Por mais longe que estiver

Não esqueço a minha terra.

 

Íamos jogar às cartas

À noite, ao fim da ceia

Era em casa dos Ramalhos

Sempre à luz da candeia.

 

Rádios, esses não havia.

Nem se conhecia a televisão

Passávamos o nosso tempo

Todas as noites em serão.

 

Tempos da luz da candeia

Nunca mais esquecerão

Nós jogávamos às cartas

Mulheres fiavam à mão.

(…)

Também já fui emigrante

Mas vivi sempre aozinho

Sentia a falta dos filhos

E da mulher o seu carinho.

(…)

Tinha eu uns quinze anos

Fui trabalhar de pedreiro.

Ainda era bastante novo

Mas gostava de ter dinheiro.

 

Há guerras todos os dias

E não posso compreender.

Não há homens, só rapazes,

E todos querem o poder.

 

AGOSTINHOPoucos confiam no governo

Porque já não há dinheiro,

Estamos a ser governados

Pelos grupos estrangeiros.

 

Ouvem-se tantos lamentos

E guerras por rodo o lado

No país ninguém se entende

Está tudo desgovernado.

 

Os casamentos pela igreja

São coisas que vão acabando

Agora é só pelo civil

Ou apenas os trapos juntando.

 

Era nessas casas pequenas

Que pais e filhos dormiam

Uns dos pés, outros da cabeça

Com pouca roupa se aqueciam.”

 

Referindo-se à ENTRADA AOS SERÕES:

 

“A audiência que se fazia

Era como no tribunal

Todos eram condenados

Mais os que faziam o mal.

 

Compareciam as testeminhas

De acusa e da defesa

Os das penas mais pesadas

Suportavqm as despesas.».

Reportando-se aos episódios e dramas humanos que viveu quando esteve na GUERRA EM ANGOLA:

«Tentámos interrogá-lo para saber onde era o acampamento dos colegas. Não conseguimos nada, ainda tentámos convencê-lo pela comida, ou permitir que andasse connosco, mas disse que preferia morrer. No dia seguinte um dos furriéis levou-o para junto de uma vala e depois de lhe perguntar novamente pelo acampamento  inimigo e a resposta fosse a mesma, deu-lhe um tiro e empurrou-o para a vala. Foi o infeliz fim dele.

(...)

«Mandou-nos colocar à volta dele. Fazendo um círculo de tal modo que no meio ficou ele e a cabra, pegou na pistola apontou ao bicho, mas a pistola encravou. Ficou aflito sem saber o que fazer. Naquele entretempo rodava a pistola oura numa ora noutra direção, tentando resolver o problema. Todos gritavam para ele virar a pistola para outro lado e ele todo atrapalhado nem nos ouvia. Até que, de repente, se ouviu um disparo e um dos nossos caiu redondo no chão, trespassado no coração. Foi complicado o trabalho que aquilo deu. No entanto aqui fica uma opinião: é possível, tomando esta história como exemplo, que muitos dos nossos tenham morrido em acidentes semelhantes a este, às mãos dos  próprios colegas».

“Às quatro horas da tarde, Quitexe era um lugar abafado pelas matas sufocantes que a rodeavam e pelo cheiro dos mortos, cujos cadáveres continuavam por ali espalhados, a apodrecer, causando náuseas aos vivos. Esta imagem de crimes não saía da cabeça de ninguém pois era terrível aquela mortandade. Vejo-me a pôr as mãos na cabeça, a fechar os olhos. Não quero ver, mas conservo a primeira imagem na mente. Assolam-me os fantasmas. Sinto que quem faz a guerra é desmano ao fazê-lo…. Sinceramente o pior que pode acontecer numa guerra é saber que de bom não tem nada….

(…)

Em Grafanil encontrei algumas caras conhecidas, algumas da terra que me trouxeram saudades. Senti-me de dever cumprido. Derramei sangue, suor e lágrimas, mas graças a Deus considero-me apesar de tudo, um homem de sorte, sorte que o António Pinto não teve, pois aqui deixou a vida (…)

Finalmente o momento tão aguardado chegou. Voltar a Portugal são e salvo era o que todos desejavam. Bem-dito Vera Cruz, o barco que nos levou e nos devolveu à Pátria, à terra e à família».

E com a sabedoria da idade, confessa:

«Estou quase nos oitenta

Dia e noite tudo aumenta

E minha vida vai acabando.

Agora já se pode pensar

Que, quando tudo terminar

Alguém nos está chamando.

 

Talvez tenha pouco valor

E dizer coisas sem jeito

O que não presta deito fora

O que for bom eu aproveito”.

 

Os que aceitam minhas quadras

Com muito amor e carinho

Me vão dizendo muitas vezes

Continua a escrever Agostinho».

 

Ora, guardei para o fim esta QUADRA propositadamente. É que, ainda que ele o não refira, posso dizer que fui “um dos amigos” que lhe disse muita vez  “continua a escrever, Agostinho”. E não minto ao dizer que fui eu que o conduzi à REDAÇÃO do jornal, para que ele iniciasse ali a produção que agora deu corpo ao livro que publicou e do qual falo. E mais: que o incitei a escrever as MEMÓRIAS que tinha da GUERRA COLONIAL, em Angola, para onde foi e não veio, ANTÓNIO PONTO, um outro moço da nossa idade, como ele disse e muito bem.

Gostei de ler os pensamentos de um AMIGO DE INFÂNCIA e sobre eles aqui, neste meu espaço, deixar esta NOTA. Veja e ouça os vídeos.

 

 https://youtu.be/SXoeEtkKZgo (09-10-2019)

 https://youtu.be/VCERytr8hyM (21-01-2020)

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.