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segunda, 09 janeiro 2017 13:59

MÕES - A NOBREZA. 1

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HISTÓRIA VIVA

 Falar das casas brasonadas de Mões, concelho de Castro Daire, leva-nos a viajar não só no tempo, mas também no espaço. Leva-nos ao século XVIII e ao concelho de Resende, a S. Martinho de Mouros e entrar no solar da Soenga para conhecermos um dos seus proprietários: D. Joaquim de Carvalho Cabral de Azevedo Menezes, nascido a 30-01-1758, ano em que o Marquês de Pombal mandou circular pelas paróquias do Reino um inquérito, visando saber aspetos de carácter geográfico, demográfico, hidrográfico, religioso e, eventualmente, estragos resultantes do terramoto de 1755.

 

Ora se, no concelho de Castro Daire, o terramoto de 1755 fez poucos estragos, como já vimos em devido tempo, o mesmo não aconteceu noutras zonas do país, nomeadamente na casa da Soenga, que acabámos de conhecer. Ela foi «muito danificada com o terramoto de 1755 e, em 1779, D. Joaquim de Carvalho Cabral de Azevedo Cardoso e Meneses mandou-a reconstruir e ampliar, um pouco mais ao lado, com traçado completamente diferente do anterior. Este solar é considerado por muitos o mais grandioso da Beira Alta» .(1)

D.Henrique-MõesEmpreendedor, este fidalgo faleceu na casa que reedificou em 03.11.1836. Foi casado com D. Maria Antónia de Faro e Noronha Manuel Tovar e Menezes, casal que pôs no mundo uma prole de 8 filhos,  4 PICT1201raparigas e 4 rapazes, entre os quais, o mais novo, foi D. Henrique de Azevedo Faro Noronha e Menezes, nascido em 10.12.1801 e que, por via do casamento, se ligaria a Mões, terra onde faleceu em 2 de Janeiro de 1876, sendo sepultado no adro da Igreja, tal como reza a legenda gravada na lápide funerária junto da sua campa rasa, que aqui reproduzo:

«AQUI JAZ D. HENRIQUE D’AZEVEDO FARO DE NORONHA FIDALGO DA C.R. MOÇO FIDALGO COM EX…….NO PAÇO E BACHAREL FORMADO EM DIREITO FOI JUIZ DE FORA EM MIRANDELLA E ADMINISTRADOR GERAL DE BEJA SOB O GOVERNO LIBERAL N. NA CASA DA SOENGA AOS 10 DE DEZEMBRO DE 1801 E FALECEU AOS 2 DE JANEIRO DE 1876»

Ficamos assim a saber que D. Henrique de Azevedo Faro Noronha e Menezes, cuja parcela de vida ficou registada neste epitáfio lavrado em granito, junto à sua campa rasa, cujo estado de abandono mostra o respeito que se tem pelos antepassados, foi «moço fidalgo», «fidalgo da Casa Real», «juiz de fora em Mirandela», «Governador Geral em Beja» durante o «Governo Liberal». Mas, para além do epitáfio, tal como rezam os nobiliários disponíveis, fazendo jus à comprida métrica do seu nome e apelidos, desde cedo se preocupou com a sua descendência, aliás bem numerosa.

Enquanto solteiro, teve com Quitéria Carolina Miranda, da Corredoura, S. Martinho de Mouros, dois rapazes e duas filhas naturais. Veio, porém, a casar posteriormente com Margarida de Menezes Tovar, «herdeira da casa da Eiras, em Mões, filha de José Menezes Tovar de Almeida e Vasconcelos, da casa da Calçada de Viseu e de sua mulher D. Margarida de Oliveira e Castro de Almeida Novais[1], da dita Casa das Eiras, neta materna de António Oliveira e Castro, capitão-mor de Mões e Reriz, senhor da Casa das Eiras e de sua mulher D. Maria Delfina de Almeida Novais».(2)

Do matrimónio com esta senhora nasceram 10 filhos, quatro rapazes e seis raparigas, somando, assim, ao todo, das duas mulheres, 14 filhos.

