HERÓIS DA SERRA
Neste mês de setembro passei parte dos serões a ver cowboys e a apreciar as suas relações afetivas com o gado, vacas e cavalos à sua guarda, ou ao seu serviço. E, em cada coboiada na conquista do oeste, nariz virado ao futuro desconhecido, eu vi uma aventura de cada ser humano na conquista de um lugar ao sol, de algo que fosse seu, um pedaço de chão resguardado dos quatro ventos, com cobertura adequada para o desvio das chuvas e as neves.
PRIMEIRA PARTE
Em boa verdade, apesar da profissão que busquei - PROFESSOR - nunca me desliguei verdadeiramente da “terra, animais e gente”. E não será por acaso que esta “trilogia” já serviu de título a algumas das minhas crónicas escritas e em vídeo.
Isto para sublinhar o quanto, em 1975, me revi naquele PASTORINHO que fotografei na Touça, a fazer-me lembrar o episódio do meu encontro com os caçadores do Porto, quando tinha mais ou menos a sua idade e exercia as mesmas funções: guardar gado.
Infelizmente, porque ninguém o identificou nas redes sociais, esse nosso HERÓI DA SERRA ficará, na história, como “filho da tia Lurdes”, aquela senhora, que eu conheci muito bem, filha da tia Clementina, que foi vizinha dos meus pais. Isto se a memória não me trai, pois também estou habituado a algumas partidas que tantas vezes ela nos prega, que é substituir as dúvidas pelas certezas.
As diligências para identificá-lo ainda não pararam e graças ao empenho que nisso puseram alguns amigos meus, que levaram a sério o meu desejo. E, de caminho, foi excluído o LUIS que, em 1975, teria apenas UM ANO de idade, fato que remeteu para os dois irmãos de idade próxima, seja o AGOSTINHO, que, nessa data, teria NOVE anos , ou o LOT que teria SETE OU OITO.
O AGOSTINHO, entretanto falecido, não pode confirmar o episódio, restando-nos, portanto e somente o LOT que, estando já localizado, ainda não foi possível contactar para confirmar ou infirmar se é ele ou não. Se se lembrar, claro está.
Claro fica que, quando publiquei a foto foi na intenção benigna do menino fotografado, entretanto feito homem, se rever naquela idade, e ter uma surpresa agradável e feliz. É que eu próprio, pondo-me no lugar dele, ficaria feliz se tal acontecesse. Não aconteceu. Se calhar a foto foi publicada tarde de mais. E, se tal aconteceu, eu me penitencio por isso.
SEGUNDA PARTE
E para que o mesmo não aconteça, agora, nestes tempos de FACEBOOK, vou partilhar outra foto que ilustrou uma crónica minha publicada no “Notícias de Castro Daire”, nos idos anos de 2004, também com um menino pastor, outro HERÓI DA SERRA. É que a HISTÓRIA faz-se com documentos e o HISTORIADOR, à falta deles ligados ao PASSADO, sabe, por antecipação, o uso que deles se fará no FUTURO.
Este era dos BRAÇOS e a foto foi tirada nas leiras da SEDORNINHA, entre Braços e Vila Pouca. Era filho de um senhor meu conhecido que à profissão de pedreiro juntava a de negociante em gado, uma forma de dar ocupação à prole, em tempo de escola e fora dela.
Como se vê, à semelhança do “herói” de Cujó, ele segura um bode pelos chifres, mas o centro da notícia foi que, entre as rezes que guardava, juntamente com uma irmã mais velha, havia uma cabra que mais parecia uma ovelha. O pai disse-me que a tinha adquirido, exatamente por ser diferente das raças locais e com essa aquisição suscitar interesse de compra, enquanto novidade na zona. Não sei se conseguiu.
A postura física entre os dois pastorinhos, cada qual a segurar a sua rês, é muito semelhante. Mas só isso. O de Cujó, em 1975, se frequentava a ESCOLA PRIMÁRIA, por ela se deve ter ficado e olaré. E o dos Braços (mais velho na aparência como se vê) frequentava já a Escola Preparatória de Castro Daire, uns graus acima na escala do ENSINO. E viemos todos à fala exatamente porque, passando eu por ali em passeio, ambos me identificaram como professor da ESCOLA e ele se prestou a posar para a câmara de 35mm, a MINOLTA que me acompanhava nessas andanças pelo campo. Coisa rara, meus senhores, coisa rara. Hoje tudo bate fotografias... até em telemóveis.
