«NO MINÉRIO TRABALHAVA, TRABALHAVA...»
Nestas minhas andanças nos trilhos serranos, digo, nos trilhos da vida, dei por mim nas Minas da Queiriga, concelho de Vila Nova de paiva.
O meu primo Manuel Carvalho Soares, sabendo-me interessado em tudo o que respeita à História e à vida, levou-me até lá, até aquele outeiro esventrado, esburacado, de portas abertas, abandonado. Aquele outeiro que, em meados do século XX, foi um formigueiro humano de trabalho e de sonhos.
Entrámos. Lá dentro, numa galeria iluminada por vários óculos abertos na vertente do monte virada a Poente, vêem-se e contam-se as volumosas colunas naturais que a engenharia mineira moldou com vista a escorar o tecto e permitir a exploração do minério. Fosse esse tecto abobadado e dir-se-ia estarmos num claustro de Mosteiro, onde, a cada momento, ressoa o cântico gregoriano, ou, então, atentos ao trabalho que ali se desenrolou, naquelas entranhas da terra, a refletir luz e sombra, poços de água lá no fundo, ouve-se a algazarra dos mineiros, ouve-se o tilintar compassado das marretas e camartelos, ouve-se o matraquear das brocas a perfurar a terra. Adivinha-se o alento, o conforto, a alegria e o contentamento de cada uma daquelas toupeiras humanas ansiosas de verem convertido o produto do seu suor em escudos, em dinheiro vivo. Adivinha-se a bebedeira certa ao fim do dia, da semana e do mês. Ouve-se o desalento traduzido na cantiga que prevaleceu através dos tempos: «eu no minério trabalhava, trabalhava/todos ganhavam só eu não ganhava nada».
Ouve-se o mando e comando do concessionário, do capataz, ouve-se, lá longe, o troar dos canhões feitos com o volfrâmio exportado para os contendores da 2ª Grande Guerra - Ingleses e Alemães. Naquelas minhas está aberta uma página da vida humana. Uma lição de geologia, de história, de técnica, de cultura, de trabalho, de vida. E virá o tempo em que elas entrarão num qualquer roteiro turístico dirigido às pessoas que na vida querem ver mais do que igrejas, pelourinhos, castelos, mosteiros ou alminhas.
É isso. Ali, todo o homem culto, informado e sensível à problemática da vida humana, verá, sob o manto diáfano de um jogo de luz e de sombra, num bailado de luz e contra-luz, a nudez fria do rochedo, da verdade, do trabalho, da vida.
NOTA. Este texto foi publicado no meu velho site, em 2008, e transferido para aqui, hoje mesmo, 19/02/2016.