Frederico-MõesDesta prole, gerada segundo as leis da Santa Madre Igreja, interessa-me, para o  meu trabalho, o nome de três filhos: o mais velho, D. António de Faro Noronha, nascido a 11-12-1844 e falecido em Castro Daire a 2-12-1891; D. José de Menezes de Tovar Faro e Noronha, nascido a 26 de Novembro de 1856, e o filhomais novo, D. Frederico de Azevedo Faro e Noronha, nascido em Mões, em1868, casado que foi com Maria da Piedade, em cuja prole, quatro rapazes, destaco o mais novo, André Soares de Tovar Faro, que casou com Maria Helena de Bettencourt e Oliveira de quem nasceu Maria Alice de Carneiro Soares que casou com José Pedro dos Santos Correia, nascido em 1939 (ano em que também vim ao mundo) casal que gerou Paulo Frederico de Soares dos Santos Correia, nascido em 11.08.1964 e Luís Filipe de Soares dos Santos Correia, em20.03.1968, que casou com Ana Paula de Soares Figueiredo Caramelo. (3)

Constata-se que, nesta linha sucessória de família, os apelidos Soares dos Santos Correia submergiram os históricos apelidos dos «Tovar Faro e Noronha». E essa a opção não será alheio o facto de estarmos em tempos de República e os apelidos da velha Nobreza terem passado à história, perpetuados apenas nos esquartelados brasões de armas de família que permanecem nas frontarias daquelas que foram as suas moradas. 

Mas voltemos aos filhos do patriarca, D. Henrique de Azevedo Faro Noronha e Menezes, isto é, a D. António de Faro Noronha, D. José de Menezes de Tovar Faro e Noronha e D. Frederico de Azevedo Faro e Noronha e seus respetivos descendentes, para os ligarmos às casas brasonadas que ainda existem em Mões: uma está perto da Igreja[2] e a mais antiga, designada por «Casa das Eiras», mais afastada.

Antes deles, a Casa das Eiras foi pertença de D. Maria Margarida de Oliveira e Castro de Almeida Novais, que casou, como vimos, com José de Menezes Tovar de Almeida Vasconcelos, de Viseu, casal que gerou Margarida de Menezes Tovar, que foi esposa de D. Henrique de Azevedo Faro e Noronha Menezes, o fidalgo da Casa Real que, oriundo de S. Martinho de Mouros, Resende, faleceu em Mões e está sepultado no adro da Igreja.

Mas quem era esta senhora D. Margarida Menezes Tovar, que casou com D. Henrique, casal quedeixou no mundo 10 filhos e cujas genealogias disponíveis e por mim consultadas omitem a sua ascendência? Era nada menos que a neta do capitão-mor de Mões e Reriz, António de Oliveira e Castro, senhor da Casa das Eiras, mais a sua mulher D. Maria Delfina de Almeida Novais.

Este capitão-mor de Mões e de Reriz, cedendo a filha ao fidalgo de Resende, veria os seus bens integrar-se no património do genro, tal como aconteceu com o capitão-mor, Lourenço Rangel de Carvalho, com casa e morgado na vila de Castro Daire, que, em 1706, casou a sua filha, Ana Maria Pereira Bravo de Menezes com José Teixeira Rebelo Cardoso de Aguilar, e assim, por via do casamento, os bens de um e de outro passaram à história como propriedades dos Faro Noronha, em Mões, e dos Cardoso de Aguilar em Castro Daire.

A mãe de Margarida de Menezes Tovar, já na situação civil de viúva, tal como referi no meu o livro «Castro Daire, Indústria, Técnica e Cultura», editado pela Câmara em 1995, resolveu, em 1852, tomar, em regime de «emprazamento», uma moita que o Barão de Castro Daire, Luís Malheiro Peixoto de Lemos  Melo e Vasconcelos, tinha nos arredores da vila de Castro Daire.

Com efeito, este barão, a residir em Lisboa no ano 1852, passou uma procuração a Florêncio Duarte Pereira Pinto, a fim de este, em seu nome, emprazar uma moita a Dona Maria Margarida de Castro de Almeida Novais, da vila de Mões.

Eis um excerto do documento lavrado no cartório de António Cardoso de Figueiredo Menezes, «tabelião em esta Vila e Julgado» que o subscreveu: 

«Escritura de emprazamento que por seu Procurador faz o Excelentíssimo Barão de Castro Daire à Excelentíssima Dona Maria Margarida de Castro Almeida Novais, da vila de Mões, em quinze de Novembro de 1852»

(…)

«Luís Malheiro Peixoto de Lemos Melo e Vasconcelos, Barão de Castro Daire etcetera = Faço meu bastante Procurador ao Ilustríssimo Senhor Florêncio Duarte Pereira Pinto da vila de Castro Daire para que em meu nome possa dar de emprazamento à Excelentíssima Senhora Dona Maria Margarida de Castro de Almeida Novais, da vila de Mões, hum bocado de Moita que possuo contíguo à Quinta da mesma Excelentíssima Senhora em Castro Daire pelo foro e condições que ao dito meu Procurador parecerem convenientes, o que lavrei por firme e válido. Lisboa, vinte de Outubro de mil oitocentos  cinquenta e dois = Barão de Castro Daire. E não constava mais no dito Alvará de Procuração, escrito em meia folha de papel de selo de quarenta reis, cuja letra e assinatura reconheço ser do próprio Excelentíssimo Barão» .(4) ms. Escritura de Emprazamento, 1852)

E na peugada dos descendentes desta tão ilustre gente de Mões, com o brasão de armas em duas casas, naquela vila, gente seguramente com influência política e económica no concelho (e não só, como vimos) encontrei no «Livro das Actas das Sessões da Câmara Municipal, relativo aos anos de 1874-1878», o nome de D. António de Faro e Noronha.

