Trilhos Serranos

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segunda, 20 junho 2016 13:00

ERMIDA DO PAIVA IX

Escrito por 


ERÓTICO ROMÂNICO

Como já deixei anunciado nesta página, na crónica anterior  (ERMIDA DO PAIVA VIII), fui convidado pela Divisão do Turismo do Município de Castro Daire  para ir dizer umas palavrinhas sobre a ERMIDA DO PAIVA relacionadas com a comemoração do dia  «Internacional de Monumentos e Sítios».

 Daniel-1 - REdzA "conversa" teria lugar no sábado p. p., ao fim da tarde, no términus de uma caminhada levada a cabo por cerca de 70 pessoas, iniciada na aldeia de Picão, com passagem obrigatória pela Ermida de São Mamede, Mata do Bugalhão e finalmente Ermida do Paiva, situada a pouca distância do rio que lhe legou o nome.

Foi um excelente passeio «pedibus calcantibus» por gente de todas as idades, menos eu que, combinado previamente com os organizadores do roteiro turístico, eles foram buscar-me a minha casa às 20h00, a fim de dar tempo a que o auditório/caminheiro chegasse ao sítio.

E chegou. Afogueado, formado por pessoas de todas as idades, incluindo algumas crianças, alguns idosos de vara na mão, tipo romeiros de Santiago, eram os exemplos vivos da valentia, da energia, da vontade e dos afetos, nesta sua relação com a serra-mãe, com a monumentalidade natural de que ela se veste e reveste conforme as estações do ano. Afetos com o património histórico natural e construído, como são as suas ermidasigrejas e alminhas.

Daniel-2 - RedzDe entre os caminheiros, muitos deles conhecidos meus e eu conhecido deles, fiquei altamente sensibilizado com o gesto da Senhora D. Alice, do Restaurante o Royal. Ao ver-me (já não nos víamos a algum tempo) dirigiu-se a mim e, naquela simpatia e afabilidade que a caracteriza e com que sempre me distinguiu como cliente seu, entregou-me uma flor colhida durante o percurso. Não sabia que eu estava ali, recolheu carinhosamente a flor durante a caminhada  e desfez-se dela, ali mesmo,  oferecendo-ma e distinguindo-me. Fiquei sem palavras. Mais pessoas houve que se apressaram a cumprimentar-me ansiosas por ouvir-me falar sobre o monumento. Entre as quais menciono duas senhoras de Cetos, cujo nome não fixei, que, reparem bem!, pediram licença para me cumprimentarem com um beijinho, dizendo que já me conheciam de nome, mas que nunca me tinham visto e ouvido. Que gostarem muito da forma como falei da história, ali, naquele sítio, que elas bem conheciam.  São os momentos que eu costumo designar «HISTÓRIA COM GENTE DENTRO».

Aconteceu ainda que, como fora combinado, com os organizadores, eu iria apenas «fazer uma perninha», isto é,  complementar o que, eventualmente, fosse necessário e não tivesse sido dito pelo jovem arqueólogo Daniel Albuquerque, Siglas - marcadas-9que, sabedor da minha disposição em passar o testemunho a gente nova,  acompanhei dois dias antes ao lugar, a fim de ele se responsabilizar pelo esclarecimento histórico que merece aquele nosso monumento românico, único do concelho, e sobre o qual escrevi o livro «MOSTEIRO DA ERMIDA», há muito esgotado

Acabada a sua missão, ele passou-me a palavra, e eu pedi desculpa por termos de repetir as voltas feitas ao templo, pois seria sempre em seu redor que se daria a explicação.

E foi em resposta a esta minha observação que uma senhora, muitíssimo atenta às minhas palavras, retorquiu: «não faz mal, a novenas costumam ser de nove voltas».

O que ela foi dizer! Olhei-a nos olhos e disse-lhe que ela acabava de alterar os planos que eu levava «in mente»  para o diálogo que iria seguir-se. Ela, sem saber, deu mote ao início da nossa conversa. É que, existindo nas paredes da ERMIDA DO PAIVA muitas pedras com a sigla em forma de NOVE (9) (ver foto ao lado), à boa maneira do professor que leva a aula planificada e um aluno, por Abílio - olharcuriosidade ou sugestão, o obriga a alterar o plano da aula, também eu resolvi começar a palestra, usando as palavras da NOVENA acabadas de proferir por essa senhora.

Rodeado pelo auditório, postei-me frente ao painel-sul da igreja, onde existem várias pedras com esse tipo de sigla e dispondo-me a falar sobre um dos seus significados possíveis, eis que fui inesperadamente interrompido pelo som do relógio a bater, nada mais, nada menos, do que as NOVE HORAS. Dir-se-ia que tudo estava combinado para que tal acontecesse. Para muita gente crente, dir-se-ia, até,  um milagre. Mas a verdade é que a sequência de tudo isto, foi puramente ocasional e isso só veio facilitar-me a difícil missão que foi eu falar do significado das siglas, numa interpretação pouco canónica e bem diferente daquela que, comodamente,  se queda nas "assinaturas de canteiros".

Apontei o laser de bolso a uma das siglas em forma de 9, falei das novenas, das nove badaladas das trindades, dos nove responsos dos testamentos relacionados com legados pios, dos nove meses da gestação da criança no ventre materno e falei, mesmo a calhar, daquela escultura masculina, toda nua, com avantajado sexo,  lavrado num dos modilhões que, ao contrário de outras esculturas, em nome do rigorismo puritano pregado por São Bernardo contra as esculturas pagãs existentes nas igrejas românicas, desapareceram à força do camartelo e dos valores morais que orientaram a mão do pedreiro, amputando assim documentos históricos testificadores de outros tempos, outros valores e de outras mentalidades.

Palestra-2É só ver as igrejas românicas da Cantábria. É só ir ao Google ou ao Youtube investigar o que ali existe sobre o ERÓTICO ROMÂNICO. Congratulo-me de ter sido pioneiro, de ter publicado em 2001 um livro onde faço a abordagem erótica da escultura românica existente nos modilhões daquela Igreja, tal como, passados oito anos, o CANAL HISTÓRIA e blogues disponíveis na Internet abordam e difundem pelo mundo, dando a conhecer algumas Igrejas Românicas da Cantábria.

Quando isso acontecer por cá, quando a maioria dos castrenses tiverem o cérebro suficientemente arejado, capaz de encararem uma realidade histórica que não se aprende na catequese, nem entre as quatro paredes de uma sacristia, saberá que, para além de espaço religioso e de cristandade,  a ERMIDA DO PAIVA incorpora um valor histórico, simbólico e cultural, bem digno de se tornar um atrativo turístico semelhante ao que já vai acontecendo com as tais igrejas românicas dos nossos vizinhos espanhóis. Mas sobre isso já falei em crónicas anteriores, devidamente ilustradas.

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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.