Chamaram-lhe um ESCÂNDALO, um PRETO, um JOGADOR DE FUTEBOL, um HOMEM COM SAIA e até um LADRÃO a fugir do templo, depois de praticar um assalto. Tolo. Com duas janelas ao lado e atravessou a parede sem a esbarrondar. Um milagre, por certo.
Já disseram quase tudo sobre a novel ESCULTURA de JOSÉ LUIS LOUREIRO posta no rosto da sacristia da IGREJA MATRIZ DE CASTRO DAIRE.
Mas a tempestade, neste mar agitado de “escárnio e maldizer” (uns por ignorância, outros por malquerer) vai amainando. E, se PEDRO, apóstolo de carne e osso, sobreviveu às águas agitadas do MAR DA GALILEIA, o SÃO PEDRO moldado em bronze, remoçado, alto e pesado, a levitar nos ares de Castro Daire, vai, seguramente, ter um futuro longo e largo.
Mas eu cometeria uma grande injustiça não dar alguma razão aqueles que viram naquela ESCULTURA um JOGADOR DE FUTEBOL. É que, mesmo ignorando isso, aqui lhes digo, a esses maldizentes, que bem perto do sítio onde ela foi posta, existiu um ESPAÇO destinado ao JOGO DA BOLA.
Passo a contar o que reza a HISTÓRIA:
Decorria o ano de 1863. Repito por extenso e em letras maiúsculas: “MIL OITOCENTOS E SESSENTA E TRÊS”, o ano em que a MESA DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE CASTRO DAIRE decidiu construir o HOSPITAL que chegou até aos nossos dias, convertido num LAR DE TERCEIRA IDADE, designado LAR SÃO JOSÉ.
Para que tal ideia pudesse ser levada a cabo, necessário se tornava haver um terreno propício e, para tal foram ouvidos o Partido Médico, o Administrador e o Delegado de Saúde do Distrito. E estes aconselharam um terreno existente ao lado da Igreja Matriz, terreno onde estavam implantadas três casas contíguas, confrontando com o “Largo do Arco da Igreja, com o CARREIRO DA BOLA e com o Passal”.
Não se podendo desalojar os moradores sem a respetiva indemnização, o rei Dom Luís autorizou a compra dos terrenos e o inquilino António José Monteiro recebeu 72.000 mil reis, José Ferreira Simões, 60.000 mil reis e João da Cunha, 55.000 mil reis, tudo em “metal sonante”, para deixarem os seus aposentos.
O senhorio direto era o Abade de Castro Daire, Manuel Pinto Machado de Sousa Alvim, que recebeu o correspondente “laudémio”, da transação, v.g. 4$675 reis.
Ora cá está. Todos estes pormenores serviram para sublinhar que nas cercanias da Igreja Matriz de Castro Daire, a HISTÓRIA regista ter existido um espaço onde se jogava a BOLA. O documento por mim utilizado fala no “CARREIRO DA BOLA”, mas a designação de “LARGO DA BOLA”, “TERREIRO DA BOLA” e “CAMPO DA BOLA” chegou , por via oral, até aos tempos presentes, pois nesse espaço se entretinha a “canalha” castrense a “jogar a bola” de trapos, pés descalços, como bem me contou o Mestre Sapateiro, Abel Ferreira, no dia 01 de junho, pretérito passado, antes de qualquer alarido em torno da ESCULTURA. (cf. link do vídeo, em rodapé).
E de “PÉS DESCALÇOS” está também aquela FIGURA, em jeito de quem joga a bola, daí alguns castrenses, na tentativa de amesquinhar “CRIADOR E CRIATURA”, verem nela um JOGADOR DE FUTEBOL, em vez de um SANTO.
Diferente e tanto é, contudo, a postura do HISTORIADOR. E aqueles PÉS DESCALÇOS, em posição de marcha, em posição de andamento, de passo dado, trouxe-me à memória o ÊXODO BÍBLICO, a grande marcha do “povo eleito” através do deserto, alimentando-se de maná, durante 40 anos. Um milagre, um acontecimento que atravessou séculos e que, em 1264, o PAPA URBANO IV, instituiu como a FESTA DO “CORPUS CHRISTI”, designação que, pela grafia e fonia (excluída a semântica) remete imediatamente para CRISTIANO, daí que todos os que treinam a tola a ler os jornais “Record”, o “Jogo” e “A Bola”, vejam na escultura um futebolista e chamem CATEDRAIS aos ESTÁDIOS DE FUTEBOL. Eles que idolatram, endeusam e santificam os seus jogadores preferidos. É tudo uma questão de ANALOGIAS, DE CRENÇAS, de MILAGRES, de TEMPLOS e dos ÍDOLOS DOS NOSSOS DIAS.
Aquela ESCULTURA fundida em bronze, alta e pesada, com aqueles “PÉS DESCALÇOS”, em posição de andamento, em posição de marcha lenta, com tão ampla significação popular e bíblica, com significado tanto, só pode dever-se ao génio iluminado do ARTISTA, ou à inspiração do ESPÍRITO SANTO.
Seja como for, em qualquer dos casos, virada a nascente, olhar em frente, andar confiante, tal como o “povo eleito” (convém lembrar que Jesus e os apóstolos eram judeus) terá sempre, em Castro Daire, de enfrentar o DESERTO das LETRAS E DAS ARTES e deixar a pegada no confuso areal das opiniões alimentadas pelo maná da ignorância e do maldizer.
Mas, fundida naquele metal, assim pesada e pensada, dura de roer, bem alto colocada, fora do alcance do camartelo e de mão sacrílega desejosa de lhe fazer dano, com fé ou sem fé, com bola ou sem bola, resistirá tempos fora, muito, muito ano, tal qual é.
E como disse um dia um conhecido político, a propósito de um evento nacional:
- HABITUEM-SE!
NOTA: o vídeo, cujo link se anexa, foi feito antes de qualquer alarido levantado em torno da ESCULTURA em causa. Fala da “MALTA DO PÉ DESCALÇO”. PREMONITÓRIO.