Com efeito, na sessão que teve lugar no 25 de Fevereiro de 1878, estando reunida a Câ­mara sob a presidência do Barão de Castro Daire, foi presente um «oficio do cidadão António de Faro e Noronha, lembrando a conveni­ência desta Câmara de convidar a Junta da Paróquia e a Mesada Santa Casa da Misericórdia, desta vila, para, conjuntamente com a Câma­ra, comprarem a bomba e mais utensílios próprios para incêndios, oferecendo-se gratuitamente para inspecionar os incêndios e o seu material». (5) «Livro das Atas das Sessões da Câmara Municipal, 1874-1878, fls. 15Ov/151r»1.

Nós já sabemos quem era este cidadão interessado na criação de um Corpo de Bombeiros Municipais e a prontificar-se para inspecionar os incêndios e o seu material necessário. Era nada menos que o filho primogénito de D. Henrique de Azevedo Faro Noronha e Menezes e de sua esposa, D. Margarida Meneses Tovar.

Nascido em 11 de Dezembro de 1844, António de Faro e Noronha faleceu em Castro Daire em 2 de Dezembro de 1891. Mas em vida, com a idade apenas de 34 anos apenas, foi quem teve a ideia da criação de um Corpo Municipal de Bombeiros. O requerimento apresentado na sessão de 25 de Fevereiro de 1878, como vimos acima, foi discutido na sessão seguinte, realizada em 11 de Março, e desse mesmo livro de actas retirámos o seguinte:

«Neste ato foi lido o oficio de António Faro e Noronha (...) re­lativo à compra da bomba para acudir aos incêndios, ao que a Câmara, depois de discutir o as­sunto (..) acordou que se escre­vesse a algum fabricante das mesmas bombas para se saberem os preços e que, convindo estes, se convidasse a junta da Paró­quia desta Freguesia e Mesários  da Stª. Casa da Misericórdia, desta vila, a concorrerem com alguma quantia para a compra da referi­da bomba e que depois se tratasse deste objecto na ocasião da organização do orçamento para o próximo futuro ano económico». (6) Idem,  fols. 152v)

E esta iniciativa, voltada para a defesa dos interesses da comunidade, avança e estando a «bomba» e demais material afim prestes a chegarem, o presidente da Câmara «(...) nomeou comandante do pessoal para ela António de Faro e Noronha, ficando assim também ele encarre­gado de arrendar casa para a mesma bomba e mais utensí1ios a ela pertencentes. Em seguida, foi por o vereador D. António apresentada uma proposta acerca do pessoal habilitado e competente, não só para funcionar regularmente com a bomba (...) mas também que se responsabilize pela sua conservação, mostrando assim a necessidade de se fardar esse pessoal ao que a Câmara, depois de muito discutir, acordou na referida proposta e que o mesmo vereador D. António tirasse uma subscrição para o aludido fardamento (....)». (7) Lv. Receitas e Despesas da Câmara Municipal – 1878-1891, fls. 175v)2

Falecido D. António, em 2 de Dezembro de 1891, em Castro Daire, de notar que, tendo embora vivido muitos anos, à revelia das Leis da Santa Madre Igreja,  com a sua parenta D. Adelaide Sofia Corrêa Montenegro, viria a casar com ela em 25 de Novembro de 1891, isto é, poucos dias antes de falecer. (8)

 Um outro filho de D. Henrique, também com desempenho político no concelho, foi D. José de Menezes de Tovar Faro e Noronha, nascido a 26 de Novembro de 1856.

Em 1910, contando ele então com 54 anos de idade, no ato da proclamação da República nos Paços do Concelho, cuja cerimónia teve lugar no dia 8 de Outubro, após o discurso inflamado do jovem terceiranista de direito, José Mário de Oliveira Baptista, que fez um rasgado elogia à República, o velho senhor Faro e Noronha, proclamou:

«Falou a juventude no seu ardor, entusiasmo e ilusões próprias da sua idade. Agora vai falar a velhice, na sua concentração e experiências de mais de cinquenta anos de vida» – e em voz vibrante, num belo repto de orador eloquente, disse a todos: «Não tivessem ilusões com a nova forma de Governo porque este era impotente para fazer a felicidade do povo, se o mesmo povo se não compenetrasse dos seus deveres e se as novas instituições não tivessem por lema – Ordem e Progresso – que era exactamente o que aconselhava a todos para a nação se fazer grande e para a nossa Pátria, a quem ele saudou, ser feliz». (9) «A Voz do Paiva», nº 574 de 9 de Outubro de 1910) 3

PICT0043Palavras sábias estas proferidas em 1910, aquando da implantação da República e a queda da Monarquia. Este cidadão, diferentemente do seu pai, pode não ter deixado descendentes, legítimos ou naturais, que se orgulhem hoje da sua paternidade e histórica linhagem fidalga que os nobiliários fazem remontar a D. Afonso Henriques, mas o historiador, repubkicano socialista e laico, oriundo do Povo, que não omite a sua origem plebeia e cujos ascendentes contribuíram, seguramente, com os seus foros, em géneros, para os celeiros do Clero e da Nobreza; eles, que contribuíram com o seu trabalho e sacrifícios para o povoamento e arroteamento dos montes e serras que formam Portugal, o historiador, dizia, cem anos depois de terem sido proferidas tais palavras, não pode deixar de prestar vassalagem ao acerto do seu conteúdo e aos desejos formulados por esse fidalgo, quanto ao futuro e felicidade da Pátria.

Por oportunas, como eco que se repercute nos tempos que correm, em que o País, após a queda da Monarquia, já vai na terceira vez que recorre ao apoio financeiro exterior para evitar a bancarrota nacional, aqui as repetimos:

«Não tivessem ilusões com a nova forma de Governo porque era impotente para fazer a felicidade do povo, se o mesmo povo se não compenetrasse dos seus deveres e se as novas instituições não tivessem por lema – Ordem e Progresso – que era exatamente o que aconselhava a todos para a nação se fazer grande e para a nossa Pátria, a quem ele saudou, ser feliz».

 

E tudo porque os detentores do poder, nacionais e locais, em vez de incentivarem e premiarem o trabalho, o mérito, a inovação e a excelência, nunca largaram a muleta da cunha, do nepotismo, do compadrio, da clientela, da mediocridade como recompensa pela fidelidade política e religiosa, pela a atitude vassálica e louvaminheira que lhe é prestada, na ilusão de que, com tais figurantes e com tais procedimentos de cerviz curvada trazem a «Ordem e o Progresso» ao país e ao povo.

E o que pode esperar-se de uma sociedade governada assim e que parece querer persistir no mesmo caminho, nos mesmos vícios, pondo em primeiro lugar os interesses pessoais, os interesses familiares e/ou correligionários políticos em vez do interesse comum? Pode esperar-se que, somados mais cem anos, mais duzentos, sei lá quantos, ao dia da implantação da República, as palavras daquele velho senhor monárquico, ao ver ruir uma monarquia de 8 séculos, continuem a ecoar pelos recôncavos de Portugal inteiro, reforçadas pela constatação e lamento que o historiador aqui deixa, em letra de forma para memória futura, nestes princípios do século XXI.

NOTA: Excerto do meu livro inédito (em elaboração) «CASTRO DAIRE, CLERO, NOBREZA E POVO» digitalizado e arquivado no DISCO RÍGIDO do meu PC.


[1] Em 1852, esta senhora, já viúva, toma de emprazamento umas terras no termo de Castro Daire, como veremos a seu tempo.

[2] Não incluímos aqui a casa mais chegada à Igreja, à frente do palacete dos Faro Noronha, pois essa, também com brasão, foi pertença dos capitão-mor António Machado Ferreira e herdada pelo seu filho Reverendo Licenciado José Machado de Almeida, no 1º quartel do século XVIII. «O brasão de nobreza do Dr. José Machado de Almeida ainda se vê na platibanda de um terraço de colunata toscana que fazia parte das suas antigas casas, agora mutiladas. É cortado: o primeiro partido de Machado e Almeida, o segundo de Ferreira, muito incorretamente representado em termos heráldicos. Por remate um chapéu de bispo, quando devia se de simples eclesiástico» (Alexandre Alves, «Mões» in «Castro Daire», 1986, Ed. C. m. de C. Daire.)

1 cf. meu livro «Os Nossos Bombeiros, a Nossa Música», 2005, pp 13

2 Idem pp  13-13-15.

3 Cf. meu livro «Implantação da República em Castro Daire –I», ed. Câmara Municipal, 2010, pp 53



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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.