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sábado, 12 setembro 2015 14:40

CULTO DE HERÓIS E SANTOS

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1 . CULTO DE HRÓIS E SANTOS


Uma leitura minuciosa das «Inquirições de 1258» no que respeita às terras que hoje estão integradas no concelho de Castro Daire, diz-nos muito sobre a História Local sobre a identidade dos seus protagonistas, sua categoria social e relações que eles tinham com os bens materiais e espirituais.

Ali vemos que muitas das testemunhas ouvidas pelos inquiridores incumbidos se de apurarem do caminho ou do descaminho dos foros reais, tinham o nome e/ou apelido Pelágio, o nome do herói de Covadonga, aquele que, em 718, derrotou os Mouros, dando início à Reconquista Cristã.

Ora, para melhor entendermos esse facto, convém recordar que, em 1249, D. Afonso III, expulsou definitivamente os mouros do Algarve, prosseguindo a luta iniciada por aquele guerreiro fundador do reino das Astúrias, cujos feitos o tornaram popular em toda a Península Ibérica. Tão popular quanto o foi, cerca de 200 anos depois, um menino com o mesmo nome, Pelágio, natural da Galiza, sobrinho do Bispo de Tui. 
Aconteceu que, por volta do ano 920, num recontro entre cristãos e mouros saíram derrotados e cativos os cristãos que foram levados e metidos nas masmorras do Emir Abdemarrão III, de Córdova. Entre eles estavam o bispo Hermígio e o seu sobrinho Pelágio.

SampaioTratando-se de um menino de belas feições não tardou a ser cobiçado sexualmente pelo Emir que,«ardendo nos seus mais torpes desejos lhe fez grandes ofertas (?) e querendo acariciá-lo, tocou-lhe brandamente o rosto, dizendo-lhe palavras aliciadoras», mas Pelágio repeliu as carícias e retorquiu-lhe: «desvia-te, ou pensas por acaso que eu sou algum dos teus afeminados lacaios?» 
Face a tal recusa, o Emir encarregou alguns dos seus cortesãos de «perverterem o nobilíssimo mancebo», sem que o tivessem conseguido. 


Abdemarrão, vendo gorados os seus intentos, mandou que esquartejassem o menino cristão e atirassem as partes do seu corpo ao rio Guadalquivir. Tinha apenas 13 anos de idade e decorria o ano de ano de 925. 
Neste ponto da narrativa (dando de barato o raciocínio adulto da criança na palavras que ela dirige ao Emir, donde ressalta claramente a falsidade dela) convém ter presente que as lutas da Reconquista Cristã decorriam sem tréguas e, divulgando o resultado das intenções e acções sodomitas do Emir mouro, o episódio prestava-se muito bem a acirrar os ânimos dos cristãos contra os infiéis, ainda que o gosto de acariciar meninos, como o tem demonstrado a História, não se circunscreva àquele tempo, nem seja exclusivo de mouros, como muito bem sabemos pelos media do século XX, ao denunciarem os casos de pedofilia praticados por alguns padres e bispos cristãos, ferida que o Vaticano tenta sarar a todo o custo. 
Mártir em nome da fé cristã, o menino foi levado aos altares com o nome de São Pelágio e o seu culto veio a tornar-se muito popular em Portugal.

2: A FORÇA DA MEMÓRIA

Temos assim que o nome Pelágio, seja o do guerreiro de Covadonga ou seja o do mártir de Córdova, se popularizou em Portugal e, por largo tempo,  foi adoptado por muitos pais e padrinhos. 
Não estava ainda em moda dizer-se, aquém fronteiras, que «de Espanha nem bom vento, nem bom casamento» e, por isso, tal nome aparecer a identificar algumas das testemunhas de nobre condição que, em 1258,  depuseram nas Inquirições de D. Afonso III.  E havia, pois, razões de sobra para que o culto e o nome do herói de Covadonga, bem como o nome do menino retalhado em nome da sua fé, se projetassem no espaço e no tempo, durante as lutas entre Mouros e Cristãos.

 Então, como agora, pôr o nome de um herói, de um santo, ou de uma figura prestigiada a um filho ou a um afilhado, não é coisa de somenos. E quer o Pelágio guerreiro, quer o Pelágio santo, tinham fama e auréola bastante para que o seu nome fosse adotado, com honra e glória, tal como atualmente se adotam os nomes de alguns jogadores de futebol, protagonistas de romances, artistas de telenovelas ou, então, de pessoas que, por uma qualquer acção extravagante e sem qualquer sentido ou valor, se tornam heróis e ídolos através da Internet, basta que no Youtube ou no Facebook, obtenham o maior número de «clics».

 Assim sendo, vejamos, agora e em rigor, todos os que, com o nome ou apelido Pelágio, aparecem referidos nas Inquirições, relativamente às terras hoje integradas no nosso concelho, alguns deles com o título de «Dom» anteposto ao nome:


Reriz, isto é, na Quinta do Rabaelo: Martinho Pelágio; Alva: Gontina Pelágio; Carvalhal: Pedro Pelágio; Arcas: Pelágio Rodrigo, prelado da Igreja de S. Miguel Mamouros; Casal: D. Pelágio e Pelágio Moniz; Ribolhos: Pedro Pelágio e Martinho Pelágio filho de Plágio; Castro Daire: Mauro Pelágio, juiz; Braços: Pelágio Pedro; Farejinhas: D. Pelágio, Pelágio Mendes e Martinho Pelágio; Lamelas: Pedro Pelágio filho de D. Pelaio, Pedro Mendes e Pelágio Pedro; Covelinhas(1) : Miguel Pelágio, Lourenço Pelágio, João Pelágio e Pelágio, filho de Pelágio, ambos testaram à Igreja de Castro Daire, duas leiras foreiras ao rei, de jugada, sitas no termo de Covelinhas: uma em Vale cuterra e outra perto de Rosada;Folgosa: D. Pelágio, Pedro Pelágio, pai de D. Pelágio; Pedro Pelágio Pereira, sogro de D. João de Folgosa; Folgosinha: João Pelágio; Mosteiro: Pedro Pelágio; Baltar: Maria Pelágio, D. Pelágio, Mendes Pelágio; Domingos Pelágio, filho de Pelágio Domingues; Fareja: Martinho Pelágio filho de Pelágio Mendes; Pelágio Pedro, neto de Maria Pelágio; Ribas: Miguel Pelágio e Martinho Pelágio; Moção: D. Pelágio;  Gandivao (2)  (Cetos): Garcia Pelágio; Parada: João Pelágio, prelado da Igreja de São João de Parada; este prelado disse que viu D. Lourenço Pelágio possuir a terra de Parada vindas da mão de D. Pedro Portucalense, seu sogro, e este deu um seu escudeiro, Estêvão Viegas, vilão Dornelas e Vila Maior, metade destas duas vilas; Nodar: Gelvira Pelágio Gaga; Savariz: Pedro Pelágio e Pelágio Pedro; Pelágio Chão, dono da quinta. 


Ora, sabendo nós que as testemunhas ouvidas pelos «Inquiridores» eram pessoas idóneas, conhecedoras da história local e da identidade dos proprietários de bens rústicos e urbanos, constatámos que entre os indivíduos com o nome e/ou apelido Pelágio havia juízes, clérigos e outros que antepunham ao seu nome o título «Dom» próprio da nobreza de sangue e também dos cavaleiros-vilãos.
E, face a isto, uma pergunta se impõe: que é feito atualmente do nome Pelágio entre nós? A lista da «Onomástica Portuguesa», disponível na Internet, inclui o nome Pelaio, uma derivação de Pelágio, tal como e são as derivações Palaio e Paio.
Procurei, mas não encontrei nas terras concelhias, pessoas que atualmente usassem o nome Pelágio, Palaio, Pelaio ou Paio. O mais que encontrei foi São Pelágio (dito nas suas derivações, Palaio, Pelaio ou Paio) oragos de Vila Boa e de Vila Pouca, sendo que São Paio era igualmente o nome do lugarejo atualmente integrado em Vila Pouca, tal como se vê numa sentença de 1860, relativa à demanda que opunha os moradores de Fareja aos de Vila Pouca e Baltar de Cima. (Cf. neste site artigo próprio, onde o assunto está tratado desenvolvidamente) 
E isto me leva a concluir que ao desaparecimento de tal nome bem pode estar ligado o tipo de relações políticas e militares existentes entre Portugueses e Espanhóis registadas no decurso da História. Daí, também, a expressões populares, «virai costas a Castela» e «de Espanha, nem bom vento, nem bom casamento».


Pelaio

 
 
 
Certo, pois, é que o nome Pelágio, o guerreiro de Covadonga, adotado durante séculos entre nós, esquecido que foi o culto do herói, deixou, gradualmente, de receber a água benta nas pias de batismo. Mas se isso aconteceu, o nome Pelágio, o do santo, o menino mártir cobiçado por Abdemarrão III, desceu dos altares e tornou-se no apelido frequente e duradouro, Sampaio ou São Payo, já conhecido, em Portugal, em 1288, na pessoa de Vasco Pires de São Payo.

Diferente deste meu raciocínio linear resultante desta minha romaria em torno do nome Pelágio, visando extrair das «Inquirições de 1258» a identidade dos protagonistas da História Local, a sua categoria social, as suas relações com os bens materiais e espirituais, bem como a força da memória e a prova histórica do culto de heróis e santos verificado através dos tempos, é a conclusão de Manuel de Sousa ao afirmar que o apelido Sampaio ou São Paio é de «raízes tipicamente toponímicas, por ter sido tirado do da honra desta designação, em Trás-os-Montes», pois ssim o diz no seu livro «As Origens dos Apelidos das Famílias Portuguesas».

 
[1] Covelias é igual a Covelinhas e esta «aldeola» tomou o nome de Santa Margarida, algures no tempo que não me foi possível apurar. (Cf. o meu artigo sobre o assunto no «Notícias de Castro Daire» e neste site em artigo próprio.

[2] Idem

 
Nota: este texto foi publicado, pela primeira vez, no meu velho site «trilhos serranos» em 25/08/2011/ 13:10;25 e também no «Notícias de Castro Daire». Fiz hoje a sua transferência para este novo site na sequência das crónicas que escrevi no Facebook com o título «A INVASÃO» a propósito da vaga de REFUGIADOS que procuram na Europa «paz e vida» fugindo dos seus países de origem.

Abílio Pereira de Carvalho
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Abílio Pereira de Carvalho

Abílio Pereira de Carvalho nasceu a 10 de Junho de 1939 na freguesia de S. Joaninho (povoação de Cujó que se tornou freguesia independente em 1949), concelho de Castro Daire, distrito de Viseu. Aos 20 anos de idade embarcou para Moçambique, donde regressou em 1976. Ler mais.