PASSADO E PRESENTE
Deambulando pelos meus arquivos fotográficos, relembrando passeios que fazia pela serra do Montemuro e povoações, nos tempos em que era acompanhado pela minha esposa, MAFALDA, sempre em estudo, fui parar à Pombeira, ali mesmo atrás de Lamelas. Assim:
No tempo em que a Pombeira se ouvia e via a descer pela ravina, naquela encosta à nossa frente, a água, no inverno muita, no verão nem tanta, refulgia como roupa branca pendurada no estendal natural que por ela subia e descia, nesta vertente da serra do Montemuro.
Refulgente, o sol a dar-lhe do nascente, não havia gente que por ali cirandasse, que não parasse a vê-la e a ouvi-la. Toda a gente, sem distinção, sensível ao ambiente, em silêncio, caldeava o pensamento e sentimento e apreciava a arte, a sinfonia da água e do vento que só ali se via, que só ali se ouvia e jamais em qualquer parte. A cascata, a água, o vento e os aromas em redor, eram uma obra de arte, um monumento, apreciado por passante, feirante, pastor e lavrador.
Depois veio o progresso, assim dito nos anais da civilização. A barragem, feita a montante, estrangulou o ribeiro Vidoeiro e secou a cascata. Para junto da Ermida, ao pé do rio Paiva, em tubagem moderna, para quem não saiba, desviou a água cantante, a cantilena, aquela sinfoia eterna, que encantou gerações e gerações de gente e de vida.
Durante anos, de comunhão com a minha mulher usufrui a beleza deste quadro da natureza. De balcão, sem enganos, no alto de Lamelas, pés no chão, voluntariamente silenciados, chegava até nós a melodia dessa tarde ou dia, sempre diferente, vinda de todos os lados. E do caminho, envolvente, chegava o aroma quente da erva, da urze e do rosmaninho.
Agora, resta a espinha dorsal da cascata descarnada, desse monumento natual que correu mundo em postais ilustrados. Dela ficou o nome. Mais nada. E até o vento, até a aragem que no vale corre, a barragem estrangulou. O progresso, sem piedade não trouxe mas levou toda aquela musicalidade. E mal vai o mundo quando em nome do progresso tudo se mata, tudo morre.
E é seguro, que neste quadro natural do Montemuro, ele não levou apenas a água (muita no inverno, no verão nem tanta) pois levou também roupa branca que drapejava refulgente ao sol nascente, fosse qual fosse o dia - mas que inveja - esse encanto da gente que olhava e via, pois há quem olhe e não veja.
Duante anos seguidos, eu e a minha mulher, fomos clientes assíduos e seguros deste concerto orquestrado pela natureza. Sons, cores e odores. Ele era as águas prateadas a luzirem em queda. Ele era o vento soprando vale acima, vale abaixo, batendo de encosta em encosta. Ele era, para quem gosta, ouvir sem cansaço nem fastio o hino da natureza, ali, naquele vale profundo, que dava vida à serra do Montemuro desde o princípio do mundo.
Era a POMBEIRA e eu a canto assim pela vez PRIMEIRA.