DELFIM FERREIRA DA SILVA
Agradável surpresa. Em 2018 desloquei-me à aldeia da Moita, concelho de Castro Daire, a casa do senhor Delfim Ferreira da Silva. Tínhamos falado pessoalmente na vila, a propósito de PATRIMÓNIO histórico e divagado sobre poesia. E disse-me que possuía em sua casa muito material recolhido relacionado com a vida do seu tempo, do tempo dos seus pais e avós dos nossos avós.
Fiquei em fazer-lhe uma visita, um entrevista, registar em vídeo e pôr no mundo um DOCUMENTÁRIO HISTÓRICO do que, verdadeiramente, devia possuir o MUSEU MUNICIPAL DE CASTRO DAIRE. O prometido é devido e assim fiz.
Fiquei espantado e encantado. Hoje reponho, em rodapé esse vídeo, pois, ele complementa a leitura que acabei de fazer, de fio-a-pavio, do livro que, neste ano de 2020, com o título “PAIXÕES, SENTIMENTOS E VERDADES” ele publicou (edição pessoal) com a poesia que lhe corre nas veias.
O senhor Delfim assume-se como poeta.
Os meus dias passam rapidamente
Como se dispersa uma nuvem no céu
Assim não pensará toda a gente
Do mesmo jeito Que eu!
Ele descortina poesia em cada coisa onde põe os olhos. Caracterizamente poesia popular, sem pretensão a figurar em qualquer antologia escolar, nela se nota que o verbo, a palavra, substantivo e adjetivo, não acompanham, nem alinhavam, nem rendilham os seus pensamentos, sentimentos e emoções, segundo os paradigmas poéticos institucionais.
Pois. De pensamento formatado numa comunidade cristã, com o grau de literacia alcançada na ESCOLA PRIMÁRIA, tudo quanto escreve transpira os princípios da comunidade onde nasceu, cresceu e se fez gente, com a roupagem resultante das lacunas e contradições vividas e sentidas nos caminhos por onde andou e pessoas com quem viveu e conheceu em Portugal e no estrangeiro. Um tom catequético é, a bem dizer, a banda sonora do fita que ele faz girar em letras visando mostrar nelas traços da sua personalidade e caminhada de romeiro, nas encruzilhadas da vida por onde andou, sempre de olhos e coração abertos:
Tenho o verde aqui tão perto
Ao lado da minha varanda
Mais longe parece um deserto
-“Meu Deus, como isto anda!
Assumindo-se poeta e nessa condição discorre e escreve. E não fora o apego que ele tem à rima (há quem pense que tudo o que rima é poesia), outro galo cantaria. Os pensamentos, as vivências e emoções de alegria, amizade e tristeza, encantos e desencantos, que transferiu para o papel (agora em livro) estariam mais de acordo com o brilho do seu olhar e inquietações. E a sua imaginação e criatividade surtiriam outro apelo e outro chamamento. O turbilhão desses sentimentos e formas de olhar o mundo encontra, seguramente, na RIMA o tolhedouro que desvia a água do rodízio do moinho e lhe trava o movimento, às vezes a moer e bem e pertinentemente atitudes políticas bem dignas de serem reduzidas a farinha:
(...)
Oferecem canetas e bonés
Cartazes aos pontapés
Nas paredes e no chão.
Depois parecem de lés a lés
Não se importam quem tu és
Em por igual consideração.
Antes, se lhe peço um favor
Dizem logo: “sim senhor
Disponha sempre, senhor Delfim”!
Mas como não me trajo a rigor
Para eles não tenho valor
Até se afastam de mim.
Ajudam e patrocinam
Para onde eles querem e se inclinam,
Em eventos, desportos e muita coisa boa, útil e bonita
Só que ainda não atinam
Que se não souberem, não ensinam
O de não haja a cultura da escrita.
(...)
Exigente que sou, comigo mesmo, nestas coisas da escrita, e exigente que sempre fui com os meus alunos no campo da literatura, li o livro do princípio ao fim pelo respeito que me merecem as pessoas simples que, cruzando-se comigo na vida, se revelam autênticas, sãs, sem bancar a intelectuais. Aquelas que, de forma simples, me dizem mais os seus gestos e comportamentos humanos do que aquilo que dizem e escrevem.
Cedo me habituei a saber que não são as palavras, ditas ou escritas, (bem ou mal, segundo a regra gramatical) que revelam a verdadeira essência humana. São sim as suas atitudes e comportamentos face ao seu semelhante e pegada deixada no trilho da imaginação e da criatividade revestidas de honestidade. Sempre me bati pela autenticidade humana terçando armas contra a hipocrisia e “conversas interesseiras e de conveniência”. E ele é isso mesmo, ele próprio, autêntico, simples, humano, mas atento:
Amigo me apercebi
Que sorrias nas minhas costas.
Se eu fizesse o mesmo a ti?
Será que tu também gostas?
Atento aos comportamentos pessoais e sociais, olhos postos na natureza, sensível às coisas, objetos e ferramentas como extensão humana que são, basta entrar na sua garagem, na Moita. Aquilo é um MUSEU e um MUSEU é uma BIBLIOTECA. Nenhuma das peças ali existentes, caiu do Céu. Foi o seu sensível olhar poético, o seu respeito pelos nossos antepassados e propósitos de deixar a “vida-morta” aos vindouros vivos que, com o aval da esposa e da família, ali foram recolhidos e guardados. “Um por todos e todos por um”.
Falei-lhe há dias nas antigas “cardas” muito usadas no nosso meio pelos profissionais cardadores, numa das fases do fabrico de tecidos de lã. Não tinha. Mas pôs pés a caminho e anda a diligenciar no sentido de as desencantar algures.
Que mais não fora, por tudo isto, o senhor DELFIM FERREIRA DA SILVA teria de merecer a minha consideração, o meu respeito, a minha estima e a gratidão de me proporcionar escrever estas linhas e pôr no mundo, por boas razões, mais uma figura natural do concelho de Castro Daire, à semelhança do que fiz com o vídeo, em 2018, cujo link se anexa. Ora vejam: