Trilhos Serranos

Está em... Início História ESCOLA ANTÓNIO SERRADO
domingo, 14 fevereiro 2016 15:45

ESCOLA ANTÓNIO SERRADO

Escrito por 
CASTRO DAIRE - RETALHOS DE HISTÓRIA -3

Decorria o ano de 1932 quando, através do Dr. Pio Cerdeira de Oliveira Figueiredo, que mantinha correspondência com uma senhora viúva (?) o nome é omitido, vá lá saber-se porquê - residente no Brasil, se soube em Castro Daire que essa senhora desejava construir uma Escola Primária, em Castro Daire, com o nome do seu falecido marido e para a qual «oferecia a importância de 100 contos».

IMG 1463Em face disso, são tomadas as primeiras diligências no sentido da aquisição do espaço para a sua construção. Previsto, inicialmente, expropriar-se um terreno no sítio dos Linhares, onde hoje se encontra a Escola Secundária, uma notícia publicada em «O Castrense», de 8 de Maio de 1932, diz que a «Câmara resolveu adquirir e oferecer para a construção um terreno junto ao depósito das águas, de harmonia com o parecer dos Técnicos do Ministério da Instrução que há semanas aqui estiveram abrindo as ruas de acesso à Escola que pelos mesmos técnicos foram indicadas. E foi já há dias anunciado ao Sr. Dr. Pio Cerdeira de Oliveira Figueiredo que se está à espera de autorização do Governo Brasileiro para lhe serem remetidos os 100 contos para a Escola».

Mas, até prova documental em contrário, parece que os planos foram alterados e, em 1937, a Câmara Municipal, desejando pôr em prática a vontade da senhora, supomos que a viúva do Comendador António Serrado, fez saber aos herdeiros da capela de Santo António, sita na vila, a norte do atual Jardim Público, que iria demolir o templo por eles herdado e administrada, pagando-lhes uma indemnização a combinar, caso eles assim o entendessem. 

Os herdeiros, membros da Família Freitas, de Vila Seca, concordaram com a deslocação da capela sem qualquer indemnização, desde que ela fosse reconstruída noutro lugar. E assim aconteceu. O templo acabou por ser reconstruído num terreno cedido pelo senhor Virgílio Leitão, ali para o lado dos Braços, na orla da vila, onde hoje se encontra. 

Esse terreno foi depois comprado pelo senhor António Clemente da Costa, o qual, em 1958, conjuntamente com o representante legal dos herdeiros da Capela, padre José Augusto de Freitas Marques, procederam à delimitação dos terrenos com marcos, como reza um documento feito no Cartório Notarial de Castro Daire. Feita a delimitação, vedado que foi o terreno e ficando este com uma entrada comum, acordou-se haver três chaves do portão assim distribuídas: uma para o senhor Clemente da Costa, outra, para a «comissão do culto» e a terceira, para o representante dos herdeiros da capela.

Transferida a capela e feita a Escola, nela iniciaram as primeiras letras muitos dos castrenses. Foi construída, ali, onde atualmente  existe o Mercado Municipal, levantado nos anos 80 do século XX, demolindo-a. Pode dizer-se que naquele espaço, onde, primeiramente, e por iniciativa de pessoas sensíveis à instrução e à cultura, se aprendeu a lidar cedo com a aquisição dos alimentos do espírito, se compram, atualmente, os artigos com que se alimenta o estômago: frutas, couves e nabos. Naquele espaço, quaisquer que sejam as marcas do tempo e da mudança, jamais de podem conciliar a «gratidão» e ingratidão».

Ligada a este estabelecimento de ensino se formou, depois, a «Associação dos Amigos da Escola» de que muitos castrenses estarão, por certo, lembrados e agradecidos, ou por nela terem desempenhado funções, ou por dela terem recebido os mais diversos benefícios.

 Num «Relatório de Contas» referente ao ano de 1960, podemos ler que «em homenagem à memória do nosso saudoso amigo, o benemérito COMENDADOR SERRADO, realizou-se na Escola, em 10-12-960, aniversário do seu nascimento, uma festa promovida pelos professores, na qual tomaram parte as 200 e tantas crianças da Escola»  e mais adiante, «falou depois o Sr. prof. Poças que, em quentes e vibrantes palavras, fez a biografia do homenageado, incitando as crianças a seguirem-lhe o exemplo de honradez, de trabalho e bondade. Enalteceu também a ação meritória da sua ilustre viúva, Srª D. Jane Serrado, que não esqueceu as crianças da terra de seu marido, e todos os anos vem mandando apreciáveis importâncias para poderem melhorar a sua saúde com os ares iodados do mar» e mais ainda «mercê da grande generosidade da Srª. D. Jane Serrado que, desde há  alguns anos, vem mandando as importâncias necessárias para este útil, e até instrutivo tratamento, tem sido possível mandar algumas crianças até ao mar, que nunca antes fora visto pela maior parte delas».

 E depois, referindo-se ao legado deixado por este comendador à Escola, acrescenta:IMG 1462

«Segundo comunicação da Agência Financial de Portugal no Rio de Janeiro, já  lá  foi entregue, e ficou à ordem desta Associação, uma cautela (nº 3853) representativa de 100 obrigações de guerra de 1.000 cruzeiros cada, com o juro anual de 6%. Estas obrigações são «metade do legado» com que o Sr. Comendador Serrado contemplou esta Associação. A outra metade está  cativa de usufruto a favor de umas senhoras, e só mais tarde ser  recebida. Por agora, e devido à benemerência daquele nosso conterrâneo e de sua viúva, temos na referida Agência, 600.000 cruzeiros em títulos de dívida brasileiros».
Na lista alargada dos sócios da Associação consta, em primeiro lugar, o nome da Srª D. Jane Serrado, viúva do Comendador, como «sócia benemérita» e, na mesma categoria, mas já falecida, a Srª. D. Emília Lezinsky Serrado, especificando os Estatutos da Associação que só seriam considerados «sócios beneméritos» os que o Conselho de Gerência considerasse como tais, devido «aos grandes benefícios prestados». 

E não eram tantos assim os sócios classificados de «beneméritos». Dos 174 sócios só 10 tinham essa categoria. Donde de conclui que, nesses tempos, exigentes eram os critérios de seleção para concessão de títulos de distinção. 

E essa criteriosa bitola não deixou de fora esses nossos conterrâneos e as suas excelentíssimas esposas. Elas, não sendo naturais de cá, o seu nome assim o indica, não esqueceram as gentes e terra dos seus maridos, daí que, por palavras e obras, se tornassem protagonistas da História Concelhia. E se os políticos as esquecem, ao historiador, por imperativo do ofício, cabe trazê-las à memória dos tempos.  

Abílio Pereira de Carvalho

 

Cf. «Notícias de Castro Daire» de 10-01-2005

Ler 1929 vezes
Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.