Trilhos Serranos

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domingo, 13 dezembro 2020 18:11

A NATUREZA E EU

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PATRIMÓNIO MATERIAL E IMATERIAL

Julgo não ser novidade para alguém esta minha ligação à terra e, por conseguinte, à Natureza. Daí as minhas «CONVERSAS EM ANDAMENTO» alojadas no YOUTUBE, aqueles registos em vídeo que vou fazendo por matas, montes e barrancos, a falar de árvores (e com árvores) de plantas, de azevinhos, carvalhedos, urgueiras, giestais e a comparar a vestimenta que cobre a serra do Montemuro, nos meses de maio de cada ano, com uma dalmática de clérigo ou casaca e jaqueta de toureiro.  E alojados no Youtube estão também os vídeos que fiz com as minhas netinhas a colher as batatas granjeadas no canteiro do meu pátio, ali, onde a avó MAFALDA, professora e artista, que lidava com pinceis e cores, aguarelas e lápis de cera, lápis de carvão e fixador, como mostrei recentemente em vídeo - um tributo meu merecido e devido -  não hesitava em estragar o verniz das unhas e, da mesma terra, tirar a salsa e os coentros e demais plantas ornamentais ou de cozinha. Nós e a natureza. Isto muito antes de entrarem em moda as «hortas de Lisboa e arrabaldes», esse  novel e louvável projeto posto em prática por antropólogos, sociólogos, psicólogos, historiadores e paisagistas urbanos, com valor patrimonial bastante para entrar nos programas radiofónicos e televisivos. Basta estar atento e vivo.

 PRIMEIRA PARTE

VIVEIRORecentemente, por este meu apego à natureza e por imperativo de cidadania, não silenciei o derrube das árvores que davam corpo, verdura e sombra, o antigo parque «JAE», no alto de Farejinhas, completando o meu desconforto com o extratos manuscritos de um livro que pertenceu à «Conservação das Estradas de Portugal no Distrito de Viseu» (1929-1940)  com destaque para os viveiros que esses serviços tinham no troço na Estrada nº 7-1ª (NTIGA Nº 7) entre S. Pedro do Sul e Régua, a fim de cultivarem CEDROS, ZIMBROS e outras árvores, incluindo  AMOREIRAS. Os leitores que me seguem (e estou certo de serem alguns) não esqueceram, seguramente, a obrigação imposta ao senhor Engenheiro responsável pela Elétrica Duriense de «plantar QUATRO AMOREIRAS por cada pinheiro que derrubasse» no traçado das linhas elétricas.  

Tudo isso me remeteu para o meu ficheiro de investigação (há muito imobilizado) que levei a cabo em Castro Verde, alertando que igual pesquisa não poderia fazer (nem fiz) em Castro Daire, pela simples razão de se terem evaporado os livros de registos das «sessões municipais» desses tempos idos. Disse até parecer ser congénito, por estas bandas, fazer desaparecer o PATRIMÓNIO HISTÓRICO, arquivado em DOCUMENTOS ESCRITOS ou em ARVOREDO PLANTADO, como foi o caso relatado em texto escrito e vídeo.

Ora, uma das primeiras fichas, dada a ordem ordem alfabeta de organização, diz respeito ao plantio de AMOREIRAS. Já aludi a essa tarefa em crónica anterior, mas a ela volto para deixar digitalizado, aqui e agora,  o texto que recolhi num desses livros. Assim:

 

SEGUNDA PARTE

 [Lv. DAS VEREAÇÕES  DA CÂMARA – 1680 ]

1-amoreiras - Cópia[Em 31 de-7-1680] «No termo desta vila de Castro Verde, onde eu escrivão fui com o Juiz Ordinário Belchior Afonso e com o Juiz Sebastião Rodrigues e com o Alcaide Martins Fernandes e com o porteiro Francisco Guerreiro ver as amoreiras que estavam postas e pegadas destes anos passado e fomos às hortas do Couto e termo desta vila e mais lugares onde se plantaram e se achou que na Horta das Fontainhas se não achou pegada amoreira alguma das que o hortelão tinha plantado que era (uma) quantidade delas e só se achou na dita horta que estão duas amoreiras antigas que não é das que de novo se plantaram. E na Horta da Ordem se achou que nenhuma das amoreiras que o hortelão tinha plantado de estaca não estava pegada nenhuma e estas se acharam quase postas e secas e na dita horta se achou uma amoreira pequena antiga que não é das que se plantaram de novo. E na horta do Surdo se não achou amoreira alguma pegada das que o hortelão tinha posto. E na Horta da Iria se achou uma pegada das que o hortelão tinha plantado de estaca a qual estava verde com folhas e arrebentara por baixo de que tinha um pâmpano de que procedia o vir de baixo da terra e a mesma horta tem outra amoreira antiga. E na Horta do G2-amoreira - Cópiairaldo se não achou amoreira nenhuma pegada das muitas que se tinham plantado. E na Horta da Serrana se achou estar uma amoreira arrebentada com uma vergôntea e folhas verdes e uma estaca das que se plantaram que estavam secas as  demais a qual estaca esgravatando-se-lhe a terra estar o pau verde, mas não arrebentada. E na Horta da Nora se achou que das estacas que se tinham plantado não estava nenhuma arrebentada e sozinha uma amoreira antiga. E na Horta do Reguengo se não achou das estacas que se tinham posto não estava nenhuma arrebentada e todas estavam secas. E na Horta dos Peixes se não achou nenhuma estaca das que se tinham posto pegadas e todas estavam secas. E na Horta da Almoleia se achou estar uma pegada das que se tinham posto. E na Horte da Corte se não achou amoreira nenhuma das que se tinham posto pegada, mas na dita horta estão três amoreiras antigas que o dito hortelão declarou que semeara a semente, mas que não nascera. E na Horta que chamam Hortinha se não achou nada pegado das amoreiras que (lá) se tinham plantado. E também constou, a eles Juízes, que o hortelão da 3-amoreira - CópiaHorta da Ordem tinha semeado as sementes, mas que não nascera nenhuma. E esta diligência fizeram os ditos oficiais por ter vindo um precatório do Provedor desta Comarca para que lhe mandassem certidão das amoreiras que estavam pegadas de que mandaram fazer termo» [assinaram] (Fls. 55v-57r)

