HISTÓRIA COM GENTE DENTRO
Em agosto de 2015, publiquei aqui, neste meu espaço, um texto ilustrado com documentos manuscritos, dando conta de um «diferendo» existente, em 1888, entre os moradores da freguesia de Monteiras e de São Joaninho, que, então incluía a povoação de Cujó.
É o texto que constitui a PRIMEIRA PARTE da crónica que se segue, à qual adicionei uma SEGUNDA PARTE, feita neste ano de 2022, por força dos elementos que fui acumulando nos meus arquivos, ao longo do tempo. Assim:
PRIMEIRA PARTE
NOTA PRÉVIA
O assunto que trato nesta crónica consta do meu livro «Cujó, Uma Terra de Riba-Paiva» editado pela Junta de Freguesia, no afastado ano de 1993. Daí passou para a Internet (para o meu velho site trilhos-serranos, onde permanece alojado, como texto histórico) e eu resolvi transpor agora para este meu novo site, dando-lhe outra configuração. Isto na sequência do texto que publiquei ontem no Facebook sobre um receituário para maleitas de animais, manuscrito, em Cujó, no ano de 1881, por Francisco Pereira de Morais e Silva. Assim, tal qual segue:
Decorria o ano de 1888, quase no pôr-do-século XIX, quando uns tantos habitantes de Cujó apresentaram à Câmara Municipal de Castro Daire uma «suplicação» em defesa do monte baldio que, sendo comum às povoações de Cujó e Monteiras, os habitantes desta tentavam dividi-lo entre si, em prejuízo dos seus vizinhos. E comentavam na «suplicação», como se segue:
«Desta ilegalidade segue-se outra, qual é a de se descreverem nas novas matrizes essas porções de terreno como prédios particulares, sem o serem e até já consta que alguns têm sido descritos e louvados nesse sentido.
Os suplicantes vem fazer esta participação a V. Exas. para se dignem, por interesse do Município que lhes está confiado, pôr embaraço em um tal abuso, pedindo se assim o entenderem reclamar quaisquer providências do Exmo. Senhor Governador civil do Distrito».
Antes de entregarem o abaixo-assinado os signatários tiveram de ir reconhecer as assinaturas ao notário e foi assim que este, por seu punho, ele se pronunciou logo a seguir às firmas dos suplicantes:
«Reconheço de verdadeiras as dezasseis assinaturas precedentes por me serem abonadas pelas testemunhas João da Costa Pinto e João Duarte Pereira, ambos casados, lavradores e moradores no lugar de Cujó, freguesia de São Joaninho deste concelho, as quais sendo hoje presentes no meu cartório me certificam que as referidas dezasseis assinaturas eram todas verdadeiras e feitas pelos próprios signatários delas, em verdade do que vão assinar comigo».
(Ass: pelo notário (assinatura ilegível) e por João da Costa Pinto e João Duarte Pereira
Face à petição, a Câmara procedeu às diligências necessárias e mandou ouvir a Junta de Paróquia de S. Joaninho que informou o seguinte:
«Cumpre-lhe informar que o terreno de que se trata é municipal e assim foi em todo o tempo e tem esta povoação de Cujó a posse imemorial de ir ali cortar mato e apascentar seus gados na forma do disposto na postura deste Município. São Joaninho a 27 de Maio de 1888». Ass)
O presidente - João Duarte Pereira
O Vice-presidente - Joaquim da Costa Pinto
O vogal - João Duarte
E porque estes moradores de Cujó não se silenciaram perante a injustiça que os moradores das Monteiras contra eles queriam levar a cabo, porque, com letra escorreita, uns, e/ou tremida, outros, não hesitaram em rabiscar as suas firmas num requerimento em defesa dos interesses colectivos da aldeia e, ainda, no sentido de despertar nos jovens, em geral, e particularmente, nos jovens descendentes destes homens, o sentido da cidadania e respeito pelos seus avoengos, aqui deixo o «fac-simile» de parte desse documento e das assinaturas nele rabiscadas, devidamente reconhecidas pelo Notário, não vá alguém duvidar delas e da hermenêutica que o historiador aplica aos documentos para deles extrair opinião e fazer HISTÓRIA SÉRIA.
SEGUNDA PARTE
Vimos que a SUPLICAÇÃO dirigida ao, então, PRESIDENTE DA CÂMARA de CASTRO DAIRE, assinada por vários cidadãos da freguesia de São Joaninho, contém, entre os seus subscritores, os nomes de FRANCISCO PREIRINHA E SILVA e JOÃO DUARTE PEREIRA, que era o Presidente da Junta de freguesia, os dois de Cujó e assumidamente republicanos, após a queda da MONARQUIA, como deixei amplamente documentado no meu livro “IMPLANTAÇAO DA REPÚBLICA EM CASTRO DAIRE -I”.
