FORASTEIRO EM FAREJA
Devo dizer que, serrano de gema, só na vida adulta tive a oportunidade de ver um MOSTAJEIRO. E anoto agora, depois dos vídeos que publiquei sobre ele, ser desconhecido por muita gente. Eu sabia da existência dessas árvores através dos livros de Aquilino Ribeiro que, reportando-se a elas e seus frutos, me faziam lembrar os meus tempos de infância quando, juntamente com outros meninos de escola, qual bando de estorninhos, vindimávamos uma cerdeira enquanto o diabo esfregava um olho.
Quis o destino que, depois de ter andado lá pelas terras de Moçambique, de flora e fauna vária, e também pelas planícies do Alentejo, dobrado que foi o Caldeirão a caminho dos Algarves, retornasse às nortenhas terras de origem, que galgasse as encostas do Montemuro e arredores atrás de perdizes sem me encontrar com tal espécime.
Mostajeiro, o que era isso? Essa descoberta só aconteceu quando, na companhia do meu primo Manuel Carvalho Soares, subimos à serra da Nave (batizada «Leomil») e ali sim, deparámos com as árvores que o MESTRE AQUILINO gatinhou em menino e lhe injetou vitaminas serranas suficientes para ele poder responder à galhofa que dele fizeram alguns amigos alfacinhas por ele não saber abrir uma romã:
- Olhem cá, vocês sabem o que são pútegas? Sabem o que são mostajos? Sabem o que é um alho-porro por esse cu acima?
Acabada a galhofa, dado troco merecido aos amigos lisboetas, foi nos tempos de caça à perdiz que eu, lembrando-me do Mestre, pus a vista em tais árvores e ferrei o dente nos seus frutos, tomando-lhes, então, a medida e o paladar: têm o tamanho das cerejas, sabem a maçã e têm um bigodinho tipo romã.
Colhi informações sobre estas árvores junto dos habitantes locais de Ariz, Pera Velha e Carapito. Que tinham boa madeira, davam boa lenha e do fruto se fazia uma excelente aguardente. Face ao que não deixei de associar o seu habitat natural, terras frias, à utilidade da madeira e dos frutos. Um hino à inteligência humana: terras frias, boa aguardente e boa lenha para compensar os rigores do clima.
Dêmo-nos ao cuidado - o meu primo e eu - de trazermos uns rebentos com raiz e plantá-los em zonas mais quentes. A ver se pegavam. E pegaram. Os do meu primo vingaram na Quinta São Benedito, Casal do Esporão, São Pedro de France, Viseu e os meus em Fareja, Castro Daire, cujo exemplar se tornou protagonista de vários vídeos meus, exatamente por se tratar de um forasteiro serrano, habituado a ser acariciado anualmente pela neve, e aqui, no meu quintal, ter de contentar-se com o cheirinho que dela cá chega, quando, em tempo próprio, o vento sopra das bandas do Montemuro.
Fosse pela sua natureza, fosse pelo novo habitat, só floriu aos sete anos de idade. E, como bem se vê, é um exemplar cujo porte e verticalidade não envergonha quem o plantou e tratou, a ponto de se desdobrar por mais dois rebentos seus que, por mão minha, tomaram pé e ganharam raízes noutros sítios do quintal
O primeiro recebeu na pele encarquilhada as letras “M e M”, iniciais dos nomes das minhas duas netas MAFALDA e MARTA por ser plantado no ano do seu nascimento. Um segundo recebeu a letra “G”, inicial do meu neto GUILHERME e o terceiro, o mais novo de todos, está a crescer sem qualquer referência.
Parece que todos gostaram do clima mais ameno das terras para onde foram deslocados e sei agora, através das redes sociais, que se trata de uma “árvore em vias de extinção” no âmbito da flora portuguesa.
Mas, para sabermos mais, deixemos o que dele aprendi com Aquilino Ribeiro, o que aprendi a conviver com ele durante sete anos à espera dos seus frutos (sete anos Jacob servia Labão, pai de Raquel serrana bela/ também sete anos da minha janela/eu mirei anualmente árvore e chão/pacientemente dos frutos à espera) e demos a palavra a quem, cientificamente, se reporta à intrigante árvore que, na sua infância, foi gatinhada pelo MESTRE PROSADOR das «terras do Demo» e que, na minha, depois de o ter lido, me fazia lembrar uma cerdeira vindimada por um bando de estorninhos, que éramos nós todos, da escola os meninos.