Idem - Em 27-8-1680 o Juiz ordinário Belchior Afonso «mandou vir perante si todos os hortelãos desta vila e seu termo para a ver de lhe ensinar e declarar a forma e modos com que se haviam de haver em a planta das amoreiras e sementeira delas. E sendo presentes os ditos hortelãos [foram ensinados e depois] ficaram de fazer toda a diligência possível [para que o plantio e sementeira resultassem] (Fls. 66v-67r).

Foi em 1680. Que mais não seja a digitalização deste texto, para além do conteúdo,  vale pela preservação dos  topónimos referidos e das diligências que os "oficiais da câmara", tambêm ditas "justiças da terra", o mesmo que os EXECUTIVOS actuais, faziam no sentido de dar cumprimento às pragmáticas de D. Pedro II, apostados no plantio de amorreiras para repasto dos bichos da seda e Portugal ficar liberto da importação dos têxteis ingleses. 


4-amoreira - CópiaAqui temos um bom exemplo do contributo que a HISTÓRIA LOCAL pode dar ao melhor conhecimento da HISTÓRIA NACIONAL E GERAL. E também à sensibilização dos alunos para essa disciplina formativa, tão mal tratada por alguns colegas meus que se limitavam a "ler" os conteúdos COMPENDIADOS, segundo me diziam os alunos que tinham tarnsitado de ciclo, saudosos do método entre nós usado. Eles que o digam agora, adultos que são e alguns deles e delas docentes se tornaram colegas meus se fizeram.  

Na parte que me coube, nas escolas por onde andei, como digo,  sempre procurei entrelaçar a HISTÓRIA LOCAL com os conteúdos do PROGRAMA OFICIALMENTE ESTIPULADO e disso ia dando exemplo público, pois para poder ensinar era preciso primeiro aprender. E a aprendizagem só podia resultar da  investigação e publicação subsequente.. 


três partes-redHoje deixo aqui uma das minhas fichas manuscritas, muitas que engrossam o ficheiro. Devo dizer, em abono da verdade e da HISTÓRIA, que já havia ficheiros mais evoluídos e sofisticados. Eles não estavam, porêm, ao alcance da minha bolsa. E tive de  improvisar este suporte de recolha de informação, recortando cartolina à medida conveniente ao espaço da minha secretária. E não vinha mal ao mundo por isso. Eu  tinha presente uma afirmação do meu PROFESSOR DOUTOR HUMBERTO BAQUERO MORENO que, referindo-se ao investigador  LEITE DE VASCONCELOS, disse a toda a turma que,  quando ele viajava de comboio ou diligência, sem suporte de escrita disponivel, botava mão aos   BILHETES de viagem e neles escrevia não só o que descobria olhando em redor, mas também as ideias do momento relacionadas.

inteiraDito e pensado isto, ficha de pequenas dimensões, diminuta devia ser a letra da tanscrição que nela coubesse. Felizmente havia no mercado uma caaneta de tinta permanente, barata, de marca «NAVI GOLD G200» de aparo adequado aos meus propósitos.

A escrever mais fino, só os históricos aparos de aço da velha ESCOLA PRIMÁRIA. Recebia carga de tinta num depósito de borracha, a imitar a caneta PARKER. Comprei-a e ainda hoje a possuo e nela vejo uma companheira de viagem. Merece figurar nesta crónica com a carga de «extensão humana» que nela ponho.

Se este texto é uma lição, aprenda quem julgar necessário. Inclusive auele meu amigo que, em privado, num certo tom recriminatório, me disse que nunca as árvores do meu quintal e as que rodeiam Fareja foram tão expostas ao mundo e pelo mundo conhecidas. Até as que foram DERRUBADAS no ALTO DE FAREJINHAS. 

 

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.