É verdade. Quando em 1995, no gozo da minha «licença sabática», me debrucei sobre a nossa «indústria, técnica e cultura», isso me fez investigar, inventariar, identificar e divulgar os nomes e os lugares dos lagares de azeite, moinhos e pisões hidráulicos sitos nas margens do Paiva, adentro das fronteiras concelhias. Desse trabalho resultou o livro «CASTRO DAIRE, Indústria, Técnica e Cultura», editado pela Câmara Municipal, livro hoje esgotado. Mas nele, dizia eu, a páginas tantas, estar ciente de que, no futuro, haviam-de «desaguar no concelho forasteiros interessados no turismo histórico-cultural» e, chegados cá, «havia que mostra-lhes o rico património arqueológico das indústrias, das técnicas e do trabalho, lagares de azeite, moinhos, pisões». E acrescentava: para que «tal desiderato fosse atingido» havia que proceder «primeiramente, à salvaguarda desse património» e, depois, inseri-lo nos respetivos «roteiros concelhios».E sobre o complexo moageiro da Rabaçosa escrevi:«Os quatro pares de mós que ali existem encontram-se em duas instalações separadas, muito perto uma da outra. A que está mais perto do rio teve quatro pares de mós em linha, mas hoje só tem dois pares, pois as outras não chegaram a ser repostas depois da grande cheia de 1963. Ambos os moinhos estão imobilizados com equipamento completo e em bom estado de conservação. A outra casa mais afastada do rio, feita estrategicamente para os moinhos não pejarem e poderem continuar a laborar no caso dos outros ficarem imobilizados pelo volume de águas, alberga dois pares de mós, mas só uma se mantêm a girar e a produzir farinha para os herdeiros ou pessoas amigas que pedem para lá moer».Foi em 1995. Estamos em 2009. Passaram-se todos estes anos e eis que, nesse complexo moageiro, por iniciativa e empenho de Maria de Fátima Ferreira Jesus, natural de Mões (com o auxílio da Câmara Municipal de Castro Daire e Junta de Freguesia de Mões que mandaram calcetar o caminho desde o rio até às casas, o que é de louvar) está prestes a ser inaugurado um empreendimento voltado para o turismo rural, ecológico, histórico e cultural, tal como preconizei no texto que acima transcrevi. Orgulho-me disso.O complexo turístico consta de cinco casas de dois pisos, rés-do-chão e 1º andar, moradas que foram dos antigos proprietários, moleiros e famílias. Separadas entre si, estão convertidas em nove quartos, cada qual com casa de banho privativa. Todos com as comodidades exigidas pela cidadania e pelos tempos que correm. Uma dessas casas foi destinada à recepção e não falta cozinha, sala de jantar e espaço de apoio aos hóspedes.Recuperação feita com gosto estético e rigor histórico até onde as técnicas, os materiais, o mobiliário e quejandos o consentiram, direi que o complexo vale bem uma visita, uma estadia. Vale bem usufruir, por algum tempo, aquele cantinho do mundo onde não chegam os ares poluídos dos grandes meios urbanos, onde o C02 não encontra ninho. Ali, naquela prega profunda da montanha, ali, junto ao leito cavado do Paiva, bordado de amieiros, salgueiros e outras árvores ávidas de água, ali, caída a noite, tornada audível a voz da natureza, o turista, o visitante, o hóspede, cuja exigência cultural e de bem estar não se fica pelo culto à tradicional concertina e a cantiga à desgarrada, bem pode ouvir, embrulhadas na cantilena das águas, as narrativas de Aquilino Ribeiro, vindas das Terras do Demo, a montante, bem pode compreender a razão de estarem ali daqueles moinhos e aquelas moradas, bem pode apreciar a coragem e a valentia das pessoas que ali se fixaram. Sim, pois a conquista de Portugal não se deveu somente à espadeirada dos nossos primeiros reis contra os mouros, mas também a todos aqueles que se fixaram e fizeram vida, durante séculos, esquecidos por estes esconsos rincões serranos. Autênticos conquistadores e povoadores foram eles. Autênticos conquistadores e povoadores são os que persistem, hoje, em dar vida e continuidade ao que eles nos legaram à força de muito trabalho, sacrifícios e impostos. O turista, dizia, bem pode ouvir o gregoriano cantado no Mosteiro da Ermida, lá muito a jusante, mas que, enraizado na serra desde as profundezas da Idade Média, tal como as trutas a nadar contra corrente, se recusa a deixar os povoados serranos, durante os rituais religiosos e missas cantadas. Ali, naquele canto do mundo onde cada pessoa, só ou acompanhada, em perfeita comunhão com a natureza, pode encontrar-se consigo própria, pode descobrir o seu «eu» profundo, pode reflectir sobre o «milagre da vida e o absurdo da morte», pode, enfim, na companhia de Vergílio Ferreira, participar numa nova «Aparição».NOTA: Alojado no meu velho site no ano de 2009, foi transposto hoje mesmo para aqui. Ao que se soma agora o seguinte vídeo alojado no Youtube. É só clicar:
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sexta, 03 junho 2016 18:52
Escrito por
Abílio Pereira de Carvalho
RABAÇOSA - TURISMO RURAL DESDE 2009
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Publicado em
História
Abílio Pereira de Carvalho
Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.