Trilhos Serranos

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quarta, 27 outubro 2021 12:35

OS AVOZINHOS

Escrito por 

ASINUS ASINUM FRICAT

É isso. Nesta sociedade moderna, século XXI, que se pretende seja inclusiva, os “velhos”, os “idosos”, cada vez mais numerosos, mais longa vida, devido ao avanço da ciência, associados à hodierna dinâmica familiar, migração e/ou emigração, filhos separados dos pais, netos longe dos avós, impõe aos governos medidas políticas e obrigações sociais nunca pensadas nem sonhadas em gerações passadas, tempo de  comunidades rurais em definhamento, por força da desertificação e abandono dos campos, volvidos com o tempo polos de repulsa. Os empregos e “melhor vida” estão nas grandes urbes, volvidos, com o tempo, polos de atração e de encanto.

logo do facebookOs estudos sobre o papel social desempenhado pelos mais velhos ao longo da história, ainda que não seja igual em todas as sociedades estudadas, já deu para marcar a diferença abissal que vai do “ancião”, ao “velho”. O primeiro, associado à “sabedoria” e ao “respeito” e segundo ao “impecilho” que estorva no seio familiar, que se “arruma” em “lares de idosos” (uns amores) para ser encharcado de fármacos, dopado e, ó gente, consequente descanso dos “tratadores”. 

Uma forma de vida dos “empresários” que se dizem ética e moralmente precocupados em dar o seu contributo social nesta “sociedade pretensamente inclusiva” dos tempos que correm de assistência à “terceira idade”. E porque vem a jeito, lembro que nos tempos em que o lazer e o ócio se tornaram um direito, a saúde e a velhice viraram negócio.

Depois, naturalmente e para ajudar os tempos, mal que não se quer,  chegou a “Alzheimer” que progressivamente atira o doente para o limbo do ESQUECIMENTO. E que dor, que sofrimento, termos de lidar com quem já vimos lúcido, verbo fluente,  bem falante, e, de repente, num instante, ficou mudo e quedo, pessoa sem emoções, sem medo, sem alegria, sem identidade, nem passado, nem presente, pasmado de dia para dia. 

Levei recentemente no estômago um murro. Um amigo, muito mais novo do que eu,  que comigo calcorreou o Montemuro, a mesma terra, o mesmo céu, com livros publicados sobre os passos dados, não se reconhece, nem me conhece. Foi o organixador do “Forum Montemuro 2001”. Ele vive, anda pelo seu pé, sorri, mas já não existe, já não é. Que murro! Participei nesse “FORUM” com outros docentes e, para que se saiba ainda, entre eles o PROFESSOR Jorge Paiva da Universidade de Coimbra. 

velhoFelizmente, nem todos os cidadãos, com muitas carradas de anos às costas, nossos amigos ou não,  estão em condições sociais e de saúde tais. 

Senhores de si, sem sinais de senilidade, que alegria a minha, reformados, aposentados ou jubilidados, de avançada idade, recorrem ao FACEBOOK, abrem páginas privadas, salas de convívio, espaços que são a extensão dos espaços onde exerceram a profissão que tiveram, em novos. Neles, os que entraram, sairam e vieram, expõem saberes, trocam opiniões, seja em alongadas e sábias dissertações, seja em breves comentários correlativos, autenticas lições, às vezes contornados pelo parceiro do lado, sem conexão alguma com o tema suscitado. Outra convesa. Muda-se a agulha e segue-se em frente. Sem ralhos, nem relhos, são coisas de anciãos, coisas de velhos, direção diversa. Orgasmos intelectuais substitutos dos orgasmos  físicos, sem tabela de idades, pois não há estudos, nem pode haver, que esclareçam o momento em que, no fio do tempo,  neste mundo social e biológico onde somos todos iguais e todos diferentes, uns substituem outros.

OUTONO-2021Entrar numa sala dessas é tornar-se um dos seus “pares”. É estar, ouvir e estar calado. Ser simpátido e educado. E por palavras ou por emoges (eles são tantos) dizer sim senhor,  GOSTO muito, prossiga com seus encantos. Ou ficar no silêncio, fazer de conta que ninguém viu, nem ouviu, ninguém leu, ninguém, decentemente, com clemência, deu sinal de existência. Deixou falar, deixou mostrar. É raro, mas acontece, com ou sem candura, nem sempre apetece botar faladura. E também acontece com frequência, os convivas ouvirem-se e louvarem-se mutuamente. Eles e elas, as criaturas, contam “estórias”, engendram e declamam inspirados poemas, espargem pétalas de flores, plantas, fotos e pinturas. Todos/as uns amores. 

Faço parte, com muita honra, de algumas salas dessas. Convidaram-me a entrar e eu entrei. E, por mim falo e sei, com os netos de sangue ausentes, desinteressados que eles estão dos nossos saberes e vivências, a surfar nas ondas das novas tecnologias, jogos de playstations e quejandas aplicações de smartphons, fazem de nós assim como que uma espécie de AVOZINHOS e NETOS uns dos outros, uma espécie de PARQUE JURÁSICO HUMANO aberto, onde cada um de nós, neto pasmado, encantado, boquiaberto, ouve o conto contado pelo outro avozinho do lado, também ele boquiaberto e encantado. 

Nos LARES que frequento, e onde boto palavra, não há chatice. Entretidos  assim, conversadores, sem fármacos a tolherem-nos a língua e a mobilidade, sem mezinhas caseiras  a toldarem-nos a mente, semelhantemente aos computadores, trazemos a terreiro MEMÓRIAS  de tempos idos, experiências de vida, damos juventude à velhice e, com a sabedoria decorrente da idade, anciãos, dámo-nos as mãos e, se calhar, por vezes,  com o exagero ditado pelo convívio e compreensão humana, valoramos demais o que “vemos, ouvimos e lemos” sem, poém,  colocarmos o pescoço no laço estrangulador e sufocante da velha sentença latina: : asinus asinum fricat.





Abílio/outubro/2021


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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.