Dito e sabido isso, porquê, então eu retomar o tema e aditar ao texto publicado, com … leituras até à data, uma SEGUNDA PARTE?
Responderei que se deve, tão só, às pesquisas que prossegui posteriormente, tanto em arquivos escritos, como ouvindo e falando com as pessoas da serra, essas enciclopédias bípedes ambulantes que, muitas delas, apesar de poucas letras, sabem mais de geografia e de hidrografia locais, do que o mais ilustre e encartado geógrafo académico.
Ora, com vista a preservar a TOPONÍMIA que nos chegou da IDADE MÉDIA, resistindo aos ventos e revoluções somadas na barra cronológica da HISTÓRIA, e reconhecendo eu que os TOPÓNIMOS são, atualmente, uma espécie em vias de extinção, tenho andado a percorrer o RIO PAIVÓ e a registar topónimos adjacentes, com vista a quem nem o RIO, nem as terras que o marginam, percam a sua identidade. E, caso venham a perdê-la, por força da mudança dos tempos, das profissões e das mentalidades (quase que podia garantir que sim, neste ano de 2022) ao menos ficará o registo AUDIOVISUAL e escrito destinado aos nossos vindouros.
E foi nessas andanças que, através José Ferreira Miguel, ex-agente da GNR, natural da Relva, freguesia de Monteiras, me chegou o nome de FIRMINO PEREIRINHA E SILVA, seu «bisavô» casado na Relva, mas oriundo de Cujó, bem como a “lembrança” da contenda que ele FIRMINO PEREIRINHA E SILVA teve com outro membro da família, FRANCISCO PEREIRINHA E SILVA por causa dos baldios que envolviam as duas freguesias.
E foi para mim o “clic”. Aqui, na serra, tal como na Batalha de Aljubarrota, onde Nuno Álvares Pereira e o seu irmão, Diogo Álvares Pereira, estiveram em barricadas opostas, o primeiro do lado de Portugal e o segundo do lado de Castela, a questão dos Baldios entre S. Joaninho e Monteiras, em 1888, pôs em campos diferentes Francisco Pereirinha e Silva e Firmino Pereirinha e Silva.
O primeiro assumidamente republicano, após a queda da MONARQUIA e o segundo aliado às hostes MONÁRQUICAS, pois o seu nome FIRMINO DA SILVA (sem o “PEREIRINHA” inclui o rol da fundação do CENTRO MONÁRQUICO em Castro Daire, em 1915, como consta no Jornal “A União”, n. 164, de 2 e maio de 1915 e consta, igualmente, na lista dos cidadãos que em 1930 procuram organizar a formação do partido da UNIÃO NACIONAL, como nos dá conta o jornal “O Castrense” de 15 de Fevereiro de 1931.
Acresce que FIRMINO PEREIRINHA E SILVA, diferentemente de FFRANCISCO PEREIRINHA E SILVA, do qual apenas conheço o nome e a sua filiação política, deixou a sua fotografia associada à do seu filho Padre David, que me chegou ao conhecimento pelas mãos do meu amigo José Ferreira Miguel. (Foto acima).
Mas, palavra puxa outra e, no caso presente uma foto puxou outra. A primeira, mostra-nos um jovem recém-saído do seminário, ao lado do pai e a segunda, o mesmo jovem clérigo com barbas de missionário regressado de África com a maleita que, tão novo, o levaria deste mundo.
Devo esta segunda foto ao meu amigo António Silva, de Cujó, filho de um casal vizinho da casa dos meus pais. O pai dele éJosé Morais da Silva, a mãe Maria da Glória Pereirinha, neta de João Pereirinha e Silva, irmão de Firmino Pereirinha e Silva, pai do Padre David.
E na família PEREIRA MIGUEL persiste também a “lembrança” do jovem padre David querer abastecer a aldeia da Relva com a água vinda da FONTE DO SALGUEIRO, o que desagradava frontalmente ao pai FIRMINO por esse desvio diminuir o caudal da levada que ele congeminou e, com a ajuda da povoação, levou a cabo, para irrigar as terras de cultivo, aquelas que, até então, estavam cobertas de giestas brancas. Quer dizer, o pai a dar prioridade à produção agrícola e o filho a preferir a HIGIENE das pessoas.
Posições inconciliáveis, o pai monárquico levou a melhor e o filho, sabe-se lá se republicano, partiu para África, donde regressou, doente, com barbas à GUERRA JUNQUEIRO, se calhar a pensar na obra literária “A morte do Padre Eterno”.
Foi sepultado no cemitério de S. João, em Lisboa, e deixou escrita a vontade de lhe escolherem ali um lugar «donde pudesse ver as naus a partir para África».
Abílio Pereira de Carvalho