Ora vejam o recorte ao lado.
Então, tal como um século depois (2019) os bacteriologistas «andavam à nora», para usar a expressão que utilizei na minha primeira crónica desta série.
Diz a notícia que a maleita «ataca pessoas de todas as condições e qualidades» e acaba por aparecer em Portugal, alastrando-se já a muitos distritos.
Sintomas da doença: «dores de cabeça, moleza nos membros, febre intensa, mas passageira, vómitos e, por vez, diarreia» («Echos do Paiva», 16-6-1918)
E o mesmo jornal, de 6-10-18 com o título «EPIDEMIA» esclarece que a ‘influenza’ que tem grassado tão intensamente nalgumas regiões, causando bastantes mortes, já se manifestou na nossa freguesia, mas com características benignas, por enquanto. Na freguesia de Almofala até esta data, já se deram 10 casos fatais».
E segue a curiosa proibição de uma feira no distrito da Guarda. Assim:
«Em virtude de grassar em alguns concelhos do distrito Guarda a gripe infecciosa, foi proibida por indicação das autoridades sanitárias a Feira de S. Francisco que naquela cidade devia realizar-se nos dias 3-4-5 do corrente».
E o mesmo jornal de 3-11-18 informa que sobre o amistoso cumprimento do «aperto de mão e do beijo» o diário lisbonense «A Opinião» publicou o seguinte com o que absolutamente concordamos:
«Enquanto durar a epidemia está proibido o aperto de mão. As mãos com luvas ou sem elas apertam durante o dia e a noite centenas de outras mãos que, por sua vez, apertam também outras tantas centenas (…) e o que dizemos do aperto de mão, dizemos do beijo entre senhoras, que dos beijos de amor não falamos porque seria tempo perdido. Com efeito esses nem por decreto ou em face da pior das epidemias…»
E em notícia mais desenvolvida, neste mesmo número, o jornal informa, dando o nome à doença. Assim:
«A GRIPE PNEUMÓNICA»
«Depois de ter flagelado a freguesia de Almofala, onde tantas vítimas causaram, o terrível flagelo estendeu-se por todo o concelho na sua marcha devastadora, arrebatando para os túmulos centenas de vidas e deixando na negra orfandades muitas criancinhas.
Nesta vila houve dias de verdadeiro terror – pânico, vamos escrever - ao circularem as notícias tétricas de falecimento de pessoas conhecidas, ao verem-se atravessar as ruas os préstitos fúnebres, ao encontrar-se a maca a toda a hora que transportava doentes para o Hospital da Misericórdia e para o hospital provisório que se instalou na casa da Escola Conde Ferreira.
Felizmente que os casos diminuíram nesta vila e o sossego vai reaparecendo no ânimo da gente. A coadjuvar os médicos municipais têm prestado relevantes serviços, o senhor Dr. João Marques de Almeida, os quartanistas de medicina Virgílio Antunes, e José maria da Silveira de Lacerda Pinto e o alferes enfermeiro Manuel Dória.
Tendo faltado medicamentos foi requisitado o automóvel do senhor Luís de Agatão Bayard no qual foram a Lamego buscá-los os senhores Dr. Manuel Carlos Cerdeira Guerra e Guimarães, secretário da Administração forense».
Dentro das vítimas desta vila, que são numerosas, lembram-nos as seguintes:
«Alípio Pereira Amador, Victor Alexandre Pinto, Samuel Duarte Pereira, Daniel Coelho. Alfredo Curvo Semedo, Julião Lourenço Carneiro, Manuel de lemos, Francisco Duarte Pinto. Chiquinho e Purifica de Carvalho».
E em 24-11-18, repetia:
«A FEBRE PNEUMÓNICA»
Tem decrescido extraordinariamente em todo o concelho a epidemia reinante e que tantas vítimas causou. Na última semana. Nenhum caso se registou na vila. Em algumas freguesias como Mões, Mouramorta, Pepim e Reriz, tem-se dado alguns casos, mas o decrescimento manifesta-se geralmente.
À parte esta epidemia, o estado sanitário no concelho é bom».
Nessa altura, como sobejamente deixei demonstrado no meu livro «Castro Daire, Imprensa Local, 1890-1960» este jornal coexistia e concorria com «O Castrense». O «Echos» era afeto aos monárquicos e «O Castrense» aos republicanos democráticos. O primeiro deixaria de se editar, em 1919, com o fim da «Monarquia do Norte e o segundo prosseguiria a sua senda até 1932, mas não resistiria às políticas do Estado Novo.
É, pois, em «O Castrense», de 10-10-18 que, aludindo «A GRIPE PNEUMÓNICA», diz que o «Dr. Ricardo Jorge, Diretor Geral da Saúde Pública» formulou alguns cuidados a ter contra a epidemia:
- higiene e limpeza
- evitar aglomerações de pessoas e contactos com doentes.
E como prevenção devia usar-se «gargarejos mentolizados ou salgados». Os pobres podiam usar «um gargarejo barato, derretendo duas colheres pequenas cheias de sal de cozinha em um litro de água».
E o mesmo jornal do dia 20-10-18, acrescenta, com o título
«FALECIMENTOS»
Vitimado pela grupe pneumónica faleceu nesta vila, em 8 do corrente, o nosso amigo Sr. Júlio Cândido de Oliveira Figueiredo, empregado municipal. O falecido contava somente 29 anos de idade. Era filho do falecido Dr. António Cândido de Oliveira Figueiredo e casado com a senhora D. Hermínia Pamplona Corte Real de Sousa Figueiredo. Deixou na orfandade 8 filhinhos. Era estimado por todos, tendo a sua morte causado geral consternação.
Em Almofala faleceu uma filhinha do nosso amigo Sr. João Morais da Silva Júnior, de nome Custódia Morais Carneiro. De 6 anos.
E, em 10-11-18 «O Castrense» desenvolve a informação aditando números, sublinhando serem aqueles que se sabiam até ao momento. Até aos fins de outubro, «que foi o período de mais intenso ataque do maior número de óbitos. Concluindo que no concelho «regula em média por 430 o número de óbitos que neste concelho se registou em cada mês».
Para melhor leitura arrumei esses números em grelha, facilitando assim a sua leitura. Estamos no ano de 1918:
MÊS |
DIAS |
ÓBITOS |
SOMA |
SETEMBRO |
1 a 1010 a 2020 a 30 |
101333 |
66 |
OUTUBRO |
1 a 1010 a 2020 a 31 |
2561200 |
286 |
NOVEMBRO |
1 a 6 |
77 |
77 |