Eis, pois, o que nos diz Helena Geraldes, em publicação de 2019. É só ir ao GOOGLE e escrever MOSTAJEIRO:
“Reflorestação, reprodução em viveiros e mapeamento da espécie é o que a Quercus quer fazer para conservar o mostajeiro (Sorbus latifolia), uma árvore portuguesa rara e ameaçada de extinção.
No Dia da Floresta Autóctone, que se celebra a 23 de Novembro, a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza vai plantar mostajeiros no concelho do Sabugal (distrito da Guarda), mais concretamente em Rebelhos.
Esta reflorestação faz parte do projeto de conservação do mostajeiro, espécie nativa de Portugal que tem vindo a perder terreno. Hoje está classificada com categoria de Vulnerável, segundo a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental.
O mostajeiro é uma árvore caduca que pode crescer entre 10 a 20 metros de altura, mas mais comummente tem um porte de 4 a 10 metros de altura, explica a Quercus em comunicado enviado à Wilder. Em casos excecionais o seu tronco pode atingir os 60 centímetros de diâmetro.
Esta espécie ocorre em bosques caducifólios, principalmente em carvalhais e perto de linhas-de-água. “Tem a capacidade de tolerar quase todo o pH dos solos, tendendo para os mais húmidos e bem drenados. Propaga-se por sementes e precisa de bastante luz”, acrescenta a associação.
“Esta árvore é cada vez mais rara e sobrevivem apenas poucos exemplares espalhados pela região da Beira Interior.”
A ação de reflorestação de dia 23 de Novembro é o início de um pomar de mostajeiros. De momento, a Quercus dispõe de 1.400 plantas desta espécie.
O projeto quer também conhecer melhor onde crescem estas árvores, através de um trabalho de Sistema de Informação Geográfico (SIG) no terreno para marcar as plantas.
“Os cidadãos poderão contribuir com informação para este SIG fornecendo a localização de exemplares de mostajeiros que conheçam e que posteriormente serão confirmados pela equipa da Quercus.”
(…)
“A apanha, preparação e consumo dos frutos do mostajeiro, que podem ser comestíveis, foi uma prática cultural da Beira Alta, principalmente nas regiões de Trancoso, Guarda e Sabugal. No entanto, tal como a planta, está em vias de se perder para sempre”.
E na entrada sobre as “ÁRVORES E ARBUSTOS DE PORTUGAL” podemos ler:
“Nomes vernáculos: mostajeiro, mostajeiro-das-cólicas
Hábito: folhosa caduca, podendo alcançar 30 m ou mais no meio florestal, vulgarmente entre 15 e 25 m, não sendo raro também o porte arbustivo; apresenta copa piramidal quando jovem, depois abobada ou colunar com cimo denso; possui tronco direito com ritidoma liso, acinzentado e lenticelado quando juvenil, torna-se depois gretado, com finas placas retangulares pardo-cinzento; pernadas tortuosas e ramos ascendentes; raminhos brilhantes castanho-escuros, com abundantes lenticelas.”
Melhor não podia dizer-se. E tendo-os eu comido ao natural, tendo feito compota com eles e «afogado» alguns num frasco com aguardente para apreciar o produto algum tempo depois, cá estão, em letra redonda, boas razões empíricas e científicas para as minhas netas MAFALDA e MARTA, e bem assim o meu neto GUILHERME, entenderem a iniciativa e o gesto de, há anos, eu ter trazido da serra da NAVE o exemplar que, ao lado das mais árvores também por mim plantadas, hoje faz as honras do meu QUINTAL, ostentando as iniciais dos seus nomes, “golpes” doridos que a natureza compadecida se encarregará de suturar, deixando nelas aquela marca humana a troco do prolongamento da sua espécie no tempo e alargamento do seu habitat.
Saibam elas e ele (esses meus herdeiros, hoje crianças, amanhã adultos) respeitar a NATUREZA, aprender com ela e com ela interagir, sem tabus nem fundamentalismos. Usufruir das suas belezas, dos seus encantos, das suas cores, odores e sabores, como é próprio de todas as pessoas cultas e adultas.
https://youtu.be/8cqqPW7-TGY