Não lhe segui os passos da vida, mas se hoje ele frequentar as redes sociais, nomeadamente os meus espaços online, (o que é muito natural que isso aconteça) poupo-lhe o trabalho de ir folhear o jornal onde publiquei a crónica e, deste modo, regressar ao seu passado de PASTORINHO NA SEDORNINHA e ter a alegria de se rever naquela idade.
E pergunto: quem não gosta de se rever em tempos idos, sobretudo naquela idade cujo futuro de vida é para todos nós uma incógnita? Que rumo se tomaria daí para a frente e que chão coberto se viria a ter em adulto, chão vedado aos quatro ventos e cobertura a desviar as chuvas e as neves?
TERCEIRA PARTE
Por certo os meus leitores estarão agora a perceber melhor porque passei parte dos meus serões, neste mês de setembro a ver coboiadas e a atravessar montes e vales escarrapachado numa sela, pés nos estribos, rédeas na mão atrás do gado, tal qual quando, remoçado, retornei aos 22 anos de idade a exercer aquela função de “projetista” que desempenhei no Cinema Santiago, em Tete.
Cavalgando com eles, sim. Fazendo-lhes companhia, sim. Compartilhando com eles os sonhos e aventuras que davam corpo a cada uma das narrativas postas na fita, sim. Fossem fitas a preto e branco, a cores, em formato cinemaScope ou outro qualquer. Mas não sem pensar e refletir que a maioria daquela gente, aquela plêiade de artistas de cinema, masculinos e femininos que foram cabeças de cartaz e esgotaram bilheteiras, tantos eles são (nomes para quê?), é tudo gente morta, ou em vias disso.
Posta assim a coisa, eu, que me assumo “podador na floresta das letras”, que, de podão em punho, vou abrindo alguns trilhos no matagal do pensamento, reconheço que a “sétima arte” - o CINEMA - mais do que a literatura homérica, me deu, efetivamente, as chaves do “Hades”, do “mundo dos mortos”, aquele espaço mítico subterrâneo, habitado pelos nossos heróis, onde se movimentam todos aqueles que, de uma forma ou de outra, deixaram a sua pegada no solo que pisamos fisicamente ou, em sonhos, algum dia almejamos pisar. E há tantos sonhos que se afogam em piscinas secas, para lembrar o remate que, recentemente, dei ao vídeo que fiz sobre aquela obra de PEIXENINHO, onde me iniciei na ARTE DE PEDREIRO.
EPÍLOGO
Voltando aos pastorinhos, à “terra, animais e gente”, houve quem levasse a sério o meu ensejo na identificação do “mocinho” que, em terras de Cujó, posou para a minha câmara. Também houve quem lhe pusesse uma pitada de humor e mostrasse mais empenho na identificação do carneiro do que na do pastor.
Ora, como eu também me presto a estas coisas do HUMOR INTELIGENTE, direi que o carneiro está, devida e abonadamente identificado. É o chefe do rebanho e exibe entre as pernas traseiras o seu BILHETE DE IDENTIDADE, uma ferramenta ALFA capaz de satisfazer toda e qualquer mão feminina que, ciosa do seu gênero, resolva tirar a prova dos nove e saber mais sobre a cornuda figura.
Deixada, porém, esta nota humorística (às vezes também necessária e oportuna) deixo claro que eu sempre levei muito a sério a vida do campo - terra, gente e animais - sobretudo num tempo que os meninos da aldeia saíam diretamente da ESCOLA PRIMÁRIA para as Faculdades da PECUÁRIA, da PASTORÍCIA, da AGRICULTURA ou de outras ARTES que viessem a ser o seu ganha-pão na vida.
Daí aquele HINO que, há anos, fiz aos PASTORES (a todos eles) naquele vídeo a que dei o nome “CUJÓ - CORGO FORNINHO”, cujo link aqui reponho por via das dúvidas. É que eu não me presto nada a brincar aos rebanhos nem ao jogo das TRANSUMÂNCIAS FICTÍCIAS, aquelas que parece quererem fazer nascer onde elas nunca existiram.