Então não havia nada disso, mas havia a GUERRA COLONIAL. E para as colónias partiam barcos e aviões abarrotados de militares, desde 1961. Iam defender a PÁTRIA, assim lhes diziam, recrutados nas bisonhas aldeias, arrancados dos campos, à agricultura e à pastorícia. Alguns deles às artes.
E, já depois do 25 de abril, dia histórico que pôs fim à guerra, ainda de Cujó partiu para Moçambique, Celestino Teixeira. Mobilizado, enfermeiro de especialidade, iria de avião. Não era o único que da aldeia conhecera a África. Outros por lá tinham andado e ficado. Mortos. E nessas terras longínquas foi ele encontrar mais dois irmãos. O Moisés e o Martinho, prestes a retornarem à Pátria.
Sabida que foi, em Cujó, a mobilização do Celestino para Moçambique, os meus pais, sem a mínima ideia das distâncias que separam as cidades daquele território prestes a tornar-se independente, correream a casa dos seus pais e pediram-lhe para ele meter na sua bagagem uns salpicões destinados aos filhos que ali habitavam.
Que sim, senhor. Salpicões metidos na bagagem e ala. A encomenda seria entregue. Só que as coisas não são tão simples, assim. O avião foi aterrar na cidade da Beira, a mil quilómetros de Lourenço Maraurs. E o Celestino viu-se metido numa camisa de sete varas.
Teve a sorte de encontrar os dois irmãos nessa cidade e pô-los ao corrente do RECADO. Certo. Nada de atrapalhações. Os salpicões chegariam ao destino, não em mão, mas pelo correio. Originários da mesma cepa, foram-lhe ensinar onde era a estação dos CORREIOS e ele logo que pudesse que fosse ali despachá-los. E foi. E a encomenda chegou aos destinatários.
Sim, senhores. Jovem, bem poderia desenvencilhar-se dos incómodos, fazer uma festarola com uns amigos, e ... "era uma vez uns salpicões". Mas não. Rapaz de palavra, honrando os valores aprendidos em família, não olhou a dificuldades e despesas para que o recado fosse cumprido.
É isso. Ele teve as dificuldades, as depesas e os incómodos que agora relato. E nós, os destinatários, tivemos o prazer de ferrar o dente naquelas peças de fumeiro feitas pela minha mãe e fumadas nos varões suspensos no caniço da cozinha dos meus pais, em Cujó.
Moral da história: dadas as bolandas daqueles salpicões, eles deixaram para toda a minha vida o sabor dos afectos paternos e o tempero da confiança e honradez que lhes impregnou o mensageiro, dando cumprimento do recado.
Vejam o vídeo, cujo link anexo. E digam da vossa justiça.
https://youtu.be/Z4d24UbS0qs