LAR, DOCE LAR
“COMO SE FAZEM AS COISAS”
É o nome do programa de um dos CANAIS televisivos da CABO. E se ali tomam assento todas as “coisas” dignas de ver, digamos úteis ao ensino e aprendizagem, mais pedagógicas do que comerciais, todas elas saídas da imaginação e criatividade humanas, destinadas a desempenharem uma função de vida simplesmente utilitária ou animadamente recreativa, não menos digna de figurar no mundo é o TACO sobre o qual escrevi na crónica anterior e que me leva a repetir o gesto, falando destoutro.
Cá em casa, numa das estantes da minha Biblioteca, existem dois volumes editados pela “Reader’s Digest” em 1977, (ver foto ao lado) cujo conteúdo não integra o meu currículo profissional - PROFESSOR - mas nem por isso deixaram de ser adquiridos e consultados, no devido e necessário tempo.
Lembro que não sendo eu CARPINTEIRO, recém-retornado de Moçambique, sem dinheiro, com dois filhos a crescerem em casa, depois do berço e da caminha retangular gradeada (uma autêntica gaiola), outro remédio não tive, senão congeminar e fazer, usando somente tábuas saídas da serração, as camas de solteiros, desde as cabeceiras, longarinas e estrado, que os meus filhos tiveram neste Portugal de abril. Era o ano de 1982.
Botei contas à vida e adquiri todo o material necessário - madeira, ferramentas e ferragens, no COMÉRCIO LOCAL. O resto foi imaginação, tempo e mãos-à-obra, manejando serras, serrotes, plainas, o berbequim, brocas e mais ferramentas sobre a banca que a BLACK & DEKER tinha no mercado e que ainda andam cá por casa, guardadas lá nos fundos.
Vem isto a propósito do texto que aqui deixei recentemente sobre o TACO acima referido, que encontrei na rima de lenha destinada a ser queimada na lareira. Hesitei, na altura, em dizer a qual dos meus filhos teria pertencido, sendo certo que de um deles era e, por isso mesmo, aparecido aos meus olhos e caído nas minhas mãos, livre estava de ser transformado em brasa, carvão e cinzas. Bem pelo contrário, foi restaurado e exposto em sítio (des)tacado, deixando nele algo de meu no tratamento e acabamento, como referi.
Tendo dois filhos, encontrado que foi esse objeto, deixei suspensa a ideia da verosímil existência de outro TACO, pois se dois irmãos havia, por certo dois tacos teriam feito, já que ambos se iniciaram, como disse, na idade de ESCOLA PRIMÁRIA, no desporto de “hóquei em patins”, na vila de Castro Verde, donde saí quando, no ano letivo de 1983/84, retornei a Castro Daire, meu concelho de origem.
Eureca! E então não é que esta minha suspeita tinha razão de ser? Com dois dias de intervalo, carreando lenha para a lareira, eis que o IMAGINADO TACO, durante anos entalado e escondido entre achas e retalhos de madeira sobrantes das obras de reconstrução, apareceu.
Face ao achado, de duas, uma: ou eu retomava o texto já publicado e lhe acrescentava uma SEGUNDA PARTE, ou escrevia texto novo e lhe juntava as necessárias fotos de ilustração.
Decidi-me pela segunda opção, v.g. fazer texto novo, ainda que ele seja complementar do primeiro.
E aqui esclareço agora, pois já estou em condições de fazê-lo, que o primeiro TACO, apesar de não ter nome, foi pertença do NURO (o filho mais velho) já que o, segundo, agora encontrado, tem o nome VALTER escrito numa das faces laterais, como facilmente se vê.
Manifestamente em melhor estado na parte da madeira, em pior estado se encontrava nas duas peças metálicas destinadas a juntarem e reforçarem a curva feita na base. O Nuro usou ZINCO e o Valter usou CHAPA vulgar de mais fácil oxidação. E, como se vê, não fora agora encontrado, se a ferrugem continuasse a mordê-lo como vinha fazendo, em breve se diria: “era uma vez um taco”.
O Nuro apostou no pinho e no zinco. O Valter no eucalípto e na lata vulgar. Opções e escolhas suas. Matéria-prima havia cá em casa e ferramentas também e um livro com o título «Faça você mesmo». As duas peças, ora descobertas ocasionalmente, não sei se as suas “obras-primas” infantis, duraram bastante para chegarem até mim, com 81 anos de idade. E, ao encontrá-las, em tempo de frio e de confinamento, solitário, que melhor coisa podia eu fazer, senão tratá-las e preservá-las, em vez de queimá-las?
Claro está que lhe dei o tratamento adequado. Da rima de lenha saltaram para a bancada e, limpos de pó, coube à grosa passar pelas arestas da madeira e lixa grossa, de ponta a ponta, sem, contudo, lhes retirar o caráter “artesanal e infantil» nicial.
Tratados com imunizador de madeira e de ferrugem, uma vernizadela pelo corpo inteiro, algumas brochas amarelas com “ares da minha graça”, eis os dois companheiros de distração e algazarra de outros tempos e preocupações, aqui estão juntos novamente. O primeiro enrolado com fita adesiva de várias cores ao longo de quase todo corpo. O segundo, sem esse revestimento, não apresenta danos de maior provocados pelo bicho. Estou certo que ambos perdurarão por mais alguns anos sem envergonhar os seus “artífices” e a prole que eles já têm e mais que, eventualmente, venham ter.
Dir-me-ão alguns dos meus leitoree amigos que estes objetos não valem o trabalho, o dinheiro e o tempo que gastei a restaurá-los. Pois talvez não valham. Mas esses meus leitores e amigos, os que, por ventura, assim pensem, não sou eu, nem habitam a casa onde eles estão expostos. Pois. É que, na ausência dos “artífices infantis”, dos seus “criadores”, nestas atitudes que são muito minhas, as “criaturas” colocadas onde estão, dialogam comigo todos os dias e bem merecem estas linhas.
LUGAR DESTACADO
As coisas simples (tão naturais elas são), dispensam grandes elucubrações de pensamento e explicação. Quem, por exemplo, ocupou algum do seu tempo a pensar na PORTA da sua própria casa, por onde entra e sai a cada passo?
Pois. Mas, sem ela, a moradia, apartamento, castelo, mosteiro, igreja, capela ou ermida, não passariam de espaços mortos, vazios e sem vida. Através dela, os habitantes e utilizadores podem usufruir dos espaços interiores e exteriores, próximos ou distantes. Podem socializar-se, se não houver CONFINAMENTO. Mas até que o homem, na sua trajetória histórica, dominasse a técnica de ligar uns e outros (tais espaços) correu muita água pelos rios abaixo e encostas de cerros e montes.
As datas e legendas que, lidas ou delidas, sobreviveram inscritas nas padieiras (torças) das portas da frontaria principal de edifícios históricos, profanos ou religiosos, mostram a importância que tiveram e têm na HISTÓRIA DA ARQUITECTURA.
Pois foi sobre a porta da minha moradia, do lado interior, o sítio escolhido por mim, para EXPOR as “obras-primas” dos meus dois filhos. Os TACOS que, para seu divertimento, eles fizeram como muito bem entenderam, sem interferência do pai. Eu somente lhes forneci a matéria prima e as ferramentas. E agora, encontrados no estado que as fotos mostram, somente dei um jeito no acabamento e cuidei de os recuperar para MEMÓRIA E HONRA SUA.